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Dom Hélder em Paris

Gustavo Corção

 

O Sr. Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, fez no semanário francês L’Express várias declarações que foram publicadas n’O Estado de São Paulo, de 16 do corrente. Dada a promoção que se organizou, com centro em paris, para a difusão das “palavras aladas” de nosso arcebispo, temos o dever de examinar cuidadosamente suas declarações e registrar seus “compromissos”. A notícia vinda de Paris começa por esta promessa do príncipe da Igreja: “Ficarei na minha diocese e continuarei falando como bispo, e penso que será muito difícil fazer calar-me”. Respondamos a cada uma das três proposições que compõem o período acima.

“FICAREI NA MINHA DIOCESE”. Respondo:

Alegrar-me-ia se me convencesse de que Dom Hélder descobriu afinal seu compromisso principal, mas não me parece fácil tal convicção. Veremos se o “fico” de Dom Hélder ficará na história. Respeitosamente duvido.

“CONTINUAREI FALANDO COMO BISPO”. Respondo:

Ninguém pode continuar o que não estava fazendo. Seria melhor dizer: “PASSAREI A FALAR COMO BISPO”, porque até agora o arcebispo de Olinda e Recife tem falado como ideólogo que descobriu um modo de consertar os desconcertos do mundo, mas até agora não explicou sequer os primeiros parâmetros da nova estrutura que anuncia. Agora mesmo, em Paris, pregou uma coisa chamada “violência pacífica” que ninguém sabe exatamente o que é, mas todos sabem que inclui “respeito por todos aqueles que, em consciência, elegem a violência ativa”: Che Guevara ou os jovens que tem a mesma opinião em nossa terra porque se sacrificam pela justiça” (grifo nosso). Por aí se vê que a “violência pacífica” do bondoso arcebispo vê com bons olhos, embora úmidos, os sequestros e homicídios que os rapazes comunistas praticam no Brasil. No caso do sequestro do embaixador americano, os terroristas disseram que “justiçiariam” a presa caso não fossem atendidas as exigências formuladas. Dom Hélder, a propósito de tais façanhas, emprega o termo “justiça” que assim terá afinidades verbais com o termo “justiciaremos” dos sequestradores. Por estas e por outras muita gente no Brasil, certamente a maioria da população consciente, vê em Dom Hélder um agente voluntário ou involuntário da III Guerra Mundial que hoje tem centro em Paris e tem por objetivo a massificação da humanidade.

Depois de tal engajamento acho muito difícil passar Dom Hélder a falar como bispo aos seus diocesanos. Impossível não é porque Sua Excelência, o Arcebispo de Olinda e Recife, ainda está, como nós, na peregrinação que nos é dada para a conversão e para a penitência. Rezemos.

“PENSO QUE SERÁ MUITO DIFÍCIL FAZER-ME CALAR”.

Eu também penso. Por si mesmo, quem se habitou a falar com tanto desembaraço e quem se inebriou de tantos aplausos em Paris, dificilmente quererá dedicar uns dez anos, ou mais que viva, à oração e ao trabalho silencioso da cura das almas. Logo adiante, na mesma declaração, Dom Hélder anuncia o seu provável martírio. Todos nós sabemos que Dom Hélder não será molestado em sua diocese, e muitos chegam a insinuar que o Sr. Arcebispo deseja ardentemente ser arranhado. Dom Hélder não se calará por si mesmo, nem pela força, a não ser que o nosso bom Brasil caia nas mãos dos comunistas. A história está aí para dizer o que eles sempre fizeram com os revolucionários e simpatizantes da primeira hora.

Restaria ainda o caminho intermediário da persuasão, mas a experiência de 20 anos já provou que o arcebispo não ouve a voz dos velhos amigos a começar por aquele a quem, nas vésperas da sagração episcopal, suplicou com os olhos no teto: “ajude-me, avise-me se eu errar...”. Houve nessa ocasião uma festinha no Centro Dom Vital. Na mesa éramos três: Dom Hélder, Alceu à sua direita e eu à sua esquerda. Na sala éramos uns cinquenta amigos. Em certa altura dos discursinhos que pronunciou, Dom Hélder, apertando convulsivamente as mãos, erguendo os braços e quase soluçando, suplicou ao auditório: Vocês rezem! Rezem! Rezem para eu não ficar besta! ”. E foi no termo desse discurso que voltou-se para mim depois de haver abraçado o Alceu. Abraçamo-nos e beijamo-nos e ele então sussurrou-me ao ouvido: “corrija-me, advirta-me se eu errar! ”. Penso ter cumprido opportune et inopportune a promessa de vinte anos atrás. Agora espero que o Sr. Arcebispo de Olinda e Recife cumpra a sua recente promessa: ficar na sua diocese e falar como bispo.

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Duas palavras sobre a boa nova anunciada em Paris pelo Arcebispo de Olinda e Recife. Leio: “É preciso que todos os jovens brasileiros, universitários, todos, procuremos juntos uma fórmula de socialização que não esmague a pessoa humana e que não una socialismo e materialismo”. Mas enquanto procuramos essa coisa nebulosa D. Hélder fala com vigor de quem já possui a chave: “Pessoalmente, minha maneira de ver o Evangelho me leva à violência pacífica. Não me contento com minirreformas, exijo transformações profundas...”

Este “exijo” me lembra imediatamente o “castigaremos implacavelmente” dos tempos em que o Pe. Hélder era integralista. A tudo isto respondo: também eu, enquanto Deus quiser, não me calarei. E por hoje dou a seguinte resposta ao Arcebispo de Olinda e Recife: todos nós sabemos que é grave, gravíssimo, o problema da miséria no Brasil, e todos nós já procuramos trazer nossa contribuição. Pessoalmente, como diz D. Hélder, escrevi centenas de artigos sobre o imperativo da integração do ecúmeno brasileiro contra a construção de Brasília. Combatemos ardorosamente os governos que arruinaram e que depredaram o Brasil, que empobreceram mais os pobres, que exauriram mais os miseráveis. Será preciso lembrar que Dom Hélder, nesse tempo, era persona gratíssima? O que fez então em defesa dos pobres? Prestigiou os governos que mais os empobreceram.

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P.S. — Só agora li na íntegra as espantosas declarações de Dom Hélder à revista L”Express. Voltarei ao assunto.

 

O Globo, 04/07/1970

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