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A reforma intelectual e moral

Jean Madiran

 

A política moderna é essencialmente uma estratégia sem fé nem lei para a tomada do poder e para sua exploração; é portanto um despotismo sistemático e não acidental. Não está mais a serviço do bem comum temporal. É por isto que a palavra “política” e o fato político estão desacreditados, como estava desonrada a profissão das armas quando nasceu a cavalaria.

A reforma intelectual não visa a tomado do poder nem mesmo do poder cultural. Ela quer outra coisa: quer a restauração do aprendizado.

O homem é votado à aprendizagem e ao aperfeiçoamento, isto é, ao esforço de adquirir aquilo que é superior a ele mesmo: superior na ordem do saber, na ordem do saber fazer e na ordem da sabedoria. Quando, por princípio, se imagina que não há nada superior ao eu individual, à própria consciência e à própria vontade livre, o aprendizado não tem mais sentido, não há mais aperfeiçoamento. Estamos atualmente neste ponto. Todos os graus de ensino estão fundados na crença de que tudo se pode saber sem nada se ter aprendido. A isto se chama respeitar e cultivar a criatividade de cada um. Maurras caracterizou bem as duas atitudes mentais:

“Um moço que quer amadurecer pode dizer a si mesmo:

Com quem parecerei? Comigo mesmo? Com o que tenho de mais ‘eu-mesmo’? Acentuarei a minha personalidade, reforçando todos os traços de meu natural?

Como pode dizer também:

Tornar-me-ei parecido com alguma coisa de melhor e mais alta do que eu?”

Prender-se ao que há de mais “eu-mesmo” ou a “qualquer coisa de melhor e de mais alta do que eu”? Estas duas atitudes mentais poderíamos chamá-las, uma, moderna, outra, clássica, ou melhor natural. A reforma intelectual consiste em subir da primeira para a segunda. A modernidade consiste em descer da segunda para a primeira: neste caso já se suprime, de saída, a idéia de aprendizado porque não trata de tornar-se melhor mas de tornar-se cada vez mais “eu-mesmo”, sem se compreender que o verdadeiro modo, a única possibilidade de se tornar cada vez mais “eu-mesmo” é justamente se tornando melhor. No fundo existe aí, portanto, um qüiproquó diabólico, um infernal mal-entendido, como houve desde o princípio com o eritis sicut dii (“sereis como deuses”). Perseverar  e crescer no ser que se é, eis a mais legítima aspiração; a aspiração natural do ser. O caminho aparentemente curto, o caminho enganador recusa reconhecer superioridades, submeter-se a elas, instruir-se, adaptar-se, conformar-se por elas, como se estas restrições de boa ordem infligissem uma diminuição à pessoa. Mas o desabrochar da personalidade não é a finalidade suprema: ela não será encontrada por acréscimo em lugar algum senão no final do caminho da humildade.

A história da humanidade mostra um progresso geral quase constante, quase contínuo: o progresso do poder do homem sobre a matéria. Este progresso não é, em si mesmo, uma ilusão. Mas ilude. Faz esquecer o outro aspecto da história da humanidade, também constante, que é a inconstância de seu valor intelectual e moral; inconstância de um século para outro, de uma época para outra, e até de uma idade para outra de uma mesma vida, como mostra a história do Santo rei David e ainda mais a do rei Salomão. Mas nenhuma história mostra mais nada quando se deturpa tanto o que ela conta quanto os critérios de julgamento. Hoje, na França, o recurso às lições da história é inoperante. A história que vem sendo ensinada aos franceses há um século foi pensada, fabricada, escrita com uma intenção passionalmente hostil à sua pátria e à sua religião. Henri Charlier foi educado sem fé nem batismo, num espírito perfeitamente maçônico. Passando pela primeira vez diante de Notre-Dame de Paris, conclui imediatamente que lhe tinham mentido, que os homens, a sociedade, a época que tinham construído a Igreja de Notre-Dame não estavam mergulhados no obscurantismo com lhe haviam dito. Ele pode formular para si mesmo, com certeza, tal conclusão porque tinha uma verdadeira percepção clássica; viu que da época da construção de Notre-Dame para a nossa não tinha havido progresso mas recuo. Progresso houve, sem dúvida, como sempre, mas do poder do homem sobre a matéria; recuo intelectual e moral. Mais ou menos no mesmo momento, a percepção política ou especulativa de Péguy, de Maurras, levavam-nos a observações análogas. Percepções raras, percepções excepcionais. Pois o olhar moderno foi preparado, habituado, condicionado para procurar no passado não mais o exemplo de realizações do bem comum temporal, mas precedentes revolucionários revelando as primeiras revoltas da pessoa individual em marcha para a conquista de sua autonomia moral. Disto se compõe um outro universo mental: o universo cultural e político que a televisão de cada dia ilustra, instala, impõe. A autonomia moral da pessoa é uma mentira. O homem moderno pensa que vai achar a liberdade nesta autonomia; acha a escravidão. Sua libertação depende de uma reforma intelectual e moral, a reforma de Péguy, de Maurras, de Henri Charlier.

 

“Itinéraires” n° 216 — Set—Out 1977 (Trad. De ANNA LUIZA FLEICHMAN)

Permanência, n° 112/113, Mar-Abr 1978.

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