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Como conciliar a doutrina do pecado original com a justiça divina?

Por Prof. Felix Otten, O.P., e C.F. Pauwels

Pergunta: Como o pecado oirginal pode ser conciliado com a justiça divina? Afinal de contas, em razão do pecado original, somos culpados de algo que não fizemos por conta própria, mas que foi feito por Adão nos primórdios da criação.

Resposta: Sabemos da Bíblia que Deus criou as primeiras pessoas em um estado de felicidade. Ele lhes deu os grandes privilégios de ter uma alma e um corpo. Acima de tudo, Ele direcionou o homem para um fim sobrenatural, isto é, a salvação eterna, que consiste na visão beatífica de Deus. Como meio de atingir esse fim sobrenatural, o homem recebeu de Deus a graça santificante, fazendo-o filho adotivo de Deus com direito ao céu como herança.

Esses e outros privilégios, tanto na ordem natural quanto na sobrenatural, foram dados ao homem como um dom totalmente imerecido. Tudo isso foi dado não apenas às primeiras pessoas pessoalmente, mas, nelas e através delas, a todos os seus descendentes, isto é, a todos aqueles que descenderiam deles por nascimento. Mas as primeiras pessoas tiveram de se mostrar dignas desses grandes privilégios através de uma fiel aliança com Deus e da obediência aos Seus mandamentos, a saber, a lei natural e, especialmente, o mandamento específico: não comer do fruto proibido.

Afinal de contas, Adão foi não apenas o ancestral natural de todas as pessoas, mas também foi nomeado por Deus como a cabeça moral, isto é, o representante de toda a humanidade no que diz respeito à graça santificante e à salvação eterna no Céu. Adão carregava a vida da humanidade, não apenas a física e natural, mas também a sobrenatural. Se ele continuasse a obedecer o mandamento de Deus, seus descendentes seriam felizes; se ele se tornasse infiel ao mandamento de Deus, a humanidade, nele e através dele como seu representante, tornar-se-ia infeliz.

Nós sabemos o que aconteceu. Portanto, a vida sobrenatural da humanidade foi profanada pelo representante da humanidade: Adão. E daí adveio que as pessoas que nascem sem a graça sofrem não apenas uma perda, mas um roubo. Todos os que descendem de Adão deveriam ter tido um bem que foi roubado. Isso deixou a natureza humana em um estado de desespero espiritual, que chamamos de pecado original.

Esse pecado original não é contrário à justiça de Deus. Afinal de contas, um príncipe, também, pode elevar um camponês e toda a sua família à nobreza, mas apenas sob condição de que essa pessoa sirva o príncipe fielmente. Se ele não servir, ele perde a nobreza não apenas para si, mas também para todos os seus descendentes. Esses descendentes poderiam acusar o príncipe de ser injusto porque nasceram sem nobreza? É claro que não! Devemos, portanto, prestar atenção a isto: por causa do pecado de Adão, só foram perdidos os bens aos quais não tínhamos direito. A natureza em si, com seus dons naturais, sobreviveu à destruição do pecado.

É melhor, portanto, darmos mais atenção ao amor ilimitado de Deus, que nos deu um Redentor, Cristo Nosso Senhor, e que, assim, tornou o pecado de Adão -- conforme à palavra de Santo Agostinho -- uma felix culpa, uma culpa feliz. Esse pecado foi feliz no sentido específico de que ele nos trouxe a bênção da Redenção.

The Angelus, Março-Abril de 2020

 

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