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A psicologia analítica de Jung é mais perigosa que a psicanálise de Freud?

Introdução

Carl Gustav Jung (1875-1961) demonstrou um grande interesse pela religião em geral, tanto a ocidental mas especialmente a oriental 1. Certamente, ele está longe do ateísmo de Freud e da sua opinião negativa sobre todas as religiões.

Contudo, se examinarmos atentamente o pensamento junguiano, encontramos aqui um espiritualismo gnóstico, alquímico e esotérico muito mais perigoso do que o pansexualismo freudiano, porque é mais dissimulado e pode se tornar mais facilmente uma armadilha para os católicos 2.

É preciso ter em mente que, se Jung, como Hegel, lança mão de conceitos cristãos, no entanto, dá a eles um significado substancialmente diferente da teologia católica 3. 

 

Simbolismo e relativismo religioso de Jung

É um fato objetivamente constatável que Jung, embora dizendo-se cristão/protestante, relativiza todos os conceitos e domas cristãos em um conceito muito abrangente do “religioso”, no qual todas as religiões se equivalem.

Ademais, ele estuda as religiões na sua relação com a psique humana, que para ele é a consciência humana mais o inconsciente, não as estuda como uma doutrina dogmático-moral objetiva porque, no tocante ao problema da sua objetividade e realidade, ele se declara agnóstico.

Ele justifica o seu agnosticismo relativista servindo-se da filosofia kantiana, segundo a qual o homem não pode conhecer a coisa em si, mas apenas como ela lhe aparece depois de lhe ter aplicado as suas categorias subjetivas — o a priori de Kant ou, para Jung, a nossa estrutura psíquica. Assim, supondo-se que Deus exista, sem poder prová-lo, não podemos conhecer a sua existência objetiva, mas apenas como o representamos graças aos símbolos que a psique humana forma dele.

Ora, o símbolo desempenha um papel fundamental na doutrina modernista. Os símbolos são sinais que representam uma verdade (por exemplo, a bandeira vermelha significa o perigo). Os modernistas aplicaram o simbolismo ao dogma, que para eles já não possui um valor objetivo e real, mas simbólico e prático. Por exemplo, Deus é um símbolo, não um Ente real e objetivo que exprime uma interpretação subjetiva e relativa do sentimento humano de um ato religioso, ou ainda uma entidade imaginada pelo sentimento religioso humano para ajudar o homem a se comportar melhor. Assim, o simbolismo modernista e junguiano esvazia toda a doutrina e dogmas da Igreja romana (esse simbolismo foi condenado pelo Decreto Lamentabile de São Pio X). Logo, a fé, segundo Jung, não possui nenhum fundamento objetivo e real, mas apenas psicológico, sentimental e simbólico4. Não é só isso: Jung abraça o niilismo teológico da teologia apofática de Moses Maimônides, mas desliza no relativismo metafísico e teológico. absoluto.

Ele ainda é um teórico do pan-ecumenismo. Com efeito, escreve: “não consigo compreender porque uma religião deveria possuir a verdade única e perfeita”5. A fé, para ele, é “extremamente subjetiva” 6

A religiosidade junguiana é incompatível com a doutrina católica além de muito semelhante a doutrina modernista. Assim, não é por acaso que Antonio Fogazzaro 7, “foi um dos primeiros na Europa a se interessa pela psique humana, abrindo caminho para Bergson, Freud e a chamada literatura da interioridade (i.é, a psicologia analítica junguiana)” 8.

Entre as várias filosofias ocidentais, Jung aproxima-se do kantismo e, entre as orientais, do budismo.

 

A teologia de Jung

Na teologia católica, o problema do mal é resolvido definindo-se o mal como uma privação de um bem, enquanto Jung, como os maniqueus ou os cataros, sustenta que o mal possui um valor ontológico real e positivo 9.

É por esse motivo que ele substitui a Santíssima Trindade pela “Quaternidade”, porque na Trindade faltaria o aspecto positivo e “divino" do mal 10.

Em seguida, ele passa a proclamar que “dado que o Diabo é o adversário de Cristo, deveria ocupar uma posição equivalente à sua e ser, ele também, Filho de Deus, e um segundo Cristo” 11. Assim, na “Quaternidade” junguiana, Satanás é consubstancial ao Pai e ao Espírito Santo 12.

O Pai possuiria em si o mal. É preciso recorrer à coincidentia oppositorum spinoziana para resolver este problema 13: “Deus possui duas mãos: a direita é Cristo, a esquerda, é Satanás” 14. Em suma, Deus não é o bem absoluto, mas é ainda cruel, imoral, malvado, violento, demoníaco, infernal 15.

Se Cristo e Satanás são as duas mãos de Deus, significa que Deus age no mundo, tanto por meio de Cristo como de Satanás e, assim, a atividade demoníaca devem ser atribuídas a Deus: “Deus não pode mostrar a sua verdadeira face senão também por meio de Satanás” 16.

Cristo não é mais o Filho Unigênito, mas “o irmão de Satanás, assim Satanás é o primeiro Filho de Deus, e Cristo, o segundo” 17.

Logo, reprimir o mal em si mesmo seria nefasto e significaria reduzir a “Quaternidade" e a própria personalidade. Para alcançar a boa saúde psíquica, é preciso integrar o mal moral na própria existência. Por mal moral, Jung entende os instintos, por ele chamados de “impulsos animais”. A ascética cristã é, destarte, fonte de mal estar psíquico 18

O homem, para Jung, deve tender à perfeita integridade, devendo assim assumir a porção do “mal" que está nele. Não se trata apenas de tomar consciência de aceitar-se como se é, mas de trabalhar positivamente para integrar o mal em si. A religião, para ele, é a “relação com os valores mais fortes, não importando se sejam positivos ou negativos” 19.

“Freud limita-se a fazer com o doente tome consciência da sua sombra para que ele veja como sair daquilo” 20, enquanto Jung sustenta que “o homem não pode se limitar a reconhecer a porção do mal que tem em si, mas deve aceitá-la, e fazê-la coisa própria; essa é a única solução válida” 21.

 

Conclusão

A psicologia analítica junguiana ensina o doente a assumir e a viver a sua porção obscura.

Mas, nem Freud nem Jung são capazes de oferecer ao doente uma terapia da doença da alma (como faz a espiritualidade católica), que constitua uma real superação do mal e um verdadeiro acesso à saúde interior. 

 

(Sì sì no no, 15 gennaio 2020 - tradução: Permanência)

  1. 1. C. G. Jung, Des rapports de la psycotérapie et d ela direction de conscience, in La guérison psychologique, Genebra, 1953.
  2. 2. Por exemplo, cf. B. Kaempf, Réconciliation. Psychologie et religion selon Carl Gustav Jung, Berna, 1946; R. Hostie, Du mythe à la religion. La psycologie analitique de C. G. Jung. Bruges, 1955.
  3. 3. Cf. G. Goldbrunner, Individuation, Selbstfindung und Selstentfaltung, Friburgo in Breisgau, 1949; R. Hostie, op. cit., 2a. edição, Paris, 2002; H. L. Philp, Jung and the Problem of evil, Londres, 1958; D. Cox, Jung and Saint Paul, Nova York, 1959; W. Johnson, The search for Trascendance, New York, 1974.
  4. 4. Cf. Carta de 10 de outubro de 1959 a G. Witwer.
  5. 5. In La vie symbolique, Paris, 1989, p. 189.
  6. 6. Carta ao Dr. Paul Maag, 20 de junho de 1933.
  7. 7. Escritor italiano (1896-1911), cuja obra mais conhecido, ”Il Santo”, foi condenada pela Santa Sé.
  8. 8. G. Sale, Un cattolico liberale e modernista, in La Civiltà cattolica, 2 de abril, 2011, p. 9.
  9. 9. Essai d’interprétation psycologique du dogme de la Trinité, in Essai sur la symbolique de l’esprit, Paris, 1991, p. 206.
  10. 10. Psycologie et religion, Paris, 1958, p. 114.
  11. 11. Essai d’interprétation psycologique du dogme de la Trinité, in Essai sur la symbolique de l’esprit, Paris, 1991, p. 207.
  12. 12. Psycologie et religion, Paris, 1958, p. 114-115.
  13. 13. Cf. Essai sur la symbolique de l’esprit, Paris, 1991, p. 214.
  14. 14. Carta ao Pastor W. Lachat, 27 de março de 1954.
  15. 15. In La vie symbolique, Paris, 1989, p. 136, 166, 183.
  16. 16. Carta ao Dr. E. Neumann, 5 de janeiro de 1952.
  17. 17. Aion, Paris, 1997, p. 71 e 75.
  18. 18. Psychologie de l’inconscient, Genebra, 1993, p. 46 e 58.
  19. 19. Psychologie et religion, Paris, 1958, p. 161.
  20. 20. Des rapports de la psycotérapie et de la direction de conscience, in La guérison psychologique, Genebra, 1953, p. 293.
  21. 21. Psycologie et religion, Paris, 1958, p. 154-155.