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Artigo 3: Universalidade da mediação de Maria e sua definibilidade

Depois de termos falado das características gerais da mediação da Santíssima Virgem, de seu mérito e de sua satisfação por nós durante sua vida mortal, de sua intercessão no Céu, da forma como ela nos transmite as graças que recebemos, consideraremos agora a universalidade de sua mediação, sua certeza e o sentido exato segundo o qual deve ser entendida.

 

Certeza dessa universalidade

Pressuposto o que vimos, essa universalidade deriva de todos os princípios admitidos, de tal forma que não requer uma prova especial; os adversários desse privilégio é que deveriam provar a sua posição 1.

Vimos, com efeito, que em sua qualidade de Mãe de Deus Redentor e Mãe de todos os homens, Maria Corredentora nos mereceu por um mérito de conveniência tudo o que Nosso Senhor nos mereceu em justiça, e que ela satisfaz por nós em união com Ele. Segue-se daí que Maria pode, no Céu, por sua intercessão, obter-nos a aplicação de seus méritos passados e que obtém-nos, de fato, não somente todas as graças em geral, mas todas as graças particulares que cada um de nós recebe, sem excluir evidentemente a intervenção subordinada dos santos aos quais também recorremos.

Essa asserção não é somente uma piedosa conjectura, seriamente provável, mas uma certeza teológica em virtude dos princípios expostos anteriormente, já afirmados pelos Padres, comumente admitidos pelos teólogos, expostos pela pregação universal e confirmados pelas encíclicas dos Papas. Leão XIII, na encíclica Octobri mense, de 22 de setembro de 1891, sobre o Rosário2, diz particularmente: “Nihil nobis nisi per Mariam, Deo sic volente, impertiri”. Nenhuma graça nos é dada sem a intervenção de Maria, porque Deus o tem querido assim.

A universalidade dessa mediação é confirmada também pelas orações da Igreja, que são a expressão de sua fé. Por elas pedimos a Maria todos os tipos de graças, temporais e espirituais, e, entre estas últimas, todas as que conduzem a Deus, desde as primeiras que levam à conversão até as da perseverança final, sem omitir as que são particularmente necessárias aos Apóstolos para o seu apostolado, aos mártires para continuarem firmes na perseguição, aos confessores da fé para conformar toda a sua vida com os ensinamentos de Cristo, às virgens para conservar intacta a virgindade etc. Maria, de fato, nas litanias lauretanas, universalmente recitadas em toda a Igreja, é chamada de Saúde dos enfermos, Refúgio dos pecadores, Consoladora dos aflitos, Auxílio dos cristãos, Rainha dos Apóstolos, dos mártires, dos confessores, das virgens, de todos os santos.

Por ela, pois, nos são outorgadas todas as categorias de graças necessárias a uns e outros, segundo seu estado. Em outros termos, todas as graças que Nosso Senhor nos mereceu em justiça e que Maria nos mereceu por um mérito de conveniência nos são distribuídas incessantemente pela Virgem no decorrer das gerações humanas há 20 séculos, e assim sucederá até o fim do mundo para ajudar-nos em nossa viagem rumo à eternidade.

Mais ainda, em cada uma dessas categorias de graças ― necessárias aos Apóstolos, aos mártires, aos confessores, às virgens ― a mais particular de todas as graças para cada um de nós, quer dizer, a graça do momento presente, não nos é outorgada sem a intervenção de Maria. Todos os dias, de fato, e muitas vezes ao dia, pedimos-lhe essa graça ao dizermos na Ave Maria: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém”. Por este advérbio “agora”, pedimos a graça que nos é necessária para o dever do momento presente, para rezar bem ou praticar qualquer outra virtude, e, se não estamos atentos a essa palavra, a Santíssima Virgem, que conhece no Céu as necessidades atuais de cada uma de nossas almas, está atenta; quando obtemos essa graça do momento (por exemplo, a necessária para continuar a rezar bem), é por sua intercessão que nós a obtemos, e esse é um sinal de que, nessa ocasião, fomos ouvidos. A graça do momento presente é evidentemente a mais particular de todas, e varia para cada um de nós, de minuto em minuto, como as ondulações do ar que chega incessantemente aos nossos pulmões para que a respiração continue renovando nosso sangue.

A mediação de Maria é, pois, segundo a Tradição, verdadeiramente universal, uma vez que se estende a toda obra da salvação, tanto à aquisição das graças pelo mérito e pela satisfação passadas, quanto pela aplicação das mesmas graças através da oração sempre atual e à sua distribuição. Essa mediação não está limitada a um determinado tipo de graças, mas estende-se a todas. E mesmo sobre esse ponto há uma unanimidade moral dos Padres, dos Doutores e da crença dos fiéis expressa pela liturgia.

 

Definibilidade dessa verdade

Essa doutrina parece não apenas teologicamente certa, mas definível como dogma de fé, porque está primeiro implicitamente revelada nos títulos gerais que a Tradição dá a Maria: Mãe de Deus onipotente por sua intercessão junto ao seu Filho; nova Eva intimamente associada a Cristo Redentor; Mãe de todos os homens. Ademais, é uma verdade explícita e formalmente afirmada pelo consentimento moral unânime dos Padres, dos Doutores, pela pregação universal e pela liturgia.

Leão XIII, loc. cit., depois de ter afirmado que “nada nos é dado sem a intercessão de Maria”, acrescenta que “assim como ninguém pode vir ao Pai senão por meio de Seu Filho, assim também ninguém pode vir a Cristo senão por Maria”3, pois ela é a “Medianeira diante do Mediador”4.

Pio X chama a Virgem de “dispensadora de todos os bens que Jesus nos adquiriu por seu sangue”5.

Essa doutrina foi sancionada por Bento XV em janeiro de 1921 pela instituição da festa universal de Maria Medianeira de todas as graças. Parece, portanto, definível como dogma de fé, porque está ao menos implicitamente revelada, e já universalmente proposta pelo magistério ordinário da Igreja.

 

Qual é o significado exato dessa universalidade?

Devem-se fazer sobre esse ponto várias observações para determinar o significado exato da expressão “mediação universal”.

Em primeiro lugar, as graças já recebidas após a queda do primeiro homem até a Encarnação do Verbo foram concedidas por Deus em vista dos méritos futuros do Salvador, aos quais se devem unir os méritos de Maria. Mas nem nosso Senhor nem sua Santa Mãe distribuíram-nas ou transmitiram-nas, pois são graças pretéritas.

Não acontece o mesmo quando se trata de graças recebidas pelos homens depois da vinda de Cristo. Deve-se mesmo dizer que é sobretudo depois da Assunção que Maria, conhecendo as necessidades espirituais de cada um de nós, intercede em favor de cada um e distribui-nos as graças que recebemos.

Mesmo as graças sacramentais nos são obtidas por ela, no sentido em que nos obtém tudo o que nos mereceu, e vimos que nos mereceu por um mérito de conveniência tudo o que Jesus nos mereceu em justiça e, portanto, também as graças sacramentais. Ademais, ela nos distribui e nos transmite ao menos enquanto nos dá as graças que nos dispõem para aproximarmo-nos dos sacramentos e para recebê-los devidamente, e às vezes nos envia o sacerdote, sem o qual não nos seria concedida a graça sacramental 6.

Não se deve entender a universalidade dessa mediação no sentido de que nenhuma graça nos será conferida sem que a tenhamos explicitamente pedido a Maria; isso seria confundir nossa oração que se dirige a ela com a súplica que a Virgem dirige a Deus. Maria, de fato, pode rogar por nós sem que a invoquemos explicitamente. É certo que muitas graças são dadas não só às crianças, mas também aos adultos, antes mesmo que eles as tenham pedido; em particular, o auxílio necessário para começar a rezar. Também pode-se dizer o Pai Nosso sem invocar explicitamente a Santíssima Virgem, mas ainda assim ela é invocada implicitamente quando se roga segundo a ordem estabelecida pela Divina Providência.

Tampouco é preciso crer que Maria foi medianeira para consigo mesma. Mas, ao contrário, não seria suficiente dizer que ela nos obtém, por sua mediação, quase todas as graças ou, moralmente falando, todas as graças. Essa vaga expressão pareceria indicar 90% ou 80%, o que carece de qualquer fundamento. Deve-se dizer que, por uma lei geral estabelecida pela Providência, todas e cada uma das graças nos vêm pela mediação de Maria, pois não há nenhum indício claro de que existam exceções7.

Note-se, ademais, que a mediação de Maria difere da mediação dos santos, não somente por sua universalidade, mas também porque, sendo Mãe de todos os homens, ela é de direito e não só de fato mediadora para cooperar na obra de nossa salvação, o que torna a sua intercessão onipotente; e não só tem direito a obter, mas obtém de fato todas as graças que recebemos. Suas orações são mais eficazes que as de todos os santos reunidos, uma vez que, segundo a doutrina da mediação universal, os santos não podem nada obter sem a intercessão da Santíssima Virgem 8.

Note-se, finalmente, que essa mediação universal estende-se às almas do Purgatório. Como explica o Pe. E. Hugon9: “É certo que a Mãe de Misericórdia conhece todas as necessidades dessas almas... Ela pode apoiar suas súplicas sobre suas satisfações de outros tempos... jamais teve necessidade delas, e as entrega ao domínio da Igreja, que as distribui às almas pelas indulgências... A partir do momento, portanto, em que as satisfações de Maria são aplicadas aos pobres devedores do Purgatório, ela tem certo direito a sua libertação, posto que paga as dívidas deles com seus próprios tesouros... A Virgem obtém por suas maternais habilidades que seus filhos que moram na Terra roguem para seus fiéis no Purgatório, ofereçam nessa intenção suas boas obras e façam celebrar por elas o augusto sacrifício da libertação... Ela pode obter ainda que os sufrágios destinados a outras almas que não têm mais necessidade ou que são incapazes de recebê-los favoreçam os filhos de sua predileção”.

Por isso garante um doutor da Igreja, São Pedro Damião10, que a cada ano, no dia da Assunção, Maria liberta muitos milhares de cativos. Santo Afonso de Ligório acrescenta11, citando Dionísio, o Cartuxo, que essas libertações acontecem particularmente nas festas do nascimento do Senhor e de Sua Ressurreição. Esses últimos testemunhos, sem serem de fé, traduzem e explicam à sua maneira, uma conclusão que é teologicamente certa.

Assim pode-se fixar o sentido do termo “mediação universal”.

 

Objeções

Alguns têm objetado: a mãe de um rei não tem, pelo fato de sua maternidade, o direito de dispor dos bens daquele; e, portanto, a Mãe do Cristo-Rei não tem positivamente o direito de dispor de suas graças.

Tem-se justamente respondido12: não há aqui comparação; a mãe de um rei é somente a mãe de uma criança que mais tarde se tornou rei, e na maioria das vezes não cooperou intimamente em seu governo. Ao contrário, Maria é, por sua própria Maternidade Divina, a Mãe de Deus Redentor, Rei universal de todas as criaturas; ela Lhe deu sua natureza humana e esteve intimamente associada aos Seus méritos e aos Seus sofrimentos reparadores; participa, portanto, da Sua realeza espiritual com um direito subordinado ao de Cristo para dispor das graças adquiridas por Ele e por ela.

Tem-se objetado ainda que essa mediação não é mais que uma pura conveniência e, portanto, não é uma certeza.

Isso é fácil de responder: trata-se de uma conveniência, de uma conaturalidade que deriva da Maternidade Divina de Maria, de sua maternidade espiritual com relação aos homens, de sua união ao Cristo Redentor, de quem deriva de tal modo que o oposto não seria conveniente, como é conveniente que Nosso Senhor tivesse tido desde o primeiro instante da Sua concepção a visão beatífica. É conatural à Mãe espiritual de todos os homens o velar espiritualmente por eles e lhes distribuir os frutos da redenção.

Ademais, segundo a Tradição, é uma conveniência que motivou de fato a escolha divina e na qual esta se comprouve. É assim que foi considerada pelos Padres e pelos Doutores da Idade Média, principalmente Santo Alberto Magno13, São Boaventura14, Santo Tomás em sua explicação da Ave Maria, e pelos teólogos posteriores, que têm posto cada vez mais em destaque a universalidade dessa mediação.

 

Conclusão

Nenhuma dificuldade séria se apresenta, portanto, à definição da mediação universal de Maria, entendida como acabamos de descrever: a mediação subordinada àquela do Salvador e dependente de Seus méritos; mediação que não acrescenta um complemento necessário aos méritos de Jesus, cujo valor é infinito e superabundante, mas que permite ver o resplendor e todos os frutos numa alma perfeita plenamente conformada a Ele.

As dificuldades que têm surgido contra essa mediação universal são certamente menores se comparadas àquelas formuladas no século XIII contra a Imaculada Conceição, que, no entanto, foi definida como dogma de fé.

Admite-se também geralmente hoje a definibilidade da Assunção, cuja festa, que remonta pelo menos ao século VIII, é um testemunho da Tradição. Ora, a mediação universal de Maria aparece ainda mais certa pelos princípios que a fundamentam: a Maternidade Divina e a maternidade espiritual com relação a todos os homens, e mais certa ainda pelos documentos da mais remota tradição onde se opõe Eva a Maria.

A Mediação universal da Santíssima Virgem tem sido muito menos atacada que a Imaculada Conceição e a Assunção; já é muito certa pelo Magistério ordinário da Igreja e só nos resta desejar sua definição para melhor promover a devoção de todos em relação àquela que é verdadeiramente a Mãe espiritual de todos os homens e que vela incessantemente por eles.

Essa mediação, longe de obscurecer a de Nosso Senhor, manifesta seu resplendor, uma vez que os maiores méritos suscitados por Jesus Cristo são aqueles da Sua Santa Mãe, e Ele é quem lhe comunica a dignidade da causalidade na ordem da santificação e da salvação. A história demonstra, ademais, que precisamente as nações que perderam a fé na divindade de Jesus Cristo primeiro abandonaram a devoção à Sua Santíssima Mãe, enquanto que as nações que mais exaltaram a Mãe de Deus têm conservado a fé no dogma da Encarnação redentora. O anglicano Pusey condenou esta frase de Faber: “Jesus fica encoberto porque Maria é mantida em segundo plano”. Newman respondeu: “Como atestado pela história, essa verdade fez-se manifesta pela vida e pelos escritos dos santos que viveram no período moderno”15. E cita como exemplo Santo Afonso de Ligório e São Paulo da Cruz, cujo amor fervoroso a Jesus Redentor era inseparável de uma grande devoção a Maria.

Esses fatos demonstram uma vez mais que o verdadeiro culto dado à Mãe de Deus, assim como o influxo que ela mesma exerce sobre nós, conduz inevitavelmente à intimidade com Jesus. Longe de diminuí-la, mais a consolida, e a torna mais profunda e frutuosa, como a influência da Santa Alma do Salvador aumenta em nós a união com a Santíssima Trindade.

A universalidade dessa mediação ficará cada vez mais clara quando considerarmos Maria como Mãe de Misericórdia e a extensão de sua realeza universal.

  1. 1. Foi negada pelos jansenistas, que quiseram modificar, no Ave Maris Stella, o versículo Bona cuncta posce, com o qual suplicamos a Maria que peça para nós todas as graças que devem conduzir-nos a Deus.
  2. 2. Denzinger, nº 3033.
  3. 3. Encíclica Octobri mense, de 22 de setembro de 1891 (Denzinger, nº 3033): “Nada se nos distribui senão por meio de Maria, porque assim Deus o quer; de modo que, como ninguém pode chegar ao sumo Pai senão pelo Filho, assim ninguém pode chegar a Cristo senão por Maria”.
  4. 4. Idem.
  5. 5. Cf. denzinger, 3034: “A dispensadora de todos os bens que Jesus nos adquiriu por sua morte e seu sangue”. Encíclica Ad diem, de 2 de fevereiro de 1904
  6. 6. Cf. Dict. de Théol. cath., art. Marie (e. dublanchy), col. 2403: essa doutrina da mediação universal de todas as graças “é verdadeira sobre todas as graças sobrenaturais provenientes da redenção de Jesus Cristo. A conclusão, sem nenhuma restrição, deve aplicar-se às graças conferidas pelos sacramentos, no sentido de que as disposições que devem ser levadas para sua recepção e das quais depende a produção sacramental da graça são obtidas pela intercessão de Maria”.
  7. 7. Cf. merkelbach, Mariologia, p. 375.
  8. 8. Isso é o que afirma santo anselmo ao dizer (orat. 46): 

    Te tacente, nullus (sanctus) orabit, nullus invocabit. 

    Te orante, omnes orabunt, omnes invocabunt.

  9. 9. Marie, pleine de grâce, 5.ª edic., 1926, p. 201.
  10. 10. Epist. 52 e Opusc. XXIV: Disput. de variis apparit. et miraculis.
  11. 11. As Glórias de Maria, 1ª parte, c. VIII.
  12. 12. Cf. merkelbach, Mariologia, p. 377.
  13. 13. Mariale, q. 29, 33, 147, 150, 164.
  14. 14. Serm. I, in Nat. Dom.
  15. 15. Certain difficulties felt by anglicans in catholic teaching considered, Londres, 1910, t. II, pp. 91 ss.
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