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11. Resposta a um leitor anônimo

Capítulo undécimo

Resposta a um leitor anônimo.

 

Um leitor do Bulletin, que preferiu manter-se no anonimato, nos enviou uma longa carta criticando um de nossos artigos sobre o pecado original. Destacamos dessa carta as passagens principais, confrontando-as com autoridades que nosso correspondente certamente respeita tanto quanto nós.

O sr. sustenta uma proposição sobre a qual há divergência entre autores católicos e da qual você quer fazer um dogma de fé.

Nós dissemos: as crianças mortas sem batismo estão condenadas, e citamos como prova os Concílios de Lyon e de Florença; citamos Bossuet e o Cardeal Belarmino, dizendo que essa doutrina é de fé católica e a contrária, herética. Nosso catecismo nos diz a mesma coisa: “Os efeitos do pecado original em relação à alma são: a perda da graça, a ignorância, a concupiscência ou a inclinação para o mal, e a morte eterna” (p. 82). A morte eterna, a danação, o inferno são todos a mesma coisa.

Se há divergência entre autores católicos, não é sobre esse ponto, mas sobre a extensão das penas, e especialmente da pena do fogo. Não quisemos entrar nessa questão, precisamente porque queríamos nos ater à fé, sem entrar no terreno das opiniões.

Essas crianças serão punidas pelo pecado original apenas por não serem admitidas no céu.

Não, não serão apenas privadas do ingresso no céu, mas descenderão ao inferno, onde sofrerão punições. É o que diz o texto mesmo dos Concílios de Lyon e de Florença.

...Mas isso pode se dar sem que estas crianças sejam punidas ou infelizes, como se fossem culpadas do pecado que existe nelas.

Nosso correspondente afirma que “o pecado existe nelas”, mas não parece inclinado a considerá-las como realmente culpáveis. Todavia, São Paulo nos diz: “Pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores” (Rom 5, 19). E o Concílio de Trento diz que o pecado de Adão, transfundido em seus filhos, é um pecado próprio a cada um deles: Transfusum omnibus, inest unicuique proprium (Sess. V. Canon III).

Adão afastou-se de Deus, e daí formou em sua alma uma aversão habitual... Mas em seus filhos, o pecado original transmitido é verdadeiramente uma aversão habitual, um vício moral?

Sim, exatamente: o pecado original coloca a alma do filho de Adão no mesmo estado da alma do próprio Adão; é o mesmo vício moral, a mesma aversão habitual a Deus; é o estado de pecado, é a morte da alma, como diz o Concílio de Trento.  (Sessão V. Cânone 1).

O vício é a continuação do ato; como aquele que não cometeu o ato pode receber sua continuação?

Este argumento levaria a negar o próprio pecado original; mas como nosso correspondente não quer de modo algum ir tão longe, apenas assinalaremos que, se quisermos negar as penas infligidas ao pecado original, facilmente chegaremos à negação do próprio pecado original.

Que o pecado original seja uma feiúra da alma, a falta de uma graça que Deus tem o direito de reclamar, um estigma que nos priva de um dom puramente gratuito, isto resulta claramente da revelação.

O pecado original certamente é isso; porém, por mais que nosso correspondente tenha dificuldade em reconhecê-lo, ele não é só isso.

Mas que esse pecado de origem seja equivalente a um pecado atual, por meio do qual o homem se afasta de Deus, seu criador, isto não é evidente e requer provas totalmente satisfatórias.

As provas não são difíceis de encontrar. Pois:

1) São Paulo diz: “por um só homem entrou o pecado neste mundo (...) no qual todos pecaram” (Rom 5, 12); e ainda: “pelo pecado de um só, incorreram todos os homens na condenação” (Rom 5, 18).

2) O Concílio de Trento lança o anátema contra quem diga que Adão transmitiu ao gênero humano a morte e as penas do corpo, mas não o pecado, que é a morte da alma. (Sessão V, Cânone 1).

3) O catecismo nos diz que o pecado original tem por efeito a morte eterna.

Um pecado que é a morte da alma, que nos faz cair na condenação, na morte eterna, não é o equivalente a um pecado mortal pelo qual o homem se afasta de seu Criador?

Acreditamos que nosso correspondente não veja as coisas dessa forma, e tenha dificuldade em admitir que o pecado original seja um pecado em todo o rigor do termo. O Concílio de Trento, entretanto, ensina-o muito claramente (Sessão V, Cânone 5): Veram et propriam rationem peccati habet.

Nosso correspondente chama algumas vezes de inocentes as crianças mortas sem batismo:

A criança não batizada e morta na inocência… Estas almas inocentes e no entanto manchadas… Os inocentes privados do batismo…

Essas expressões são bem pouco conformes à fé, para dizer o mínimo. Os católicos só chamam de “inocentes” as crianças batizadas. Todas as outras, segundo São Paulo, são pecadoras.

Nosso correspondente, não enxergando o verdadeiro estado das almas dessas crianças, atribui-lhes a faculdade de amar a Deus: “Elas permanecem capazes de conhecê-Lo e amá-Lo, não como filhos, mas como criaturas racionais...  Os homens que morreram apenas com o pecado original não podem ver a Deus, mas O amam.”

Sim, eles conhecem a Deus e sabem que o perderam, mas como seriam capazes de amá-Lo? Perderam a caridade, estão no pecado e na morte; sua vontade está ferida pelas concupiscências que os invadiram e dominaram: como poderiam se elevar a um ato de amor para com o seu Criador? Estão em desgraça no tocante a Deus, como poderiam entrar na sua amizade? Isso só é possível pela graça do Redentor.

Jesus Cristo prefere que não sejam lançados nas garras do demônio, e que gozem de alguma felicidade, segundo sua natureza.

Este pensamento leva à negação de que a criança não batizada esteja cativa de Satanás. A fé cristã não nos permite, no entanto, duvidar disso. O Concílio de Trento ensina claramente e fulmina com o anátema quem não professar que Adão, por seu pecado, caiu no cativeiro daquele que, desde então, possui o império da morte, isto é, o diabo (Sessão V, Cânone 1).

Todas as crianças não batizadas permanecem cativas de Satanás: para convencer-se, basta reler as orações do batismo citadas aqui. E ninguém pode se libertar dessa escravidão senão pelo batismo de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Portanto, eterno reconhecimento a Nosso Senhor pela graça de termos sido batizados, pela graça de termos sido redimidos do pecado, da morte eterna e da tirania do demônio.

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