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Art. 6 – Se a pena participa, mais do que a culpa, da natureza do mal.

(IIa IIae, q. 19, a. 1; II Sent., dist. XXXVII. q. 3, a. 2; De Malo, q. 1, a. 5).
 
O sexto discute-se assim. – Parece que a pena participa, mais do que a culpa, da natu­reza do mal.
 
1. – Pois, a culpa está para a pena como o mérito para o prêmio. Ora, o prêmio participa, mais do que o mérito, da natureza do bem, pois é deste o fim. Logo, a pena participa, mais do que a culpa, da natureza do mal.
 
2. Demais. – Maior mal é o que se opõe ao maior bem. Ora, a pena, como já se disse1, opõe-se ao bem do agente; e a culpa, ao da ação. Sendo, porém, o agente melhor do que a ação, resulta que pior é a pena do que a culpa.
 
3. Demais. – A privação mesma do fim é uma certa pena, chamada a carência da visão divina; porém o mal da culpa vem da privação da ordem em relação ao fim. Logo, a pena é maior mal que a culpa.
 
Mas, em contrário. – O artífice sábio faz mal menor para evitar o maior; assim como o médico amputa um membro para se não corromper o corpo. Ora, a sabedoria de Deus inflige a pena para evitar a culpa. Logo, esta é maior mal que aquela.
 
Solução. – A culpa participa, mais do que a pena, da natureza do mal. E não só mais do que as penas sensíveis, que consistem na priva­ção dos bens corpóreos, e às quais a maior parte dos homens atendem; mas também mais do que a pena em acepção universal, segundo a qual a privação da graça ou da glória são determinadas penas. E disto é dupla a razão. – A primeira é que pelo mal da culpa nós nos tornamos maus; não porém pelo da pena, segundo aquilo de Dio­nísio: Ser punido não é mal, mas sim fazer-se digno da pena2. E isto porque, consistindo o bem puro e simples, no ato, e não na potência, e sendo o último ato a operação ou o uso de quaisquer coisas possuídas, o bem absoluto do homem é relativo à boa operação ou ao bom uso das coisas possuídas. Ora, nós usamos de todas as coisas pela vontade. Por onde, pela vontade boa, porque o homem usa bem das coisas pos­suídas, dizem que ele é bom; e pela vontade má, mau. Porém, o que tem a vontade má também pode usar mal do bem que possui; como se um gramático voluntariamente falar de modo incôn­gruo. Logo, consistindo a culpa em si mesma num ato desordenado da vontade, e a pena em a privação de qualquer dos bens de que usa a vontade, mais perfeitamente participa da na­tureza do mal a culpa do que a pena. – A se­gunda razão pode se deduzir de ser Deus o autor do mal da pena, não porém do mal da culpa. E a razão é que o mal da pena priva do bem a criatura; quer se considere como bem da cria­tura um bem criado; assim a cegueira priva da visão; quer como bem incriado, assim pela carência da visão divina fica privada a criatura do bem incriado. Porém, o mal da culpa opõe-se propriamente ao bem incriado em si mesmo. Pois contraria ao implemento da divina vontade e ao divino amor, pelo qual o bem divino é amado em si mesmo e não só enquanto participado pela criatura. Por onde se vê, que a culpa mais par­ticipa da natureza do mal do que a pena.
 
Donde a resposta à primeira objeção. – Embora a culpa tenha na pena o seu termo, como o mérito no prêmio, contudo a culpa não é incorrida por causa da pena, como o mérito é adquirido por causa do prêmio; mas antes inversamente, a pena é estabelecida para ser evitada a culpa. E assim esta é pior que aquela.
 
Resposta à segunda. – A ordem da ação, eliminada pela culpa, é bem mais per­feito do agente, por ser perfeição segunda, do que o bem eliminado pela pena, que é perfeição primeira.
 
Resposta à terceira. – Não se compara a culpa com a pena, como o fim com a ordem para o mesmo; porque de ambos pode se vir a ficar privado de certo modo, tanto pela culpa como pela pena. Pela pena, enquanto o próprio homem mesmo se afasta do fim e da ordem para o fim. Pela culpa, porém, enquanto tal privação pertence à ação, não ordenada para o fim devido.

  1. 1. Q. 48, a. 5.
  2. 2. De div. nom., c. IV (lect. XVIII).
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