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A Instrução Permanente da Alta Venda

Poucos católicos conhecem a Instrução Permanente da Alta Venda, um documento secreto redigido no início do século XIX no qual se descreve um plano de subversão da Igreja Católica. A Alta Venda foi a mais importante loja dos Carbonários, uma sociedade secreta italiana ligada à Maçonaria e que, juntamente com ela, foi condenada pela Igreja Católica1. Em seu livro Freemasonry and the Anti-Christian Movement (Maçonaria e o Movimento Anticristão), o Padre Cahill, S.J. afirma que a Alta Venda era “considerada o principal centro de comando da Maçonaria Européia” 2. Os Carbonários tiveram sua principal atuação na Itália e na França.

Em seu livro Athanasius and the Church of Our Time (Atanásio e a Igreja do Nosso Tempo), Mons. Rudolf Graber cita um maçom que teria declarado que “o objetivo [da Maçonaria] não é mais destruir a Igreja, mas utilizá-la, infiltrando-se nela” 3. Em outras palavras, como a Maçonaria não pode destruir completamente a Igreja de Cristo, planeja não somente erradicar a influência do Catolicismo na sociedade, como também utilizar a estrutura da Igreja como um instrumento de “renovação”, “progresso” e “iluminação” para promover muitos de seus próprios princípios e objetivos.

 

Descrição geral

A estratégia preconizada na Instrução Permanente da Alta Venda é surpreendente em sua audácia e astúcia. Desde o início, o documento aborda um processo que levará décadas a ser concretizado. Aqueles que o redigiram sabiam que não veriam realizado o plano que ali esboçavam. Eles estavam inaugurando uma obra que seria realizada durante gerações sucessivas de iniciados. “Em nossas fileiras, morre o soldado, mas o combate continua.”

A Instrução fez um chamado pela difusão de idéias liberais em toda a sociedade e dentro das instituições da Igreja Católica, de modo que leigos, seminaristas, clérigos e prelados seriam, ao longo dos anos, gradualmente imbuídos de princípios progressistas.

Com o tempo, essa mentalidade estaria de tal modo difundida, que as concepções dos novos padres a serem ordenados, dos bispos a serem consagrados e dos cardeais a serem nomeados estariam em consonância com o pensamento moderno enraizado na Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa e em outros “Princípios de 1789” (igualdade religiosa, separação de Igreja e Estado, pluralismo religioso, etc.).

Finalmente, o Papa que seria eleito dentre esses novos religiosos iria liderar a Igreja no caminho da “iluminação” e da “renovação”. Os idealizadores desse plano afirmaram que não tencionavam colocar um maçom na Cátedra de Pedro. Seu objetivo era criar um ambiente que produziria, com o passar do tempo, um Papa e uma hierarquia que já teriam assimilado completamente as idéias do Catolicismo liberal, ao mesmo tempo em que se considerassem católicos fieis.

Esses líderes católicos, então, não se oporiam mais às idéias modernas da Revolução (como havia sido a prática constante dos Papas desde 1789 até 1958 — com a morte do Papa Pio XII —, que condenaram esses princípios liberais), mas, ao contrário, iriam reuni-las dentro da Igreja. O resultado final seria o clero e os leigos católicos marchando sob a bandeira do Iluminismo, acreditando marchar sob a bandeira das chaves apostólicas.

 

Isso é possível?

Aos que considerem esse plano inverossímil demais — um objetivo que muito dificilmente seria alcançado pelo inimigo — deve-se dizer que tanto o Papa Pio IX como o Papa Leão XIII solicitaram a publicação da Instrução Permanente da Alta Venda, sem dúvida para impedir a ocorrência de tal tragédia.

Entretanto, se se configurasse uma situação tão desastrosa, haveria obviamente três meios inequívocos de reconhecê-la:

  1. Ela produziria uma perturbação de tal magnitude que o mundo inteiro iria perceber a ocorrência de uma enorme revolução na Igreja Católica, em sintonia com as idéias modernas. Estaria claro para todos que teria havido uma “atualização”.
  2. Seria introduzida uma nova teologia que estaria em contradição com os ensinamentos anteriores.
  3. Os próprios maçons anunciariam seu triunfo, acreditando que a Igreja Católica tivesse finalmente compreendido determinados pontos, tais como a igualdade religiosa, o estado laico, o pluralismo e quaisquer outros compromissos alcançados.

 

A autenticidade dos documentos da Alta Venda

Os papéis secretos da Alta Venda que caíram nas mãos do Papa Gregório XVI abrangem um período que vai de 1820 a 1846. Eles foram publicados, por solicitação do Papa Pio IX, por Cretineau-Joly em sua obra L’Église romaine en face de la Révolution (A Igreja Romana em face da Revolução) 4.

Com o Breve de aprovação datado de 25 de fevereiro de 1861, dirigido ao autor, o Papa Pio IX garantiu a autenticidade desses documentos, mas não permitiu que ninguém divulgasse os verdadeiros membros da Alta Venda implicados nessa correspondência.

O texto integral da Instrução Permanente da Alta Venda também está contido no livro do Mons. George E. Dillon, Grand Orient Freemasonry Unmasked (A Maçonaria do Grande Oriente Desmascarada). Quando o Papa Leão XIII recebeu uma cópia do livro do Mons. Dillon, ficou tão impressionado que determinou que fosse elaborada e publicada uma versão italiana da obra, às suas expensas5 .

Na Encíclica Humanum Genus (1884), Leão XIII exortou os líderes católicos a “arrancar a máscara da Maçonaria e deixar que ela seja vista como realmente é” 6. A publicação desses documentos é um meio de “arrancar a máscara”. E se os Papas solicitaram a publicação dessas cartas, é porque desejavam que todos os católicos fossem informados sobre os planos das sociedades secretas de subverter a Igreja a partir do seu interior — de modo que os católicos ficassem alertas para impedir que tal catástrofe acontecesse.

 

A Instrução Permanente da Alta Venda

O que se segue não é a Instrução inteira, mas apenas as seções mais pertinentes à nossa discussão. No documento (com grifos nossos), lê-se:

Nosso objetivo final é o de Voltaire e da Revolução Francesa — a destruição final do Catolicismo, e até mesmo da idéia cristã...

O Papa, quem quer que ele seja, jamais virá até as sociedades secretas; as sociedades secretas é que devem dar o primeiro passo em direção à Igreja, com a finalidade de conquistar ambos.

A tarefa que iremos desempenhar não é trabalho de um dia, um mês ou um ano. Ela pode durar vários anos, talvez um século, mas em nossas fileiras o soldado morre, e o combate continua.

Não tencionamos atrair os Papas para a nossa causa, torná-los neófitos dos nossos princípios, propagadores de nossas idéias. Esse seria um sonho ridículo; e se por alguma eventualidade, cardeais ou prelados, por exemplo, por livre e espontânea vontade ou acidentalmente, tiverem acesso a uma parte de nossos segredos, isso não será de forma alguma um incentivo para desejar sua elevação à Cátedra de Pedro. Tal elevação arruinar-nos-ia. Só a ambição já bastaria para levá-los à apostasia, e as exigências do poder forçá-los-iam a nos sacrificar. O que devemos pedir, o que devemos esperar, assim como os Judeus esperam pelo Messias, é um Papa de acordo com nossas necessidades...

Assim nós marcharemos com mais segurança em direção à tomada da Igreja do que através dos panfletos de nossos irmãos na França e até mesmo do ouro da Inglaterra. Vocês querem saber a razão para isso? É que com isso, a fim de despedaçar a grande pedra sobre a qual Deus construiu a Sua Igreja, não precisamos mais do vinagre de Aníbal, ou de pólvora, ou mesmo de nossas armas. Teremos o dedo mínimo do sucessor de Pedro envolvido na conspiração, e para os fins desta cruzada, esse dedo mínimo é tão eficiente quanto todos os Urbanos IIs e todos os São Bernardos da Cristandade.

Não temos dúvidas de que atingiremos o objetivo final de nossos esforços. Mas quando? Mas como? O desconhecido ainda não foi revelado. Não obstante, como nada irá nos desviar de nosso plano, e ao contrário, tudo tende para ele, como se amanhã mesmo o sucesso já viesse a coroar o trabalho apenas esboçado, nós desejamos, nesta instrução, que permanecerá secreta para os meros iniciados, dar aos funcionários encarregados da suprema Venda [Loja] alguns conselhos que eles deverão incutir em todos os irmãos, na forma de instrução ou de um memorando...

Então, para assegurarmos um Papa com as características necessárias, é preciso primeiramente modelar para este Papa uma geração digna do reinado que sonhamos. Deixem os velhos e os de idade madura de lado; procurem os jovens, e se possível, até mesmo as crianças.

...Vocês irão forjar para si mesmos, com baixo custo, uma reputação de bons católicos e genuínos patriotas.

Tal reputação introduzirá nossas doutrinas junto ao clero jovem, bem como profundamente nos monastérios. Em poucos anos, por força dos acontecimentos, esse jovem clero terá ascendido a todas as posições hierárquicas; eles irão formar o conselho soberano, serão chamados a escolher o Pontífice que irá reinar. E este Pontífice, assim como a maioria de seus contemporâneos, estará mais ou menos imbuído com os princípios (revolucionários) italianos e humanitários que nós começaremos a colocar em circulação. É um pequeno grão de mostarda que confiaremos à terra, mas o sol da justiça irá desenvolvê-lo completamente, e vocês verão um dia a rica colheita que será proporcionada por essa pequena semente.

No caminho que estamos traçando para nossos irmãos existem grandes obstáculos a serem conquistados, diversas dificuldades a serem enfrentadas. Eles triunfarão sobre tais dificuldades por sua experiência e clarividência, mas o objetivo é tão esplêndido que é importante lançar todas as velas ao vento para alcançá-lo. Vocês querem revolucionar a Itália? Olhem para o Papa cujo retrato nós acabamos de traçar. Vocês desejam estabelecer o reino dos escolhidos sobre o trono da prostituta da Babilônia? Deixem o clero marchar sob o seu estandarte, acreditando marchar sob a bandeira das chaves apostólicas. Vocês pretendem fazer desaparecer o último vestígio dos tiranos e opressores? Lancem suas armadilhas [redes] como Simão Barjonas; lancem-nas nas sacristias, nos seminários e nos monastérios, em vez de lançá-las no fundo do mar. E se vocês não tiverem pressa, nós lhes prometemos uma pesca ainda mais milagrosa que a dele. O pescador de peixes tornou-se o pescador de homens; vocês semearão amigos em torno da Cátedra Apostólica. Terão assim pregado uma revolução com tiara e pluvial, marchando com a cruz e o estandarte, uma revolução que precisará ser pouco instigada para lançar fogo aos quatro cantos do mundo7.

Cabe-nos agora examinar quão bem sucedido foi esse plano.

 

O Iluminismo, meu amigo, está “soprando no vento”

Durante o século XIX, os princípios liberais do Iluminismo e da Revolução Francesa foram se difundindo cada vez mais na sociedade, em detrimento da Fé e do Estado Católicos. As noções supostamente “mais amáveis e gentis” de pluralismo religioso, indiferentismo religioso, uma democracia que acredita que toda autoridade vem do povo, falsas noções de liberdade, separação de Igreja e Estado, reuniões inter-religiosas e outras novidades estavam se apoderando das mentes da Europa pós-Iluminista, infectando tanto estadistas como eclesiásticos.

Os Papas do século XIX e do início do século XX travaram guerra contra essas tendências perigosas. Com perspicácia e presença de espírito enraizadas em uma descomprometida certeza da Fé, esses Papas não se deixaram enganar. Sabiam que princípios falsos, ainda que pareçam honestos, jamais produzem bons frutos ― e aqui se tratava de princípios sumamente maus, pois decorriam não só da heresia, mas da apostasia.

Tal como generais que reconhecem o dever de manter suas posições a qualquer preço, esses Papas dispararam incessantemente canhões potentes contra os erros do mundo moderno. As Encíclicas eram suas munições, e eles nunca erraram o alvo8.

O ataque mais devastador veio na forma do monumental Syllabus dos Erros, de 1864, do Papa Pio IX, e quando a fumaça esvaneceu, os envolvidos na batalha podiam discernir sem erro quais soldados cerravam fileira de qual lado. As linhas demarcatórias estavam claramente traçadas. Nesse grande Syllabus, Pio IX condenou os principais erros do mundo moderno, não porque fossem modernos, mas porque essas novas idéias se baseavam em um naturalismo panteísta e, portanto, eram incompatíveis com a doutrina católica e destrutivas para a sociedade. 

Os ensinamentos do Syllabus eram contrários ao Liberalismo, e os princípios do Liberalismo eram contrários ao Syllabus. Isso era reconhecido por todas as partes sem questionamentos. O Padre Denis Fahey referiu-se a esse confronto como Pio IX versus a Deificação Panteísta do Homem9. Do lado oposto da trincheira, o maçom francês Ferdinand Buisson declarou: “Uma escola não pode se manter neutra entre o Syllabus e a Declaração dos Direitos do Homem” 10.

 

“Católicos Liberais”

Contudo, o século XIX viu surgir uma nova geração de católicos em utópica busca de um acordo entre as partes. Esses homens esquadrinhavam, entre os princípios de 1789, aqueles que acreditavam ser “bons”, e tentaram introduzi-los na Igreja. Muitos clérigos, infectados pelo espírito da época, caíram nesta rede que havia sido “lançada nas sacristias e nos seminários”. Eles ficaram conhecidos como “católicos liberais”. O Papa Pio IX observou que eles eram os piores inimigos da Igreja. Não obstante, seu número aumentou.

 

O Papa São Pio X e o Modernismo

Esta crise atingiu seu ápice por volta do início do século XX, quando o Liberalismo de 1789, que até então “soprara no vento”, rodopiou e transformou-se no furação do Modernismo. O Padre Vincent Miceli identificou esta heresia, descrevendo a “trindade dos pais” do Modernismo da seguinte forma:

  1. Seu ancestral religioso é a Reforma Protestante;
  2. Seu pai filosófico é o Iluminismo;
  3. Sua linhagem política origina-se na Revolução Francesa11.

O Papa São Pio X, que ascendeu ao papado em 1903, reconheceu o Modernismo como a praga mais mortal a ser detida. Afirmou como principal obrigação do Papa garantir a pureza e a integridade da doutrina católica, no qual dever, frisou, ele falharia se nada fizesse12.

São Pio X travou guerra com o Modernismo, publicou uma Encíclica (Pascendi) e um Syllabus (Lamentabili) contra ele, instituiu o Juramento Anti-Modernista a ser prestado por todos os padres e professores de teologia, expurgou os seminários e universidades dos modernistas e excomungou os recalcitrantes e impenitentes.

São Pio X efetivamente interrompeu a disseminação do Modernismo na sua época. Relata-se, no entanto, que, cumprimentado por ter suprimido esse grave erro, ele imediatamente respondeu que, apesar de seus esforços, não havia conseguido matar a besta, senão apenas sufocá-la nos subterrâneos. E advertiu que, se os líderes eclesiásticos não fossem vigilantes, ela re-emergiria mais virulenta que nunca13.

 

A Cúria em estado de alerta

Um drama pouco conhecido que se desenrolou durante o reinado do Papa Pio XI demonstra que a corrente subterrânea do pensamento Modernista estava viva e com saúde no período imediatamente posterior a São Pio X.

O Padre Raymond Dulac relata que, no consistório secreto de 23 de maio de 1923, o Papa Pio XI questionou os trinta Cardeais da Cúria sobre a oportunidade de convocação de um concílio ecumênico. Estiveram presentes ilustres prelados, como os cardeais Merry del Val, De Lai, Gasparri, Boggiani e Billot. Os cardeais desaconselharam a convocação do concílio.

O Cardeal Billot advertiu que “a existência de profundas discrepâncias no seio do próprio episcopado não pode ser ocultada... [Elas] correm o risco de dar margem a discussões que se prolongarão indefinidamente.”

Boggiani recordou as teorias modernistas, das quais, segundo ele, uma parte do clero e dos bispos não estava isenta. “Essa mentalidade pode inclinar alguns padres a apresentarem moções, a fim de introduzir métodos incompatíveis com as tradições católicas.”

Billot foi ainda mais preciso. Ele expressava seu receio de ver o concílio “manobrado” pelos “piores inimigos da Igreja, os modernistas, que já estavam se preparando, conforme alguns indícios demonstravam, para levar adiante a revolução na Igreja, um novo 1789” 14.

Ao desencorajar a idéia de um concílio por tais razões, os cardeais mostraram-se mais aptos a reconhecer os “sinais dos tempos” do que todos os teólogos pós-conciliares reunidos. Contudo, a sua cautela pode ter se baseado em algo mais profundo. Eles podem também ter sido assombrados pelos escritos do infame illuminé, o excomungado Canon Roca (1830-1893), que pregou a revolução e a “reforma” da Igreja e previu uma subversão da Igreja que seria causada por um concílio.

 

Os delírios revolucionários de Canon Roca

Em seu livro Athanasius and the Church of Our Times (Atanásio e a Igreja do Nosso Tempo), Mons. Graber refere-se à previsão de Canon Roca de uma Igreja nova e iluminada, a qual seria influenciada pelo “socialismo de Jesus e dos Apóstolos” 15.

Em meados do século XIX, Roca havia previsto: “A nova Igreja, que poderá não ser capaz de manter nada da doutrina escolástica e da forma original da antiga Igreja, receberá, no entanto, consagração e jurisdição canônica de Roma.” Mons. Graber, comentando esta previsão, observou: “Há alguns anos isso era inconcebível, mas hoje...?” 16.

Canon Roca também previu uma “reforma” litúrgica. Com referência à futura liturgia, ele acreditava “que o culto divino na forma estabelecida pela liturgia, o cerimonial, o ritual e os regulamentos da Igreja Romana passarão brevemente por transformações em um concílio ecumênico, o qual irá restabelecer a simplicidade venerável da era de ouro dos Apóstolos, em consonância com os ditames da consciência e da civilização moderna” 17.

Ele anteviu que o referido concílio levaria a “um perfeito acordo entre os ideais da civilização moderna e o ideal de Cristo e Seu Evangelho. Isso será a consagração da Nova Ordem Social e o solene batismo da civilização moderna.”

Roca também falou sobre o futuro do Papado: “Há um sacrifício iminente que representa um ato solene de expiação... O Papado cairá; ele morrerá sob o punhal sagrado forjado pelos padres do último concílio. O césar papal é uma hóstia [vítima] coroada para o sacrifício” 18.

Roca previu com entusiasmo uma “nova religião”, um “novo dogma”, um “novo ritual”, um “novo sacerdócio”. “Ele chama os novos sacerdotes de ‘progressistas’ [sic]; fala sobre a ‘supressão’ da batina e sobre o casamento de padres” 19.

Ecos arrepiantes de Roca e da Alta Venda são percebidos nas palavras do rosa-cruz Dr. Rudolf Steiner, que declarou em 1910: “Nós precisamos de um concílio e de um Papa para proclamar isso” 20.

 

O grande Concílio que nunca aconteceu

Por volta de 1948, ao ser solicitado pelo ferrenhamente ortodoxo Cardeal Ruffini, o Papa Pio XII considerou a possibilidade de convocar um concílio geral e até envolveu-se durante alguns anos nos preparativos necessários. Há indícios de que elementos progressistas em Roma finalmente dissuadiram Pio XII de realizar esse concílio, pois foram detectados sinais inequívocos de que ele estaria em sintonia com a Humani Generis. Como esta grande Encíclica de 1950, o novo concílio iria combater “falsas opiniões que ameaçam minar os fundamentos da doutrina católica” 21.

Tragicamente, o Papa Pio XII convenceu-se de que estava em idade muito avançada para fazer frente a essa gigantesca tarefa e resignou-se com a idéia de que “isso é tarefa para o meu sucessor” 22.

 

Roncalli para “consagrar o Ecumenismo”

Ao longo do pontificado do Papa Pio XII (1939-1958), sob a hábil liderança do Cardeal Ottaviani, o Santo Ofício assegurou um ambiente católico seguro, mantendo os cavalos selvagens do Modernismo firmemente encurralados. Muitos dos atuais teólogos do Modernismo desdenhosamente relatam como eles e seus amigos haviam sido amordaçados durante esse período.

Contudo, nem mesmo Ottaviani podia prever o que estava por acontecer em 1958. Um novo tipo de Papa, “que os progressistas acreditavam estar a favor de sua causa” 23, iria assumir a cátedra pontifical e forçar um relutante Ottaviani a retirar o ferrolho, abrir o curral e preparar-se para a debandada.

Entretanto, tal estado de coisas já havia sido considerado. Ao receber a notícia da morte de Pio XII, o velho Dom Lambert Beauduin, amigo do Cardeal Roncalli (o futuro João XXIII), confidenciou ao Padre Louis Bouyer: “Se elegerem Roncalli, tudo será salvo; ele seria capaz de convocar um concílio e consagrar o ecumenismo” 24.

E foi o que aconteceu: o Cardeal Roncalli foi eleito e convocou um concílio que “consagrou” o ecumenismo. A “revolução com tiara e pluvial” estava a caminho.

 

A Revolução do Papa João

É de conhecimento geral e foi amplamente noticiado25 que um grupo fechado de teólogos liberais (periti) e bispos dominou o Concílio Vaticano II (1962-1965) com uma agenda destinada a obter uma Igreja fiel à sua imagem, através da implementação de uma “nova teologia”. Críticos e defensores do Vaticano II estão de acordo quanto a este ponto.

Em seu livro Vatican II Revisited (O Concílio Vaticano II Revisitado), Dom Aloysius J. Wycislo (um rapsódico advogado da revolução do Vaticano II) declara com entusiasmo que “teólogos e estudiosos da Bíblia que haviam permanecido em silêncio, sem se manifestar durante anos, emergiram como periti [especialistas em teologia que aconselharam os bispos no Concílio], e seus livros e comentários escritos após o Vaticano II tornaram-se leituras populares” 26.

Ele observa que “a Encíclica Humani Generis do Papa Pio XII [1950] teve... um efeito devastador sobre a obra de vários teólogos pré-conciliares” 27, e explica que, “durante a preparação inicial do Concílio, esses teólogos (principalmente franceses, além de alguns alemães), cujas atividades haviam sido restringidas pelo Papa Pio XII, permaneciam em silêncio. O Papa João tacitamente removeu a proibição que atingia alguns dos mais influentes clérigos. Contudo, muitos ainda eram vistos com suspeição por membros do Santo Ofício” 28.

Dom Wycislo entoa louvores a progressistas triunfantes como Hans Küng, Karl Rahner, John Courtney Murray, Yves Congar, Henri de Lubac, Edward Schillebeeckx e Gregory Baum, reputados suspeitos antes do Concílio, mas que agora eram os luminares da teologia pós-Vaticano II29.

Com efeito, aqueles que o Papa Pio XII havia considerado inaptos a percorrer as vias do Catolicismo estavam agora no controle da cidade. E como que para coroar os seus feitos, o Juramento Anti-Modernista foi silenciosamente suprimido pouco depois do encerramento do Concílio. São Pio X acertou sua previsão. A falta de vigilância permitiu que o Modernismo voltasse de modo vingativo.

 

“Marchando sob um novo estandarte”

Foram travadas incontáveis batalhas no Vaticano II entre os integrantes do Grupo Internacional de Padres (Coetus Internationalis Patrum), que lutaram para manter a Tradição, e o grupo progressista do Reno. Tragicamente, no fim das contas, foi este último, o elemento liberal e modernista, que prevaleceu30.

Era óbvio, para qualquer um que tivesse olhos para ver, que o Concílio abria as portas para muitas idéias que antes haviam sido anatematizadas, que iam de encontro aos ensinamentos da Igreja mas que estavam de acordo com o pensamento modernista. Isso não aconteceu acidentalmente. Foi proposital.

Os progressistas no Concílio Vaticano II evitaram condenar os erros dos modernistas. Eles também plantaram deliberadamente ambigüidades nos textos do Concílio, que esperavam explorar após o seu término31. Tais ambigüidades foram utilizadas para promover o ecumenismo que havia sido condenado pelo Papa Pio XI, uma liberdade religiosa32 condenada pelos papas do século XIX e do início do século XX (especialmente o Papa Pio IX), uma nova liturgia em consonância com o ecumenismo que o Arcebispo Bugnini exaltou como “uma importante conquista da Igreja Católica”, uma colegialidade que atinge o cerne da primazia papal e uma “nova atitude diante do mundo” — especialmente em um dos mais radicais documentos do Concílio, Gaudium et Spes.

Como os autores da Instrução Permanente da Alta Venda haviam imaginado, as noções da cultura liberal finalmente conquistaram a adesão de importantes membros da hierarquia católica e se espalharam por toda a Igreja. O resultado disso foi uma crise de fé sem precedentes, a qual continua se agravando. Ao mesmo tempo, incontáveis clérigos que ocupavam posições de destaque, obviamente inebriados pelo “espírito do Vaticano II”, continuaram exaltando as reformas pós-conciliares que permitiram essa calamidade.

 

Júbilo nas arquibancadas maçônicas

Contudo, não apenas muitos líderes da Igreja, mas também maçons celebraram esses acontecimentos. Eles se regozijaram com o fato de que os católicos haviam finalmente “visto a luz”, pois aparentemente muitos dos seus princípios maçônicos haviam sido sancionados pela Igreja.

Em seu livro Ecumenism Viewed by a Traditional Freemason (O Ecumenismo Visto por um Maçom Tradicional), Yves Marsaudon, do Rito Escocês, exaltou o ecumenismo fomentado durante o Vaticano II. Ele assim se expressou:

Os católicos... não devem esquecer que todos os caminhos levam a Deus. E eles terão de aceitar que essa corajosa idéia do livre-pensamento, que nós podemos realmente chamar de uma revolução, jorrando de nossas lojas maçônicas, espalhou-se prodigiosamente sobre a cúpula de São Pedro33.

O espírito de dúvida e revolução pós-Vaticano II obviamente aqueceu o coração do maçom francês Jacques Mitterrand, que, em tom de aprovação, escreveu:

Algo mudou dentro da Igreja, e as respostas do Papa às indagações mais urgentes, tais como o celibato dos padres e o controle de natalidade, são ardorosamente debatidas na própria Igreja; a palavra do Soberano Pontífice é questionada por bispos, padres e fiéis. Para um maçom, um homem que questiona o dogma já é um maçom sem o avental34.

Marcel Prelot, um senador da região de Doubs, na França, vai mais adiante e descreve o que aconteceu. De acordo com ele:

Nós havíamos lutado sem sucesso durante um século e meio para que nossas opiniões prevalecessem na Igreja. Finalmente, com o Vaticano II, nós triunfamos. A partir de então, as proposições e os princípios do catolicismo liberal foram definitiva e oficialmente aceitos pela Santa Igreja35.

A declaração de Prelot merece um comentário, pois devemos fazer uma distinção entre a Igreja e os homens da Igreja. Apesar das reivindicações dos maçons, é impossível que erros doutrinários sejam “definitiva e oficialmente aceitos pela Santa Igreja” como tais. A Igreja, o Corpo Místico de Cristo, não pode incorrer em erro. Nosso Senhor prometeu que “as portas do Inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18). Mas isso não significa que os homens da Igreja, mesmo aqueles que ocupam as posições mais elevadas, não possam ser infectados com o espírito liberal da época e promover idéias e práticas opostas ao seu Magistério perene36.

 

Uma ruptura com o passado

Aqueles “conservadores” que negam que vários pontos do Vaticano II constituem uma ruptura com a Tradição e com os pronunciamentos do Magistério anterior — pelo menos por ambigüidade, implicações e omissões — não conseguiram ouvir os verdadeiros promotores e ativistas do Concílio, que reconhecem isso descaradamente.

Yves Congar, um dos artesãos da reforma, observou com tranqüila satisfação que “a Igreja havia tido, pacificamente, a sua Revolução [Comunista] de Outubro” 37.

O mesmo Padre Yves Congar afirmou que a Declaração sobre Liberdade Religiosa do Vaticano II é contrária ao Syllabus do Papa Pio IX. Ele assim se pronunciou sobre o Artigo 2 da Declaração:

Não se pode negar que um texto como esse diz materialmente algo diferente do Syllabus de 1864, e até mesmo o contrário das proposições 15 e 77-79 deste documento38.

Finalmente, alguns anos depois, o Cardeal Ratzinger, aparentemente não abalado com essa afirmação, escreveu que considera o texto conciliar Gaudium et Spes como um “contra-Syllabus”. Assim se exprimiu o Cardeal:

Se for desejável fazer um diagnóstico do texto [Gaudium et Spes] como um todo, poderíamos dizer que (juntamente com os textos sobre a liberdade religiosa e as religiões do mundo) trata-se de uma revisão do Syllabus de Pio IX, uma espécie de contra-Syllabus... Contentemo-nos em dizer aqui que o texto é uma espécie de contra-Syllabus, e, como tal, representa, por parte da Igreja, uma tentativa de reconciliação oficial com a nova era inaugurada em 178939.

A nova era inaugurada em 1789 consiste, de fato, na elevação dos “Direitos do Homem” acima dos direitos de Deus.

Na verdade, este comentário do Cardeal Ratzinger é perturbador, especialmente porque proveio do homem que, como chefe da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, está agora encarregado de zelar pela pureza da doutrina católica. Mas podemos também citar um depoimento semelhante do progressista Cardeal Suenens, ele próprio um Padre Conciliar, que falou em termos de “antigos regimes” que chegaram ao fim. As palavras utilizadas por ele para exaltar o Concílio são as mais reveladoras, as mais arrepiantes e as mais contundentes. Suenens declarou que “o Vaticano II é a Revolução Francesa na Igreja” 40.

 

A situação dos documentos do Vaticano II

Durante anos, os católicos têm exercido suas atividades baseados na noção equivocada de que devem aceitar o Concílio pastoral, Vaticano II, com a mesma expressão de fé devida aos Concílios dogmáticos. Não é o caso, entretanto.

Os Padres Conciliares referiram-se repetidamente ao Vaticano II como um concílio pastoral, não preocupado em definir a fé, mas em implementá-la.

A afirmação de que o Vaticano II é inferior a um concílio dogmático é ratificada pelo testemunho do Padre Conciliar Thomas Morris, o qual, por sua vontade expressa, não foi revelado senão após a sua morte:

Fiquei aliviado quando fomos informados de que este Concílio não tinha por objetivo definir ou emitir declarações finais sobre doutrina, porque uma declaração sobre a doutrina deve ser mui cuidadosamente formulada, e eu tendia a considerar os documentos do Concílio provisórios e passíveis de reforma41.

No encerramento do Vaticano II, os bispos solicitaram ao Secretário-Geral do Concílio, o Arcebispo Pericle Felici, aquilo que os teólogos chamam de “nota teológica” do Concílio, ou seja, o “peso” doutrinário dos ensinamentos do Vaticano II. Felici respondeu assim:

Devemos distinguir, dentre os esquemas e os capítulos, aqueles que foram objeto de definições dogmáticas no passado; pois, no que concerne às declarações com caráter de novidade, devemos ter reservas42.

Após o encerramento do Vaticano II, Paulo VI deu sua explicação:

Há aqueles que perguntam que autoridade, que qualificação teológica o Concílio tencionou dar aos seus ensinamentos, sabendo que ele evitou emitir definições dogmáticas solenes investidas da infalibilidade do Magistério Eclesiástico. A resposta é conhecida por todos os que se lembrarem da declaração conciliar de 6 de março de 1964, repetida em 16 de novembro de 1964. Devido ao caráter pastoral do Concílio, ele evitou pronunciar, de modo extraordinário, dogmas com nota de infalibilidade... 43

Em outras palavras, ao contrário de um Concílio dogmático, o Vaticano II não exige uma adesão incondicional de fé.

As declarações prolixas e ambíguas do Vaticano II não estão em pé de igualdade com os pronunciamentos dogmáticos. Conseqüentemente, as novidades do Vaticano II não são incondicionalmente obrigatórias para os fiéis. Os católicos podem “ter reservas” e mesmo resistir a quaisquer ensinamentos do Concílio que estejam em conflito com o Magistério perene dos séculos.

 

“Uma Revolução com Tiara e Pluvial”

A revolução pós-Vaticano II possui todas as características necessárias ao cumprimento dos desígnios da Instrução Permanente da Alta Venda, bem como das profecias de Canon Roca:

  1. O mundo inteiro testemunhou uma profunda mudança dentro da Igreja Católica, em uma escala internacional. Uma mudança que está em sintonia com o mundo moderno.
  2. Os defensores e detratores do Vaticano II demonstram que determinadas orientações doutrinárias do Concílio constituem uma ruptura com o passado.
  3. Os próprios maçons se regozijam de que, graças ao Concílio, as suas idéias “se difundiram prodigiosamente sobre a cúpula de São Pedro”.

 

A Paixão da Igreja

Assim, a paixão que a nossa Santa Igreja está sofrendo no presente momento não é um grande mistério. Ao ignorarem de modo imprudente os papas do passado, nossos atuais líderes da Igreja erigiram uma estrutura que está desabando sobre si mesma. Embora o Papa Paulo VI tenha lamentado que “a Igreja está em um estado de autodemolição”, ele, como o atual Pontífice, insistiu que o desastroso aggiornamento, responsável por essa autodemolição, continuasse a pleno vapor.

Diante de tal “desorientação diabólica” (termo que a irmã Lúcia, de Fátima, utilizou para descrever a atual mentalidade de muitos integrantes da hierarquia católica), a única resposta para todos os católicos envolvidos é: 

  1. rezar muito, especialmente o Rosário;
  2. aprender e viver a doutrina tradicional e a moral da Igreja Católica tal como constam nos escritos anteriores ao Vaticano II;
  3. aderir à Missa Tridentina, na qual se encontram a Fé e a devoção Católicas em sua plenitude, não afetadas pelo ecumenismo de hoje;
  4. resistir com todas as forças às tendências liberais pós-Vaticano II, que causam estragos ao Corpo Místico de Cristo;
  5. instruir a outros caridosamente nas Tradições da Fé e adverti-los sobre os erros dos tempos;
  6. rezar para que um retorno contagiante à sanidade possa atingir um número suficiente de membros da hierarquia;
  7. depositar grande confiança em Nossa Senhora e em seu poder de reorientar a nossa Igreja de volta à Tradição Católica;
  8. nunca ceder.

 

“Somente Ela pode nos salvar”

Tendo em vista que a atual batalha é essencialmente sobrenatural, não devemos ignorar a ajuda sobrenatural que nos foi dada em Fátima, em 1917. Todos os católicos envolvidos com a causa deveriam cumprir fielmente os pedidos de Nossa Senhora de Fátima, e sobretudo rezar e trabalhar para a consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria. Essa será a chave para a destruição dos “erros da Rússia”, não apenas na Rússia, mas no mundo inteiro, incluindo a Igreja. Pois no prometido Triunfo do Coração Imaculado, os agentes impenitentes do Liberalismo, do Modernismo e do Naturalismo estarão todos reunidos em um grande encontro ecumênico com o Príncipe deste Mundo, para compartilhar o mesmo golpe de calcanhar com que a Rainha do Céu esmagará suas cabeças.

 

 

Apêndice I

O Ódio da Maçonaria à Igreja Católica

 

O maior impedimento para a discussão de tópicos tais como a Alta Venda é que muitas pessoas, incluindo os católicos, recusam-se a acreditar que a Maçonaria realmente odeie a Igreja a ponto de travar uma campanha inflexível e sofisticada contra ela.

Contudo, evidências do ódio da Maçonaria ao Catolicismo e seu objetivo declarado de destruir a Igreja são confirmadas em documentos católicos e maçônicos.

Durante a Revolução Francesa, o conhecido grito de guerra da Maçonaria era “derrubar Trono e Altar” — ou seja, monarquias e o Catolicismo. No fim do século XVIII, o Padre Augustin Barruel escreveu que “o objetivo de sua conspiração é derrubar todos os altares em que Cristo é adorado” 44.

Um dos exemplos mais dramáticos do ódio da Maçonaria a Cristo e Sua Igreja encontra-se na Declaração do Congresso Internacional de Genebra, de 1868, e é mencionado novamente no excelente livro do Mons. Dillon, Grand Orient Freemasonry Unmasked (A Maçonaria do Grande Oriente Desmascarada). Um trecho da declaração produzida durante o Congresso diz o seguinte:

Abaixo Deus e Cristo! Abaixo os déspotas do Céu e da Terra. Morte aos padres! Esse é o lema de nossa grande cruzada45.

 

Os Pontífices contra os Pagãos

Os grandes e vigilantes Papas do fim do século XVIII, do século XIX e da primeira metade do século XX estavam constantemente soando o alarme contra as sociedades secretas, seus princípios liberais e seu ódio ao Cristianismo.

Em seu livro Freemasonry and the Anti-Christian Movement (A Maçonaria e o Movimento Anticristão), o Padre E. Cahill, S.J., escreve:

As condenações papais à Maçonaria são tão severas e demolidoras em seu teor que não encontram nada similar na história da legislação da Igreja. Durante os últimos dois séculos, a Maçonaria foi expressamente anatematizada por no mínimo dez papas diferentes e condenada direta ou indiretamente por quase todos os pontífices que se sentaram na Cátedra de São Pedro... Os papas acusam os maçons de atividades criminosas, “obscenidades”, culto a Satanás (acusação sugerida em alguns documentos papais), infâmia, blasfêmia, sacrilégio e das mais abomináveis heresias de tempos antigos, da prática sistemática de assassinato, de traição contra o Estado, de princípios anárquicos e revolucionários, de favorecer e promover o que agora é chamado de Bolchevismo [Comunismo russo], de corromper e perverter as mentes dos jovens, de hipocrisia e mentira vergonhosas, por meio das quais os maçons procuram ocultar sua maldade sob um manto de probidade e respeitabilidade, quando na realidade são a própria “Sinagoga de Satanás”, cujo objetivo direto é a destruição completa do Cristianismo46.

 

Papa Leão XIII

De todas as condenações papais à Maçonaria, a Encíclica Humanum Genus, de 1884, do Papa Leão XIII possui um vigor e um brilho sem paralelo. Não se encontra em nenhum outro pronunciamento magisterial uma explicação e condenação mais completa e concisa dos erros da Maçonaria. Nessa Encíclica, o Papa repetidamente enfatiza que o objetivo da Maçonaria é nada menos do que a completa destruição da Igreja e do Cristianismo. Ele assim se expressa:

Sem fazer mais segredo de seu propósito, eles agora se erguem audaciosamente contra o próprio Deus. Planejam a destruição da Santa Igreja pública e abertamente, e isso com o propósito manifesto de privar completamente as nações da Cristandade, se possível fosse, das bênçãos que obtivemos através de Jesus Cristo, nosso Salvador47.

O Papa Leão explica que, tendo em vista que a Maçonaria se baseia no Naturalismo, ela é anticristã em sua essência. O Naturalismo afirma que a natureza e a razão humanas são supremas, e que não existem verdades reveladas por Deus nas quais os homens sejam obrigados a acreditar.

Os naturalistas negam a autoridade da Igreja Católica como a voz de Deus sobre a terra, e, conseqüentemente, “é contra a Igreja que a raiva e o ataque dos inimigos [maçons] são principalmente dirigidos” 48. O Papa Leão XIII refere-se ao testemunho de “homens bem informados” tanto no passado, como mais recentemente, os quais “declararam ser verdade que o principal desejo dos maçons é atacar a Igreja com uma hostilidade irreconciliável, e que não descansarão enquanto não tiverem estabelecido seus objetivos” 49.

Ele também destaca que os maçons consideram lícito “atacar impunemente os próprios fundamentos da Religião Católica, por meio do discurso, de escritos e do ensino” 50.

O Papa Leão explicou que um de seus meios mais poderosos de lutar contra a Igreja é a promoção do indiferentismo religioso51 — a idéia de que na verdade não importa a religião de cada um. Essa idéia solapa todas as religiões, mas particularmente o Catolicismo, pois somente a Igreja Católica ensina com firmeza (e demonstra de modo vigoroso) que ela é a Única Verdadeira Religião estabelecida por Deus.

Os próprios maçons se jactam de ter sido a força motriz por trás da “Declaração dos Direitos do Homem” e da Revolução Francesa52. Sua intenção é privar a civilização de seus fundamentos cristãos e apoiá-la sobre o Naturalismo, no qual Deus não tem lugar. Foi a esse objetivo corrupto que o Papa Leão XIII se referiu quando afirmou: “Desejar destruir a religião e a Igreja que Deus estabeleceu, e cuja perpetuidade Ele assegura por Sua proteção, e trazer de volta após um lapso de dezoito séculos os modos e costumes dos pagãos, é sinal de loucura e audaciosa impiedade” 53.

Portanto, aqueles que se recusam a acreditar que a Maçonaria está trabalhando pela destruição da Igreja o fazem simplesmente porque não querem acreditar na verdade. Os Soberanos Pontífices e os maçons fornecem abundantes testemunhos do ódio maçônico e da guerra declarada à Igreja Católica.

  1. 1. The Catholic Encyclopedia, Vol. 3 (New York: Encyclopedia Press, 1913), págs. 330-331.
  2. 2. Revmo. E. Cahill, S.J., Freemasonry and the Anti-Christian Movement (Dublin: Gill, 1959), pág. 101.
  3. 3. Yves Marsaudon, citado em Dr. Rudolph Graber, Athanasius and the Church of our Time (Palmdale, CA: Christian Book Club, 1974), pág. 39.
  4. 4. Cretineau-Joly, L’Église Romaine en face de la Révolucion, Vol. 2, ed. orig., 1859, reimpresso pelo Cercle de la Renaissance française, Paris, 1976. Mons. Delassus reproduziu esses documentos novamente em seu trabalho La Conjuracion Antichrétienne, Desclée de Brouwer, 1910, Tomo III, págs. 1035-1092.
  5. 5. Michael Davies, Pope John's Council (Kansas City: Angelus Press, 1992), pág. 166.
  6. 6. Papa Leão XIII, Humanum Genus — Sobre a Maçonaria (Rockford, IL: TAN, 1978), parágrafo 31.
  7. 7. Mons. Delassus, La Conjuracion Antichrétienne (Paris: Desclée de Brouwer, 1910), Tomo III, págs. 1035-1092. O texto integral de “A Instrução Permanente da Alta Venda” também está publicado em: Mons. Dillon, Grand Orient Freemasonry Unmasked (Dublin: Gill, 1885; Palmdale, Calif.: Christian Book Club, n.d.), págs. 51-56.
  8. 8. Para uma verdadeira compreensão da doutrina católica comparada aos erros modernos, é fundamental estudar as encíclicas papais e outros documentos contra o Liberalismo, o Modernismo e a Maçonaria, escritos pelos papas do século XIX e do início do século XX. Os mais importantes estão reunidos em The Popes against Modern Errors: 16 Papal Documents (Rockford: TAN, 1999).
  9. 9. Pe. Denis Fahey, C.S.Sp., The Mystical Body of Christ in the Modern World (Dublin: Regina Publications, 1939), cap. VII.
  10. 10. Citado em ibid., pág. 116 (143).
  11. 11. Pe. Vicent Miceli, The Antichrist (Harrison, NY: Roman Catholic Books), pág. 133.
  12. 12. Papa S. Pio X, Pascendi — Sobre as Doutrinas Modernistas, parágrafo 1.
  13. 13. Pe. Vicent Miceli, The Antichrist (aula gravada) (North Haledon, NJ: Keep the Faith, Inc.).
  14. 14. Raymond Dulac, La Collégialité Épiscopale au deuxième Concile du Vatican (Paris: Cèdre, 1979), págs. 9-10.
  15. 15. Graber, op. cit., pág. 34.
  16. 16. Ibid., págs. 34, 35.
  17. 17. Ibid., pág. 35.
  18. 18. Ibid.
  19. 19. Ibid., pág. 36.
  20. 20. Ibid.
  21. 21. Um relato completo dessa fascinante história pode ser encontrado em: Frei Michel da Santíssima Trindade, The Whole Truth About Fatima, Volume 3: The Third Secret (Ft. Erie, Ontario: Immaculate Heart Publications, 1990), págs. 257-304.
  22. 22. Ibid., pág. 298.
  23. 23. Léon de Poncins, Freemasonry and the Vatican (Palmdale, CA: Christian Book Club, 1968), pág. 14.
  24. 24. Bouyer, Dom Lambert Beauduin, A Man of the Church (Casterman, 1964) págs. 180-181. Citado pelo Pe. Dilder Bonneterre em The Liturgical Movement (Ed. Fideliter, 1980), pág. 119.
  25. 25. Cf. Pe. Ralph Wiltgen, S.V.D., O Reno se lança no Tibre (Niterói: Permanência, 2007); Michael Davies, Pope John's Council (New York: Arlington House, 1977; Kansas City: Angelus Press, 1992); e Dom Wycislo (veja a nota abaixo), que exalta a reforma.
  26. 26. Mons. Aloysius Wycislo, Vatican II Revisited: Reflections by One Who Was There (Staten Island, NY: Alba House, 1987), pág. 10.
  27. 27. Ibid., pág. 33.
  28. 28. Ibid., pág. 27.
  29. 29. Ibid., págs. 27-34.
  30. 30. A história completa da tomada do Concílio pelos prelados e teólogos liberais e as trágicas conseqüências desse golpe modernista são magnificamente explicadas pelo Pe. Ralph Wiltgen, S.V.D. em O Reno se lança no Tibre (Niterói: Permanência, 2007) e por Michael Davies em Pope John's Council (New York: Arlington House, 1977; Kansas City: Angelus Press, 1992).
  31. 31. Essa tática foi admitida por um perito liberal do Concílio, o Padre Edward Schillebeeckx. De acordo com ele, “nós a expressaremos de modo diplomático, mas após o Concílio, exporemos as conclusões implícitas.” (Citado pela revista alemã De Bazuin, No. 16, 1965, em Iota Unum, por Romano Amerio, Kansas City, MO: Sarto House, 1996). Em outra citação (ou tradução da mesma citação) do Pe. Schillebeeckx, lê-se: “Nós utilizamos frases ambíguas durante o Concílio e sabemos como as interpretaremos depois.” (Mons. Marcel Lefebvre, Carta Aberta aos Católicos Perplexos, disponível on line no site da Permanência).
  32. 32. Cf. Michael Davies, The Second Vatican Council and Religious Liberty (Long Prairie, MN: Neumann Press, 1992) para evidências de que a Dignitatis Humanae do Vaticano II (particularmente o Art. 2) reflete uma contradição com o ensinamento papal anterior. O mesmo é admitido sem remorsos pelo teólogo progressista do Concílio Pe. Yves Congar.
  33. 33. Citado por Mons. Marcel Lefebvre em Carta Aberta aos Católicos Perplexos, disponível on line no site da Permanência.
  34. 34. Ibid., págs. 88-89.
  35. 35. Le Catholicisme Liberal, 1969; também Lefebvre, op. cit., pág. 100.
  36. 36. O grande teólogo, Cardeal Juan de Torquemada (1388-1468), citando a doutrina do Papa Inocêncio III, ensina que é possível, mesmo para um papa, manifestar-se contra os costumes universais da Igreja. Torquemada escreve: “Assim é que o Papa Inocêncio III afirma (De Consuetudine) que é necessário obedecer ao Papa em todas as coisas, desde que ele próprio não se volte contra os costumes universais da Igreja, mas se ele tiver de se voltar contra os costumes universais da Igreja, ele não precisa ser seguido.” Citado pelo Padre Paul Kramer, B.Ph., S.T.D., M. Div., A Theological Vindication of Roman Catholic Traditionalism, 2ª edição (St. Francis Press, India), pág. 29.
  37. 37. Lefebvre, op. cit., pág. 100.
  38. 38. Yves Congar, O.P., Challenge to the Church (London, 1977), pág. 147, em Michael Davies, The Second Vatican Council and Religious Liberty (Long Prairie, MN: Neumann Press, 1992), pág. 203.
  39. 39. Joseph Cardeal Ratzinger, Principles of Catholic Theology (San Francisco: Ignatius Press, 1987), págs. 381-382.
  40. 40. Lefebvre, op. cit., pág. 100.
  41. 41. Entrevista de Dom Morris a Kieron Wood, Catholic World News, 27 de setembro de 1997.
  42. 42. Lefebvre, op. cit., pág. 107.
  43. 43. Paulo VI, Audiência-geral de 12 de janeiro de 1966, em Insegnamenti di Paolo VI, vol. 4, p. 700, em Atila Sinke Guimarães, In the Murky Waters of Vatican II (Metairie: MAETA, 1997; TAN, 1999), págs. 111-112.
  44. 44. Pe. Vicent Miceli, Freemasonry and the Church (aula gravada) (Montvale, NJ: Keep the Faith, Inc.).
  45. 45. Mons. Dillon, Grand Orient Freemasonry Unmasked (Dublin: Gill, 1885; Palmdale, CA: Christian Book Club, n.d.), pág. 8.
  46. 46. Citado pelo Pe. Denis Fahey, Apologia pro Vita Mea (“Brief Sketch of My Life Work”) (Palmdale, CA: Christian Book Club).
  47. 47. Papa Leão XIII, Humanum Genus — Sobre a Maçonaria (TAN, 1978), parágrafo 2.
  48. 48. Ibid., par. 12.
  49. 49. Ibid., par. 15.
  50. 50. Ibid., par. 14.
  51. 51. Ibid., par. 16.
  52. 52. Pe. Denis Fahey, C.S.Sp., The Mystical Body of Christ in the Modern World (Palmdale, CA: Christian Book Club, 1939), caps. 5-8.
  53. 53. Papa Leão XIII, op. cit., par. 24.
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