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Introdução ao décimo sexto domingo de Pentecostes

 “Tomando este homem pela mão, Ele o curou” (Evangelho)

 

Paramentos verdes

 

Costuma ler-se por esta altura no Ofício de Matinas, a história de Jó. Continuemos a nossa tarefa de estudo comparativo do texto do Missal e do Breviário.

Jó é o tipo do homem justo que o espírito do mal persegue e humilha para o excitar à revolta contra Deus. E assim acontece de fato deixar a Providência por um pouco a alma nas mãos de Satanás para confessar na dor e na desgraça a sabedoria de Deus e submeter-se incondicionalmente à sua vontade. Privado de todos os bens e abandonado só sobre o monturo, exposto às vaias dos maus e ao riso até dos seus amigos, o pobre Jó submetia-se confiadamente aos juízos insondáveis de Deus e implorava a sua misericórdia. O Salmo do Intróito pode considerar-se a expressão exata da sua angústia. Era assim realmente que Jó orava. Ele é o grito de todas as almas atribuladas. “Tende piedade de mim, Senhor. Tenho gritado por Vós durante todo o dia. Baixai o ouvido e escutai-me. Sou pobre e nada tenho de meu”.

O Ofertório e a Comunhão exprimem de maneira surpreendentemente exata os sentimentos do grande perseguido da desventura: “Deitai sobre mim o vosso olhar e vinde em meu auxílio. Confundi e humilhai diante de mim aqueles que querem tirar-me a vida. Senhor, não esqueci a vossa justiça. Vós conduzistes os meus passos desde a juventude. Agora que estou velho, não me abandoneis, Senhor”. Deus, diziam os amigos de Jó para encorajá-lo, exalta os humildes e levanta e cura os aflitos de coração. E o Evangelho da Missa de hoje repete: “Todo o que se exaltar será humilhado, e todo o que se humilhar, será exaltado”

Deus, com efeito, depois de provar Jó com as maiores humilhações, eleva-o de novo e dá-lhe o dobro de tudo quanto anteriormente possuía. Jó é figura de Cristo que, depois das humilhações do Gólgota, seria exaltado com a apoteose da ressurreição. É ainda figura de todo cristão, que terá lugar de honra no banquete de núpcias do Cordeiro se na terra praticar com amor e com fé a virtude da humildade. O orgulho, diz S. Tomás, é um vício pelo qual o homem se eleva contra a razão acima do que realmente é. O orgulho assenta consequentemente no erro e na ilusão. A humildade, pelo contrário, funda-se na mesma verdade. É uma virtude que modera os ímpetos da alma e a inibe de se elevar acima do que é. É por isso que o orgulho também se chama soberba — “superbia”. A alma verdadeiramente humilde aceita submissamente o lugar que lhe cabe e que Deus, verdade suprema e infalível, lhe consignou. Humildade nas palavras, na conversa, nos atos, nas provas, é a humildade genuína que Jó nos ensina e que o Senhor no Evangelho de hoje nos aconselha. Vendo como os fariseus escolhiam os primeiros lugares, quis fazer-lhes compreender o mal grave de que estavam tomados e levá-los por este modo a procurar a cura. Curou, com efeito, primeiramente um hidrópico inflado no mal e procurou depois, velando a lâmina do escalpelo na gaze sutil duma parábola, curar a hidropisia espiritual dessas pobres almas cegas e condutoras de cegos. O mundo só se encontra bem na exaltação e na enfatuação permanente do orgulho e esquece-se de que a humildade é condição indispensável para entrar no Reino de Deus. É esta virtude que a oração da Missa nos inculca e é-nos admiravelmente exposta na Epístola. Sem merecimento nenhum da nossa parte, explica o Apóstolo aos Efésios, mas unicamente para servirmos a glória de Deus, o Senhor escolheu-nos e fez de nós, de filhos da ira, que éramos, herdeiros do Seu Reino.

Do Evangelho: “Vai e põe-te no último lugar”; não quer dizer que o superior se deva colocar abaixo dos subordinados e expor à irrisão a autoridade; mas que se deve sempre lembrar da sentença que diz: “Quanto maior fores, mais humilde te mostra e encontrarás graça na presença de Deus”

 

Missal Quotidiano e Vesperal por Dom Gaspar Lefebvre, Beneditino da Abadia de S. André. Bruges, Bélgica: Desclée de Brouwer e Cie, 1952.

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