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Qual o problema do espiritismo?

Pe. Sarda y Salvany

Ao leitor

Este opúsculo não tem a pretensão de ser obra teológica ou filosófica, longe disso. É pura e simplesmente uma breve instrução caseira para o uso dos fiéis. Por isso, ao longo dele, e sobretudo na sua primeira parte, apela-se ao bom senso católico do leitor, mais do que a elevadas argumentações científicas. O espiritismo não precisa, para o seu deslustre, mais do que ser conhecido à luz das mais triviais noções da fé cristã e do sentido comum. Decidi, portanto, expô-lo sob estes dois pontos de vistas. Os que desejarem estudos mais profundos, poderão ler a obra excelente do Pe. Pailloux: Le magnétisme, le spiritisme et la possession, e também a série de artigos magníficos publicados em La Civiltà cattolica, e com o título: El espiritismo en el mundo moderno, traduzidos para o espanhol e editados em Lugo, casa editorial de Soto. (Continue a ler)

PRÓLOGO

 

Qual o problema do espiritismo?

A toda hora se anda repetindo esta pergunta, uma vez que, por desgraça de nossos tempos miseráveis, o espiritismo é hoje um dos erros mais em voga. Uns, por pura curiosidade, outros com malícia, alguns pelo santo zelo de defender a Fé e os costumes; este com um sorriso despreocupado, aquele com sua consciência cristã justamente alarmada, todos pedem explicações sobre esse assunto. É preciso dá-las. Vejamos, pois, com clareza e simplicidade o que é realidade e o que não é neste mistério obscuro de abominação que tanto preocupa as gentes nestes dias.

 

Que se entende por espiritismo?

Entende-se por espiritismo um conjunto de doutrinas e de práticas ordenadas a obter a comunicação do homem com os espíritos do outro mundo.

O espiritismo é, portanto, uma doutrina e uma prática. A doutrina constitui, a seu modo, um sistema teológico, filosófico e social com o qual se resolvem, também a seu modo, todas as questões referentes a estas três ordens. Veremos adiante os principais artigos desta doutrina. A prática se reduz a certos procedimentos empregados para obter a comunicação dos espíritos com o homem, seja para satisfazer a curiosidade com descobertas sutis, ou como recurso para encontrar remédio em certas enfermidades, ou como caminho para a investigação científica, revelação do porvir, êxito para um dado negócio etc. Veremos adiante estes procedimentos e seus resultados.

Esta breve indicação assinala a divisão natural deste opúsculo em duas partes: 1a. relativa às doutrinas, 2a. relativa às práticas.  

 

PRIMEIRA SEÇÃO: AS DOUTRINAS DO ESPIRITISMO 

 

Resumo das doutrinas espíritas

Não quero que me acusem neste ponto de parcialidade ou má fé. Vou resumir a doutrina espírita, em seus pontos mais essenciais, com citações tiradas da obra O livro dos espíritos, de Allan Kardec, um dos principais doutores da seita. Diz assim na Introdução:

“Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos transmitiram, a fim de mais facilmente respondermos a certas objeções. 

“Deus é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom. 

“Criou o Universo, que abrange todos os seres animados, e inanimados, materiais e imateriais. 

“Os seres materiais constituem o mundo visível ou corpóreo, e os seres imateriais, o mundo invisível ou espírita, isto é, dos Espíritos. 

“O mundo espírita é o mundo normal, primitivo, eterno, preexistente e sobrevivente a tudo. 

“O mundo corporal é secundário; poderia deixar de existir, ou não ter jamais existido, sem que por isso se alterasse a essência do mundo espírita. 

“Os Espíritos revestem temporariamente um invólucro material perecível, cuja destruição pela morte lhes restitui a liberdade. 

“Entre as diferentes espécies de seres corpóreos, Deus escolheu a espécie humana para a encarnação dos Espíritos que chegaram a certo grau de desenvolvimento, dando-lhe superioridade moral e intelectual sobre as outras. 

“A alma é um Espírito encarnado, sendo o corpo apenas o seu envoltório. 

“Há no homem três coisas: 1o o corpo ou ser material análogo aos animais e animado pelo mesmo princípio vital; 2o a alma ou ser imaterial, Espírito encarnado no corpo; 3o o laço que prende a alma ao corpo, princípio intermediário entre a matéria e o Espírito. 

“Tem assim o homem duas naturezas: pelo corpo, participa da natureza dos animais, cujos instintos lhe são comuns; pela alma, participa da natureza dos Espíritos. 

“O laço ou perispírito, que prende ao corpo o Espirito, é uma espécie de envoltório semimaterial. A morte é a destruição do invólucro mais grosseiro. O Espírito conserva o segundo, que lhe constitui um corpo etéreo, invisível para nós no estado normal, porém que pode tornar-se acidentalmente visível e mesmo tangível, como sucede no fenômeno das aparições. 

“O Espírito não é, pois, um ser abstrato, indefinido, só possível de conceber-se pelo pensamento. É um ser real, circunscrito, que, em certo casos, se torna apreciável pela vista, pelo ouvido e pelo tato. 

“Os Espíritos pertencem a diferentes classes e não são iguais, nem em poder, nem em inteligência, nem em saber, nem em moralidade. Os da primeira ordem são os Espíritos superiores, que se distinguem dos outros pela sua perfeição, seus conhecimentos, sua proximidade de Deus, pela pureza de seus sentimentos e por seu amor do bem: são os anjos ou puros Espíritos. Os das outras classes se acham cada vez mais distanciados dessa perfeição, mostrando-se os das categorias inferiores, na sua maioria, eivados das nossas paixões: o ódio, a inveja, o ciúme, o orgulho, etc. Comprazem-se no mal. Há também, entre os inferiores, os que não são nem muito bons nem muito maus, antes perturbadores e enredadores, do que perversos. A malícia e as inconseqüências parecem ser o que neles predomina. São os Espíritos estúrdios ou levianos. 

“Os Espíritos não ocupam perpetuamente a mesma categoria. Todos se melhoram passando pelos diferentes graus da hierarquia espírita. Esta melhora se efetua por meio da encarnação, que é imposta a uns como expiação, a outros como missão. A vida material é uma prova que lhes cumpre sofrer repetidamente, até que hajam atingido a absoluta perfeição moral. 

“Deixando o corpo, a alma volve ao mundo dos Espíritos, donde saíra, para passar por nova existência material, após um lapso de tempo mais ou menos longo, durante o qual permanece em estado de Espírito errante.

“Tendo o Espírito que passar por muitas encarnações, segue-se que todos nós temos tido muitas existências e que teremos ainda outras, mais ou menos aperfeiçoadas, quer na Terra, quer em outros mundos. 

“A encarnação dos Espíritos se dá sempre na espécie humana; seria erro acreditar-se que a alma ou Espírito possa encarnar no corpo de um animal. 

“As diferentes existências corpóreas do Espírito são sempre progressivas e nunca regressivas; mas, a rapidez do seu progresso depende dos esforços que faça para chegar à perfeição. 

“As qualidades da alma são as do Espírito que está encarnado em nós; assim, o homem de bem é a encarnação de um bom Espírito, o homem perverso a de um Espírito impuro. 

“A alma possuía sua individualidade antes de encarnar; conserva-a depois de se haver separado do corpo. 

“Na sua volta ao mundo dos Espíritos, encontra ela todos aqueles que conhecera na Terra, e todas as suas existências anteriores se lhe desenham na memória, com a lembrança de todo bem e de todo mal que fez. 

“O Espírito encarnado se acha sob a influência da matéria; o homem que vence esta influência, pela elevação e depuração de sua alma, se aproxima dos bons Espíritos, em cuja companhia um dia estará. Aquele que se deixa dominar pelas más paixões, e põe todas as suas alegrias na satisfação dos apetites grosseiros, se aproxima dos Espíritos impuros, dando preponderância à sua natureza animal. 

“Os Espíritos encarnados habitam os diferentes globos do Universo. 

“Os não encarnados ou errantes não ocupam uma região determinada e circunscrita; estão por toda parte no espaço e ao nosso lado, vendo-nos e acotovelando-nos de contínuo. É toda uma população invisível, a mover-se em torno de nós. 

“Os Espíritos exercem incessante ação sobre o mundo moral e mesmo sobre o mundo físico. Atuam sobre a matéria e sobre o pensamento e constituem uma das potências da Natureza, causa eficiente de uma multidão de fenômenos até então inexplicados ou mal explicados e que não encontram explicação racional senão no Espiritismo. 

“As relações dos Espíritos com os homens são constantes. Os bons Espíritos nos atraem para o bem, nos sustentam nas provas da vida e nos ajudam a suportá-las com coragem e resignação. Os maus nos impelem para o mal: é-lhes um gozo ver-nos sucumbir e assemelhar-nos a eles. 

“As comunicações dos Espíritos com os homens são ocultas ou ostensivas. As ocultas se verificam pela influência boa ou má que exercem sobre nós, à nossa revelia. Cabe ao nosso juízo discernir as boas das más inspirações. As comunicações ostensivas se dão por meio da escrita, da palavra ou de outras manifestações materiais, quase sempre pelos médiuns que lhes servem de instrumentos. 

“Os Espíritos se manifestam espontaneamente ou mediante evocação. 

“Podem evocar-se todos os Espíritos: os que animaram homens obscuros, como os das personagens mais ilustres, seja qual for a época em que tenham vivido; os de nossos parentes, amigos, ou inimigos, e obter-se deles, por comunicações escritas ou verbais, conselhos, informações sobre a situação em que se encontram no Além, sobre o que pensam a nosso respeito, assim como as revelações que lhes sejam permitidas fazer-nos. 

“Os Espíritos são atraídos na razão da simpatia que lhes inspire a natureza moral do meio que os evoca. Os Espíritos superiores se comprazem nas reuniões sérias, onde predominam o amor do bem e o desejo sincero, por parte dos que as compõem, de se instruírem e melhorarem. A presença deles afasta os Espíritos inferiores que, inversamente, encontram livre acesso e podem obrar com toda a liberdade entre pessoas frívolas ou impelidas unicamente pela curiosidade e onde quer que existam maus instintos. Longe de se obterem bons conselhos, ou informações úteis, deles só se devem esperar futilidades, mentiras, gracejos de mau gosto, ou mistificações, pois que muitas vezes tomam nomes venerados, a fim de melhor induzirem ao erro. 

“Distinguir os bons dos maus Espíritos é extremamente fácil. Os Espíritos superiores usam constantemente de linguagem digna, nobre, repassada da mais alta moralidade, escoimada de qualquer paixão inferior; a mais pura sabedoria lhes transparece dos conselhos, que objetivam sempre o nosso melhoramento e o bem da Humanidade. A dos Espíritos inferiores, ao contrário, é inconseqüente, amiúde trivial e até grosseira. Se, por vezes, dizem alguma coisa boa e verdadeira, muito mais vezes dizem falsidades e absurdos, por malícia ou ignorância. Zombam da credulidade dos homens e se divertem à custa dos que os interrogam, lisonjeando-lhes a vaidade, alimentando-lhes os desejos com falazes esperanças. Em resumo, as comunicações sérias, na mais ampla acepção do termo, só são dadas nos centros sérios, onde reine íntima comunhão de pensamentos, tendo em vista o bem. 

“A moral dos Espíritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta máxima evangélica: Fazer aos outros o que quereríamos que os outros nos fizessem, isto é, fazer o bem e não o mal. Neste princípio encontra o homem uma regra universal de proceder, mesmo para as suas menores ações. 

“Ensinam-nos que o egoísmo, o orgulho, a sensualidade são paixões que nos aproximam da natureza animal, prendendo-nos à matéria; que o homem que, já neste mundo, se desliga da matéria, desprezando as futilidades mundanas e amando o próximo, se avizinha da natureza espiritual; que cada um deve tornar-se útil, de acordo com as faculdades e os meios que Deus lhe pôs nas mãos para experimentá-lo; que o Forte e o Poderoso devem amparo e proteção ao Fraco, porquanto transgride a Lei de Deus aquele que abusa da força e do poder para oprimir o seu semelhante. Ensinam, finalmente, que, no mundo dos Espíritos, nada podendo estar oculto, o hipócrita será desmascarado e patenteadas todas as suas torpezas; que a presença inevitável, e de todos os instantes, daqueles para com quem houvermos procedido mal constitui um dos castigos que nos estão reservados; que ao estado de inferioridade e superioridade dos Espíritos correspondem penas e gozos desconhecidos na Terra. 

“Mas, ensinam também não haver faltas irremissíveis, que a expiação não possa apagar. Meio de consegui-lo encontra o homem nas diferentes existências que lhe permitem avançar, conformemente aos seus desejos e esforços, na senda do progresso, para a perfeição, que é o seu destino final.” 

 

Assim resume Allan Kardec as doutrinas que constituem este monstruoso sistema. Não irei refutar estes desatinos um a um. Para fazê-lo, seria preciso escrever um livro volumoso, e não um simples opúsculo de propaganda popular. Meu procedimento será mais curto e simples, sem por isto perder em nada sua indispensável eficácia. Limitar-me-ei a demonstrar, com a lógica mais rigorosa, a falsidade daqueles pontos em que todos os demais se estribam. Assim, destruídas as fundações, todo o edifício necessariamente cairá. Aos meus leitores peço apenas atenção e imparcialidade.

 

A doutrina espirita carece de fundamento

O primeiro defeito da doutrina espírita é a falta de fundamento. O leitor acaba de ler o compêndio de seus dogmas. Quanto a mim, fiz o sacrifício de ler (com a devida permissão) toda a obra em que são mais extensamente explicados e em nenhuma parte pude encontrar a prova deles. Allan Kardec ensina estas doutrinas como emanadas dos Espíritos em diversas comunicações, e quer que acreditemos nelas fiados apenas em sua palavra.

Perdoe-me, digníssimo doutor espírita, mas este procedimento não é filosófico nem racional. O filosófico, o racional, é que se admita um sistema, não pela mera palavra de quem o funda, mas pelas provas apresentadas em seu favor. Em boa filosofia, o que não se prova, considera-se como não dito.

“E quem é que lhe abona?” Perguntava um bom juiz a um comerciante de bairro que, para facilitar o despacho da documentação de um colega, oferecera-se para aboná-lo. E o sr., quem é que lhe abona, Sr. Allan Kardec? Qualquer filho de comerciante, não precisa ser juiz, poderá lhe perguntar. O sr. apresenta-se como responsável pela doutrina, porém, quem é o responsável pelo senhor? Como podemos saber que o senhor não foi enganado, ou que não se enganou, ou ainda que não trata de enganar-nos? Queremos provas! Provas!

— Alto lá, meu prezado católico, replica o espírita; também a Igreja obriga a crer em seus dogmas sem os provar; também a Igreja exige atos de fé.

— Equivoca-se, meu caro espírita, e está muito mal informado, para não dizer que é muito ignorante no que diz respeito a nossos assuntos. A Igreja exige atos de fé, porém de fé racional e fundada; a Igreja começa por provar-nos de um modo que não admite dúvida alguma a divindade de Jesus Cristo e a autoridade do seu Magistério como representante dele, e sobre estas duas bases funda todo o seu ensinamento, que constitui uma verdadeira ciência, que é a teologia. Ciência que parte de princípios fixos e chega a conclusões fixas, assim como as matemáticas. Se o senhor não conhece esta ciência, pior para o senhor; entretenha-se por um pouco de tempo com qualquer uma de nossas obras, como eu me entretenho com as suas, e constatará. Cremos, pois, porém é pela autoridade divina de Cristo-Deus, não pela simples palavra de Allan Kardec. E se este senhor tem algum argumento em apoio de suas doutrinas, que no-los apresente, e então discutiremos. Enquanto não os apresenta, como não o faz em suas obras, dá provas de que não os tem.

Primeiro absurdo do espiritismo: trata-se de um sistema sem fundamentos.

 

Círculo vicioso

Alguém poderá contestar: Allan Kardec não apresenta os ensinamentos do espiritismo como coisa própria, mas como revelações dos Espíritos. Portanto, os próprios Espíritos respondem pela veracidade desta doutrina.

Voltamos às minhas objeções e perguntas:

Quem me assegura a existência destes Espíritos? Allan Kardec.

Quem me responde se tais Espíritos realmente revelaram algo? Allan Kardec.

Quem me certifica que aquilo que me diz Allan Kardec é o mesmo que revelaram os Espíritos, se é que revelaram algo? Allan Kardec.

Quem, finalmente, apresenta-se como fiador da veracidade, da infalibilidade de tais Espíritos? Allan Kardec.

De modo que nunca saímos desta primeira dificuldade: os Espíritos e sua doutrina têm em Allan Kardec seu Editor. E sobre este sujeito, quem responde? Ninguém que saibamos. Obrigado, meus senhores. É o magister dixit dos antigos pitagóricos, ou aquele outro do povo espanhol: Lo dijo Blas y punto redondo.

Até agora, como se vê, não saímos do lugar: ou seja, do fundamento racional do espiritismo. O autor não se dá o trabalho de indicar-nos, nem seus adversários puderam dar-se com ele, apesar de termos nos dado o trabalho de buscá-lo, página por página, em suas obras.

 

Testemunhos suspeitos

Aumenta a dificuldade se atentarmos para o seguinte. Segundo o ensinamento espírita, os Espíritos dividem-se em superiores e inferiores. Aqueles são sérios, formais e, amigos da verdade e do bem, comprazem-se em manifestá-la e fomentá-la. Estes são travessos, burlões, gostam de ludibriar o próximo, enganá-lo, induzi-lo ao erro e ao mal, valendo-se para isto de nomes suspeitos.

Pois bem, e aqui intervenho eu: ainda que seja realidade o ensinamento dos Espíritos e esteja assegurado por seu testemunho, em boa filosofia, este testemunho não tem nenhum valor ou ao menos é muito suspeito. Quem me assegura que esta ou aquela revelação provenha de um Espírito sério e veraz, e não de um brincalhão e embusteiro? Não adianta perguntar o seu nome. O mesmo Allan Kardec confessa que os inferiores ou maus se apresentam às vezes com nomes falsos para mais facilmente enganar.

Não me resta, pois, meio algum de assegurar a procedência fiel ou infiel, veraz ou mentirosa, de uma revelação espírita.

O inocente do Allan Kardec, para não dizer o bobo, diz que é muito fácil distinguir estes Espíritos por sua linguagem e seu ar formal. Porém, se podem eles simular um nome, não poderão do mesmo modo dissimular uma linguagem e uma formalidade a seu modo? Acrescenta ele que se conhece também se um Espírito pertence à classe dos bons ou dos maus pelo tipo de doutrina que ensina: o bom, ensina doutrinas boas, o mau, doutrinas más. Vê-se que o doutor espírita não é forte em lógica. Se fosse, veria que cai num círculo vicioso dos mais grosseiros. Diz que os Espíritos respondem pela verdade da doutrina, e logo quer que seja pela verdade ou bondade da doutrina que conheçamos a bondade ou reta intenção do Espírito que a comunica. Sejamos francos, Sr. Allan, a quem o senhor quer enganar com isso? Respondem os Espíritos pela doutrina, ou é a doutrina que responde pelos Espíritos? Quem abona a quem? Creio que é o senhor que abona a ambos. O senso comum, a boa filosofia, a retidão de critérios exigem uma garantia sólida. O senhor não a apresenta nas suas obras? Volta-se sempre ao mesmo lugar? Logo não a possui.

 

Contradições palpáveis

Não é este o único inconveniente da doutrina espírita, ainda que, por si só bastaria para desmenti-la. A doutrina espírita é ainda contraditória. E o contraditório não é verdadeiro.

Ouçam. Deus, diz ele, é justo e bom. Tomem nota desta declaração.

Deus criou os Espíritos. Tomem também nota desta segunda.

Dos Espíritos, uns são bons ou puros por sua natureza, outros são, por sua natureza, impuros ou perversos. Anotem esta terceira.

Juntemos agora estes dados e raciocinemos.

Diz ele que Deus é bom e, não obstante, afirma que criou Espíritos maus por sua natureza.

Consequência: logo Deus é o autor de coisas más por sua natureza. Logo, Deus é a origem do mau. Logo, Deus é mau. Logo Deus é bom e mau. Logo a doutrina espírita é contraditória. Logo não é verdadeira.

Que falta podem encontrar neste raciocínio, tirado, como o fio de um novelo, de suas próprias declarações?

Já sei o que vão responder. — Também o Catolicismo ensina a existência de Espíritos malignos e ensina que foram criados por Deus que é o sumo Bem.

Não é bem assim, meu amigo: foram criados por Deus, porém não em estado de perversidade. Fizeram-se maus, não foram criados assim. São maus por culpa, não por natureza. A Igreja ensina que uma porção de anjos bons se rebelaram contra Deus, presumindo de si com soberba, e foram castigos por Ele com tormentos eternos. Assim, a maldade dos demônios nada prova contra a bondade de Deus, assim como a perversidade do ladrão nada prova contra a bondade da justiça que o castiga, antes a confirma.

Os senhores admitem que é assim? Certamente não. Declaram que há Espíritos maus por sua natureza e que foram criados assim pelo bom Deus. Ou seja, responsabilizam a esse Deus bom da maldade da sua criatura má. Não é isto uma contradição? Não é apenas uma contradição tola, mas uma blasfêmia brutal.

 

Novidades muito velhas.

Pretende o espiritismo produzir na humanidade não sei quantos progressos. No entanto, no que respeita ao estado futuro das almas, como quem não diz nada, nos traz de volta aos tempos de Pitágoras, alguns séculos antes de Jesus Cristo. Ensinam os autores espíritas que a alma humana é um Espírito encarnado num corpo, que vem a ser como que o seu invólucro. Até aqui muito bem. Porém, não dizem, com o Catolicismo, que cada Espírito possui seu corpo próprio, para o qual foi criado por Deus, sendo inseparável a existência de um da existência do outro, de sorte que tal corpo foi formado unicamente para tal alma, e tal alma unicamente para tal corpo. Não ensinam que a alma e o corpo constituem uma personalidade individual própria e exclusiva. Dizem, isso sim, que as almas possuem uma existência independente anterior aos corpos, e outra existência também independente posterior a eles. O corpo para a alma não vem a ser, desse modo, mais que uma espécie de casa alugada que a alma passa a ocupar por algum tempo, mudando-se depois para outro domicílio. Desta sorte, minha alma não é minha alma, própria e exclusivamente minha, mas a alma que agora eu tenho, que cem anos atrás outro teve, e que daqui a dois séculos terá habitado pelo menos meia dúzia de outros corpos. A isto o espiritismo chama de reencarnação, e diz que tais reencarnações sucessivas são indefinidas. Quantas vezes andará mudando de corpos, como de roupas, este desafortunado Espírito? Ninguém o sabe, nem mesmo os espíritas. Porém, certo é, segundo eles, e devem saber de fonte privilegiada (ainda que não provem), certo é que o Espírito que há quinze séculos foi Santo Agostinho, doze séculos depois foi talvez Lutero e um século atrás foi talvez Luís XVI, e hoje é talvez Bismarck, Garibaldi ou Pio IX. O leitor que agora me lê, desgraçado mortal, foi talvez um dia Alexandre, Santa Teresa, e será talvez dentro de quarenta anos bailarina de can-can por mais duro que isto lhe pareça. Ninguém está certo do que seu Espírito foi nem do que poderá ser. Isso é o que ensina o espiritismo (sem prová-lo, bem entendido). Pode refutar-se esta teoria seriamente? Não é uma vergonha que em nosso século se apresente como novidade a metempsicose ou a transmigração das almas, que já havia caído de velha antes de Jesus Cristo, sem necessidade de ninguém para refutá-la?

A doutrina católica ensina que cada alma é criada por Deus para cada corpo ao formar-se este no seio da sua mãe. Vive unida com ele formando uma personalidade própria, independente e exclusiva. Ao separar-se dele pela morte, não se separa moralmente, sua ausência é puramente temporal e material. A alma no céu, ou no inferno, ou no purgatório, continua sendo a alma de tal corpo, e espera reunir-se a ele na ressurreição universal. E depois desta ressurreição, unidos já inseparavelmente o corpo e a alma, viverão juntos eterna vida de felicidade ou de tormentos, para que juntos sejam premiados ou castigados, já que juntos foram bons ou maus. Esta é a doutrina da fé cristã. Não é também a da sã razão e do bom senso?

 

Materialismo disfarçado

Nas obras espíritas, encontramos a cada passo alardes presunçosos de guerra ao materialismo, gloriando-se o espiritismo de ser aquele que há de derrotar este grosseiro inimigo dos bons costumes. O espiritismo, dizem, destruirá o materialismo, avivando a crença na alma e em sua imortalidade. Não lhes dêem crédito. O espiritismo é um materialismo disfarçado. Ouve, leitor. Comparemo-los.

O materialismo nega a realidade da vida futura para o homem, professando a destruição definitiva e completa da personalidade humana no sepulcro. O espiritismo diz o mesmo. Admite, é bem verdade, uma vida ulterior, mas não para a personalidade humana, e sim para um espírito que animou distintas personalidades. Segundo a doutrina espírita, a existência do homem, enquanto tal homem, João, Pedro, Antônio, termina aqui na terra; o que sobrevive já não é o indivíduo tal ou qual viveu neste mundo e que assumiu nele sua responsabilidade. Não, para a personalidade humana, individual e concreta, não existe nada depois da tumba; o espírito, desligado de todo laço, deixará de ser a alma de tal homem para passar ao estado de espírito errante — assim dizem eles — ou reencarnar-se em outro corpo para começar uma existência inteiramente nova, distinta e independente da anterior. Se o espiritismo é verdade, a minha existência, a do homem que tem o meu nome, a do ser que realizou aqui o bem ou o mal, fica completa, absoluta e definitivamente encerrada no sepulcro. Caio, portanto, na mesma, na mesmíssima consequência a que me conduz o materialismo. É claro, tanto dá supor que não tenho alma, do que supor que aquela que  tenho não é própria, exclusiva e independentemente minha.

 

Absurdos degradantes

Além disso, o espiritismo apóia outro absurdo como doutrina formal que bastaria por si só para que seja condenado no tribunal de todos os homens honrados e imparciais. O espiritismo nega a liberdade moral do homem e, por conseguinte, a responsabilidade de suas ações. Segundo sua teoria, “o homem de bem é a encarnação de um espírito bom, o homem perverso a encarnação de um espírito impuro”. Magnífico! De acordo com este princípio, o homem não é livre de escolher o bem ou o mal. Há de ser homem de bem necessariamente, se lhe coube por sorte um espírito bom; será necessariamente perverso se lhe coube por acaso um espírito mau. Veja que dissemos “necessariamente”. E tão desatinada doutrina pretende restaurar a moral no mundo! Que é a moral? Que é a virtude? A prática livre do bem. Que é o vício? A prática livre do mau. O bem, se não é livre, não é bem; o mau, se não é livre, não é mau. O homem que forçosamente faça o bem, deixa de ser bom; o homem que forçosamente faça o mau, deixa de ser criminoso. Segundo a doutrina espírita, não se conhece já no mundo a divisão dos homens em inocentes e culpados. Somente existirão os felizes e os desgraçados. Felizes os que alcançaram o espírito bom, desgraçados os que alcançaram o espírito mau. Deus é o culpado de tudo, pois criou espíritos inferiores dotados de instintos maus; o homem é um infeliz que pode atribuir tudo ao espírito que, de modo necessário, o induz ao bem ou ao mal. É exatamente o que dizia Calvino; um cavalo dócil montado por um bom cavaleiro. Se é Deus que o monta, anda bem, se é o diabo que o monta, anda mal. E assim como o responsável não é o cavalo senão o cavaleiro, resultará também que, de suas ações, o homem não será o responsável e sim o espírito perverso, ou Deus que lho deu.

É ímpia, portanto, esta doutrina, porque atribui a Deus a origem do mau; é irreligiosa, porque suprime a liberdade humana, que é o dogma de toda religião; é anti-filosófica porque contradiz os princípios mais evidentes de toda filosofia sobre o livre arbítrio; é imoral porque, negando a responsabilidade humana, nega a moralidade intrínseca das ações.

 

Conseqüências anti-sociais

Há mais, porém: o espiritismo é anti-social. Não é difícil demonstrá-lo de modo conclusivo. A justiça e a autoridade são atributos essenciais da sociedade. E são atributos essenciais da justiça e da autoridade ditar leis, obrigar os cidadãos à sua observância e impôr penalidades aos infratores. Pergunto eu: admitida a teoria espírita, podem existir leis? Para que legislar, se o homem, como vimos, não é livre para observá-las ou deixar de observá-las, mas tem de seguir forçosamente a direção que lhe imprime o espírito bom ou mau que o anima? Para que impôr castigos se o homem não é culpado da infração? Para que castigar o pobre ladrão? Tem ele culpa de que lhe tenha cabido por acaso um espírito perverso que o induz a se apoderar do alheio? Dada a doutrina espírita, a lei é um absurdo, porque não tem razão de ser; o castigo é um crime, porque não há responsabilidade moral daquele que se castiga.

Os mesmos espíritas não podem induzir-nos a abraçar o espiritismo com o temor dos castigos de Deus. Porque se Deus me deu um espírito de ordem inferior, inimigo da verdade e afeiçoado a velhacarias, não poderá castigar-me pelos mau feitos deste espírito que, no fim das contas, se porta em mim assim como é e como Deus o criou. Castigue-se Deus a si mesmo, pois é Ele o autor da minha culpa! Conseqüência horrível! Horrível, porém lógica e necessária. Estando postos os princípios do espiritismo, é forçoso chegar até aqui. Veja-se se há espírita ou espírito que nos tire deste atoleiro. 

 

Resumo

Resulta deste breve exame da doutrina espírita, considerada em suas bases fundamentais, o seu caráter antifilosófico na ordem da razão, ímpio e blasfemo na ordem da fé. Não quis acudir aos argumentos que esta última poderia proporcionar-me, pois não quero que se diga de mim que me oponho ao espiritismo pela única razão de não ser católico, embora ele já comece sua campanha gloriando-se de ser inimigo da Igreja. Ademais, não precisaria acudir a esta classe de reflexões para convencer os corações já vencidos à fé cristã, e para os não vencidos seriam de pouca importância. A razão é suficiente para demolir todos os despropósitos de Allan Kardec e seus prosélitos. Seu sistema, se é que pode se chamar de sistema, não resiste à mais ligeira análise, e aqui não será muito sagaz o que se deixe seduzir por tão desatinada teoria. Isto pelo que toca à primeira parte, ou seja, à relativa às doutrinas espíritas. Em quanto à segunda, ou seja, às operações ou práticas espíritas, esse é outro cantar.

 

SEGUNDA SEÇÃO: AS PRÁTICAS ESPÍRITAS

 

Observação preliminar

Podem ser santas e salutares as práticas fundadas numa doutrina absurda, ímpia, imoral e anti-social como é o caso da doutrina espírita, como acabamos de ver? É claro que não. A prática é um reflexo da teoria, é a mesma teoria em ação, aplicada, concretizada, por assim dizer. Ora, se uma doutrina é absurda, ímpia, imoral e anti-social, a prática fundada nesta doutrina, e que não é senão sua aplicação, deve, forçosamente, ser também absurda, ímpia, imoral e anti-social.

Eis aqui um raciocínio claro e conclusivo cuja força inegável condena em primeira instância, por assim dizer, os procedimentos espíritas, sejam quais forem. Não necessito classificá-los, nem investigar sua origem ou resultados. Basta-me saber se são a aplicação prática das doutrinas já julgadas. Elas o são, confessam os espíritas. Logo, perversas são suas operações sejam quais forem, como são perversas as suas doutrinas. Não se sai desse beco sem saída, a não ser que se prove que as doutrinas são razoáveis e verdadeiras, o que é impossível e até agora não o tentou Allan Kardec ou seus discípulos.

Porém, não me basta esta refutação e condenação cabal. Quero examinar minuciosamente cada uma das peças do processo, a fim de que nunca se possa pôr em dúvida minha boa fé. Nesta segunda seção devemos pôr às claras as seguintes questões: Quais são as práticas mais comuns do espiritismo? São realidade ou fraude? No primeiro caso, que juízo o homem imparcial deve fazer sobre sua origem e tendências? 

 

Fenômenos espiritas

Quais são as práticas mais comuns do espiritismo? O espiritismo não se contenta com dogmatizar; suas práticas misteriosas, mais do que sua absurdíssima doutrina, são as que seduzem os incautos e amigos de novidades. O espiritismo oferece duas séries de fenômenos: uma que chamaremos manifestações dos Espíritos, outra que chamaremos comunicações, ou melhor, revelações. Segundo o espiritismo, os Espíritos podem dar prova de sua presença por meio de atos perceptíveis aos sentidos, ou pôr-se também em comunicação com os homens por meio de inspirações internas ou de revelações externas. Segundo o espiritismo, a presença do espírito ou de espíritos numa reunião costuma manifestar-se por meio dos fenômenos seguintes: 1o. Força oculta que move, levanta e detém os corpos pesados de um modo inteiramente contrário às leis mais certas da natureza; 2o. Resplendores vários produzidos em aposentos escuros, sem que haja nada que os ocasione; 3o. Rumores e sons de toda espécie, desde o mais tênue estalido no ar, até o profundo estampido do trovão e, por vezes, também sons harmoniosos de instrumentos ou cantos de vozes suavíssimas, sem que nada possa ter-lhes originado; 4o. Desordem dos atos orgânicos e espirituais, tais como a rigidez imprevista dos membros, respiração interrompida, sensações suspendidas, percepções incertas, liberdade limitada. Isto quanto às simples manifestações.

Quanto às comunicações, devem-se distinguir, segundo os espíritas, quatro categorias de pessoas que são aptas para recebê-las. Porque é preciso notar que para isso nem todo mundo serve. Há certas pessoas dotadas deste poder de servir de intérprete ou mediador entre os espíritos invisíveis e o homem; tais mediadores se chamam médiuns e a qualidade destes tais se chama mediunidade. Há, em seguida, quatro classes de médiuns: 1a. Os ouvintes, que escutam os espíritos e falam com eles na linguagem ordinária. É a classe superior; 2a. Os videntes, que os vêem em forma humana, aérea e vaporosa e, por vezes, corporal; 3a. Os escreventes, que traçam sob o impulso dos espíritos caracteres involuntários sobre o papel; 4a. Os intérpretes de golpes e movimentos convencionais, que advinham por meio deles a revelação do espírito.

As operações espíritas reduzem-se, pois, a duas: manifestações e revelações. A cura de certas enfermidades por meio do espiritismo pertence à segunda classe de operações, pois se reduz a obter por revelação notícia certa da doença do paciente e do remédio oportuno.

 

Realidade destes fenômenos

Pois bem, seja franco de uma vez por todas e fale com clareza. Isso realmente ocorre nas reuniões espíritas? Não é pura prestidigitação para enganar os bobos? Tais manifestações e revelações existem? Diga, porque estou com o coração na mão.

— Sim, leitor católico e honrado, sim; sim, repito, há isto e muito mais. Em alguns casos pode ocorrer que um médium engane aos circunstantes com revelações tiradas da sua própria imaginação. Porém, que no fundo do espiritismo realmente existem manifestações e revelações de ordem sobrenatural, não posso nem devo negá-lo, e quisera que todos católicos cressem comigo, como os mais ilustres crêem e como a própria Igreja crê.

— Pois então, já que admite a verdade das suas práticas, o espiritismo ganhou a partida!

— Alto lá! Admiti a sua realidade, não sua verdade. Admiti que realmente há algo de muito misterioso e sobrenatural no espiritismo; não disse porém que este algo seja verdadeiramente o que os espíritas pretendem que seja.

— É difícil segui-lo neste ponto. Creio que leva a sério o que não passa de chistes e gracejos de homens engenhosos e de mão habilidosas.

—  Pouco te influenciará o fato de eu sustentar esta ou aquela opinião no tocante a este assunto. Compreendo bem. Não obstante, você se impressionará de que os homens mais ilustres e sábios da Europa creiam na realidade - não na verdade - das práticas do espiritismo.

Desde que os primeiros fenômenos desta natureza começaram a chamar a atenção, há pouco menos de um século, eles foram detidamente examinados pelos homens mais competentes nas ciências e na religião. As academias submeteram ao crisol da crítica mais severa as operações indicadas, e todas concordaram de que não se trata de prestidigitação nem de pantomima o que o espiritismo oferece aos seus adeptos. Quer ouvir as razões em que se funda o sábio autor da obra O espiritismo no mundo moderno? Ouça-as, pois:

1o. Longa duração do espiritismo. Há menos noventa anos as práticas espíritas vem sendo exercidas na Europa e na América, de início de modo mais reservado, em seguida com maior publicidade. A trapaça de um vigarista, a ilusão de um público surpreso não resiste a tal ponto à prova do tempo e à livre controvérsia.

2o. Exame dos sábios. Mais de duas mil obras foram dadas à luz desde então, seja a favor, seja contra o espiritismo. Nelas discute-se, já não a realidade dos fenômenos, mas a sua origem. É possível que haja alucinação ou credulidade infantil em número tão grande de testemunhas? Ouçamos o autor citado:

“O que mais importa considerar é a qualidade dos escritores que, com seu assentimento, confirmaram a realidade destes fenômenos. Homens eminentes nas ciências, das quais constituem verdadeiras glórias, acostumados a verificar cada palavra, a discutir cada princípio, a fazer, por assim dizer, a anatomia de cada fato, homens insuspeitos de imaginação febril, dotados de um engenho discretíssimo, todos os que em tão longo espaço de tempo se dedicaram às ciências físicas, racionais e morais, todos quiseram familiarizar-se com as maravilhosas novidades que lhe eram narradas, e formularam seu parecer sobre os fatos e suas causas. Os Faraday, os Cuvier, os Laplace, os Hufeland, os Franklin, os Berzelius, os Orfila, os Browsais, os Arago, os Panizza, os Malfatti, os Orioli, os Recamier, os Gioffroy, os Claproth, os Hernostaedt, os Husson, os Babinet, os Lavater, os De Jussieu, os Gregory, os Elliotson, ou seja, a flor e nata dos astrônomos, físicos, químicos e médicos de nossos tempos, e com eles tantos outros que, pelo que valem nas suas ciências, podem ser contados ao lado deles, todos eles, dizíamos, reconheceram solenemente a realidade dos fatos mais extraordinários do magnetismo e do espiritismo.”

3o. Exame e juízo da Igreja. “Nomearemos, diz o autor citado, o eminentíssimo senhor Cardeal Gousset, Mons. Sibour, arcebispo de Paris, o ilustre Pe. Ventura, os clérigos Teatinos, o Pe. Caroli, dos Menores conventuais, os padres Gury, Pianciani e Pailloux, da Companhia de Jesus, o Pe. Tizzani, dos cônegos regulares lateranenses, os abades Guillois, Maupied, Caupert, Sorignet, Monticelli e Alimonda. Todos eles estão de acordo em sua crítica teológica com os sábios antes referidos; todos aceitam, e muitas vezes demonstram, por meio de rigorosos raciocínios, a existência efetiva, para além de qualquer dúvida, daqueles fenômenos. Esta harmonia é muito digna de ser notada, visto que se tratam de homens cujos sistemas, opiniões, sentenças, não apenas se diferenciam, mas que muitas vezes se combatem e mesmo se excluem”.

E se eu quisesse acrescentar uma única palavra a uma citação de tão grande importância, diria apenas que defendem a realidade dos fenômenos espíritas os doutíssimos redatores da Civiltà cattolica, a principal revista católica do mundo, publicada em Roma sob a influência do Romano Pontífice, encomendada aos mais insignes talentos da Companhia de Jesus. Querem autoridade de peso maior?

Assim, tenho por indubitável a realidade do que os espíritas apresentam como manifestações e revelações dos espíritos. Poderá eventualmente haver farsa, no entanto, há continuamente, para não dizer quase sempre, realidades horríveis. 

 

Então, o senhor é espírita?

Então, o senhor é espírita? Devemos crer no espiritismo? Eis aqui as perguntas com que me interpelarão grande parte dos meus leitores. Se o senhor confessa a realidade dos fenômenos do espiritismo, este já ganhou o debate.

Não, querido leitor, não; não sou espírita, nem creio no espiritismo, nem julgo que esta seita imunda tenha ganho a partida, por mais que se conceda na realidade de suas operações. Antes, penso que o que mais deveria nos afastar do espiritismo, e o que mais o condena, é precisamente a espantosa realidade de seus mistérios. Porém, como observo que o leitor duvida, e que não logrei levar ao seu espírito a convicção de que sejam reais as manifestações espíritas, vou colocar a questão de modo que o espiritismo saia sempre refutado de modo definitivo. Escute-me bem, e grave esta página na sua memória; ela será bastante para calar a boca de qualquer espírita. 

São farsa ou realidade as manifestações e revelações espíritas?

Se são farsa, já não há razão para que nos ocupemos em refutá-las; serão mera prestidigitação, como outra qualquer.

Se são realidade, como creio, ou são uma realidade que provêm de Deus ou não são.

É claro que não provêm de Deus; não podem provir de Deus as doutrinas absurdas que acabamos de citar; não pode vir de Deus uma doutrina que o torna origem do mal, que destrói a liberdade humana, a responsabilidade e, por conseguinte, a moralidade das ações humanas; que solapa na sua base a ordem social fundada na lei e na justiça. Não pode ser de Deus o que conduz diretamente ao fatalismo e à negação da outra vida, sob o pretexto de explicá-las. Não pode ser de Deus o ridículo, o absurdo, o imoral e o anti-social. A doutrina em que se fundam as práticas espíritas é tudo isso; logo, elas não procedem de Deus. Desafio a todos os seus adeptos que desatem este nó.

Logo, as operações espíritas não são obra de Deus. Logo, são obra de algum outro ser que tenha poder bastante para produzi-las. Ora, segundo o Cristianismo, não há outro que tenha este poder senão o espírito maligno; logo, as operações espíritas são obra clara do espírito maligno ou do demônio. O raciocínio não saberia ser mais conclusivo.

Em resumo. As operações espíritas pertencem a uma ordem sobrenatural, pelo que confessam seus sectários e os sábios que as examinaram.

Só dois podem ser os autores das operações sobrenaturais: Deus, com seu poder absoluto, e o demônio, com seu poder limitado, porém sempre muito grande.

As razões acima aduzidas demonstram que as operações espíritas não podem ser obra de Deus. 

Consequência infalível: logo, são obra do diabo.

 

O diabo e suas obras

Não serão poucos os incautos que soltem gargalhada ao ouvir-me pronunciar esta palavra em alto e bom som. Os incrédulos decididos me chamarão de fanático; certa categoria de católicos, a seu modo, contentar-se-á com apodar-me de demasiado crédulo. Não me dirigirei aos primeiros; seria ridículo que eu me empenhasse em fazer crer no diabo os que se recusam a crer em Jesus Cristo. Vou diretamente aos segundos, que os tenho por inimigos mais perigosos.

A existência do diabo, ou seja, de um espírito superior que, seguido de outros, rebelou-se contra Deus e foi condenado por ele ao fogo eterno, donde lhe é permitido continuar exercendo contra Deus e contra nós a sua rebeldia, é um dogma da fé católica. A doutrina católica ensina, além da existência do diabo, sua intervenção constante nos nossos assuntos para induzir-nos ao erro e ao pecado, em ódio contra Deus e contra nossas almas. E a Igreja insiste nesta intervenção real, efetiva e cotidiana do demônio em nossos assuntos, a ponto de preparar um ritual com uma porção de exorcismos para esconjurá-lo em casos determinados. Mesmo em muitos casos puramente naturais, admite a Igreja a possibilidade da intervenção diabólica, por exemplo, em tempestades, doenças etc, etc. Esta crença no diabo e em seu poder, permitido e limitado por Deus, esta crença na sua intervenção prática e ordinária em muitos lances da nossa vida, pertence à doutrina católica e somente um pedantismo ou um total desconhecimento das ciências teológicas ou, o que é mais frequente, certo princípio de incredulidade, podem induzir muitos católicos a considerá-lo como superstição de mulheres.

Com isso sucede algo de muito lamentável. Há uma sorte de católicos (não sei porque se dizem católicos) que se acostumaram a considerar o demônio como um personagem espirituoso de comédia, sempre pronto para  maquinações de bastidores, e a despertar o riso dos espectadores com chistes e gracejos de arlequim. Sei que esta tradição dramática data dos primórdios do nosso teatro nacional, e se encontra em todos nossos autos sacramentais, mas nem por isso justifico-a. Não, por Deus, o espírito maligno é coisa muito séria para servir de boneco de diversão para meninos grandes, que necessitam divertir-se com bobagens; o desventurado que lançou o primeiro grito de apostasia contra Deus, e que desde então lidera a guerra eterna que se faz desde aqui embaixo contra Ele e sua representante, a Igreja, não deve ser o polichinelo de nossos dramas.

O resultado disto é que o diabo e tudo quanto se refira às suas operações, não seja, para tais católicos-a-seu-modo, mais do que uma mitologia de mais ou menos bom gosto, um recurso épico ou dramático para introduzir o fantástico num poema; não é um fato real, vivente, no meio de nós e, sobretudo, de uma influência eficaz e positiva, tanto quanto a do sol, das estrelas e das demais criaturas que povoam o universo. Em muitas almas católicas há um grande fundo de incredulidade. A maldita mania de simular luzes e despreocupação, o néscio desdém pelas doutrinas antigas, pelo mero fato de não serem novas, o afã de distinguir-se do assim chamado ranço da escola, deram margem a tudo isso. 

A crença no diabo e nas suas operações, mesmo na ordem natural, pertence, contudo, à doutrina católica, e não se pode negar a uma sem apartar-se da outra. Porém, se dermos mais um passo, veremos que pertence também à realidade histórica, nisto como em tudo conforme os ensinamentos da teologia.

Por despreocupados que sejam, tendes de admitir um fato na história que a enche toda: é a magia. Novamente voltaram a se rir alguns dos meus leitores, eu o sei, porém sigo adiante. A magia é um fato histórico que aparece desde os primórdios do gênero humano até hoje em dia, em todos os pontos em que não reina o conhecimento do verdadeiro Deus. Não existe povo algum da antiguidade sem magia, fora do povo do verdadeiro Deus; os filósofos mais eminentes, os mais brilhantes poetas, os grandes capitães e governantes, em nações tão sábias como o Egito, tão cultas como a Grécia ou tão positivistas como Roma, dão-nos testemunho constante da realidade da magia. A magia constitui o fundo de todos os cultos idolátricos no mundo antigo. E agora temos de acrescentar que as explorações dos missionários a encontram em todas as nações modernas não iluminadas pelo Evangelho. É conhecida a importância que tinha a magia no México e no Peru, quando os espanhóis descobriram estes países. Nossos historiadores, e Solís em particular, que não será chamado de obscurantista, contam coisas admiráveis daqueles mistérios. Na China e na Índia, ainda é muito freqüente o uso da magia nas ocasiões mais ordinárias da vida. Pode-se, numa palavra, estabelecer como lei histórica que a magia encheu o mundo em todas as partes em que não chegou a verdadeira Religião, do mesmo modo que a obscuridade cobre os pontos onde não chega a influência benfazeja dos raios solares. E pode fixar-se como corolário outra lei análoga. A magia foi desaparecendo na medida em que se expandia a verdadeira fé, como as trevas se retiram à medida em que os raios do sol avançam.

À luz da filosofia católica esta lei tem uma explicação claríssima. O mundo pelo pecado original é patrimônio de Satanás, é o seu altar, e o homem, seu escravo e sua vítima. A misericórdia de Deus resolveu livrar a linhagem humana e reconquistar de certo modo para si o que o inferno havia invadido. A história do mundo é, pois, a história de uma grande luta entre Deus e o demônio; ambos têm um exército nele, têm seus povos, cultos estabelecidos etc. Por isto, diante do altar de Deus levanta-se, em todos os tempos, o altar do ídolo; diante da cátedra da verdade levanta-se a cátedra do erro. Por isto, o demônio não cede sem resistência suas conquistas a Deus, mas luta com Ele, quer pela força, derramando o sangue de seus discípulos, quer pela astúcia, seduzindo-os e pervertendo-os. Por isto, segundo a frase tão bonita de Santo Agostinho, o demônio fez-se como o macaco de Deus, simia Dei, usurpando o seu culto, contrafazendo seus milagres, falsificando seus mistérios, chegando ao ponto de estabelecer no mundo uma ordem sobrenatural satânica à imitação ou em contraposição da ordem sobrenatural divina. Por isto, se Moisés realiza maravilhas diante do Faraó em nome de Deus, apresentam-se magos para também realizá-las em nome de seus ídolos; por isto, se Israel tem profetas que, iluminados pelo Espírito Santo, anunciam o porvir, as nações gentias têm arúspices, agoureiros e pitonisas, que por inspiração diabólica produzem efeitos parecidos. Por isso, se os apóstolos fazem prodígios em nome de Cristo, Simão Mago tem poder para elevar-se pelos ares valendo-se de suas feitiçarias. Assim, a magia sempre reina e domina onde o Cristianismo não reina, e se encontra em estado latente, disfarçada, encoberta, porém sempre insidiosa, lá onde é esmagada pela influência salutar da cruz. Por isto, quando de algum modo se perde a influência salutar da cruz, devido aos progressos da incredulidade, a arte diabólica recupera seus brios e ressurge como dominante. É o dualismo de todos os séculos. Não como o imaginaram os maniqueus, supondo dois princípios absolutos ou independentes, um do bem, outro do mau. Mas como o ensina o Catolicismo, dando-nos a conhecer um espírito rebelde que, embora castigado, tem ainda a permissão de Deus para continuar hostilizando os seus, para dar-lhes ocasião de merecimento. É o dualismo que reflete seus resplendores, ora celestiais, ora sinistros, em toda a história; é a grande luta iniciada no Paraíso terrenal e antes ainda, nos céus, luta que terminará no final dos séculos com o Anticristo. É o demônio revoltando-se contra Deus. Sua religião, sua ordem sobrenatural, falsificação da verdadeira, seu culto, seus mistérios e seus prodígios são a magia, atestada pelas Escrituras, pela teologia e pela história em todos os séculos passados; e no presente, são o espiritismo. De onde, resumindo tudo que falamos aqui, podemos assentar esta fórmula: O espiritismo é a magia do século dezenove.   

 

Explicações históricas

Falar de magia no século dezenove! Não teme o ridículo com tais suposições?

Não, desconhecido leitor; não, o orgulho por nossos progressos materiais, bons e santos em si mesmos, o ruído das nossas máquinas, a velocidade de nossos trens, os portentos da eletricidade, a preponderância, talvez excessiva, dada em nossa educação às ciências físicas, por vezes em detrimento dos estudos morais, levou a nos tornarmos todos um pouco materialistas, mesmo sem percebê-lo. Acostumamo-nos demasiadamente às ciências do que se vê, se toca e se cheira; por isto, nossa imaginação desabituada rebela-se ao ouvir falar em fenômenos de uma ordem superior a dos sentidos. Repito, creio no demônio e em suas operações porque sou católico; creio na magia e em sua existência porque sou católico e folheei a história; creio sem vacilar que o espiritismo atual é a magia de sobrecasaca, terno e cartola, como dizia um amigo bem-humorado.

A identidade entre o espiritismo moderno e a magia antiga não pode ser mais visível. É reconhecida por vários autores espíritas que consideram a magia antiga como um espiritismo pouco desenvolvido ou em estado de atraso. Logo, segundo seu próprio testemunho, o espiritismo de hoje é a magia aperfeiçoada, desenvolvida, vestida com os trajes do nosso século.

Traçar um paralelo entre as operações mágicas de todos os séculos e as práticas espiritas do nosso seria tarefa assaz prolixa para ser empreendida num opúsculo desta natureza. O leitor que queira dedicar-se a um estudo mais extenso e profundo o encontrará admiravelmente preparado na obra que mencionei no princípio e na outra de Pailloux, Le magnetisme, le spiritisme et la possession. Bastará apenas indicar aqui três idéias que são, a meu modo de ver, fundamentais para provar a identidade do espiritismo moderno e da magia antiga.

1o. Ambos fundam-se na crença de um mundo de espíritos familiares ao homem, distintos dos que admite o Catolicismo.

2o. Ambos têm por objetos principais a cura de certa enfermidade, a descoberta do porvir e a evocação dos mortos.

3o. Ambos se valem de procedimentos análogos.

Acerca deste ponto poderia surgir alguma dúvida; por isso mesmo será bom dar aqui novas explicações. Permita-me novamente fazer uma longa citação sobre este ponto. Falam novamente os ilustres redatores de Civiltà cattolica:

 

“Não há fenômeno que o espiritismo se atribua como produto próprio que não seja velho no mundo. Vejamos, discorrendo sobre alguns dos principais.

“A história do espiritismo moderno começa com o sonho artificial do magnetismo. Neste sonho o magnetizado descobre mil coisas nunca dantes sabidas e responde até mesmo às perguntas mais difíceis. Ao cessar o sonho, o sonâmbulo de costume nada se lembra do que viu, disse ou fez. Eis agora alguns fatos antigos que podemos comparar com isto. O simples sonho empregado como meio de adivinhação é coisa antiquíssima: deste modo fala Del Rio no seu livro sobre as investigações mágicas: ‘Os pagãos valiam-se de tal método nos templos de Serápis ou Plutão para saber como haviam de livrar-se de enfermidades e para obter a solução de uma dúvida, conforme o fizeram Edésio e o rei Latino em Virgílio, e Apolônio no templo de Esculápio e os magistrados de Esparta no de Pasífae. O templo de Amfiaras e o de Calias no monte Gargano servia para este fim e tinha como os outros o nome de Psicomântico. E o apóstata Juliano caluniou que os cristãos velassem os sepulcros dos mártires como se se tratassem de dormitações advinhatórias, porém São Cirilo o refutou de modo cabal. Que os judeus caíssem também em tal superstição nos testemunha o profeta Isaías...

“Outro fenômeno próprio do espiritismo são os vários golpes, sons, cantos que se escutam sem que apareça a causa que os produz. Estes sons sempre foram tidos por tão próprios da magia que, desde tempos antigos e até desde o dos pagãos, eram tidos como sinais indubitáveis da presença do demônio. Plínio refere-os no monte Atlas e os atribui aos deuses infernais que estabeleceram ali sua mansão. Solino fala deles como de um fato notório a todos, e Saxo, o gramático, coloca entre os indícios próprios para se conhecer a presença do demônio estes sons nos ares. É inútil referir a opinião dos que tratam ex professo de magia, porque todos são concordes neste ponto. Recordemos antes algum caso que, por suas particularidades, mais se assemelhe aos que o espiritismo apresenta. Os missionários que estiveram ou ainda estão na China relatam que é muito freqüente encontrar por lá casas infestadas pelo diabo. Um deles conta de si mesmo que, recebido como hóspede por uma família cristã em Hiang-Po, soube que, não longe de lá, aquela família possuía uma pequena propriedade em bom estado, mas que não era habitada há muitos anos devido à presença obstinada de maus Espíritos que não permitiam a ninguém permanecer nela. O missionário quis transferir-se para lá e, tendo preparado o necessário para passar a noite, empregou o resto daquele dia em visitá-la toda, de uma parte a outra, a fim de assegurar-se de que não havia arte ou fraude de algum mal intencionado. Nada viu nem ouviu, com o que, melhor disposto ainda do que quando chegara, foi repousar tranqüilamente ao cair da noite. Do mais profundo dela, um forte fragor, como de uma viga que rompe e quebra de repente devido a um grande peso, o faz estremecer. Salta de pé e, tomando uma luz, percorre diligentemente o lugar de onde aquele estampido procedeu, mas encontra tudo tranquilo e em seu lugar. Põe-se então a rezar o breviário; porém, em poucos minutos escuta batidas repetidas na parede que está à sua frente, a que correspondem, mais nítidos, golpes na do lado; por muito que fizessem, tanto ele como um criado que lhe fazia companhia, não puderam descobrir nenhuma causa visível daquele golpear, que não obstante continuava por certos intervalos, deixando-se ouvir distintamente. Os dois põem-se então a rezar devotadamente a ladainha da Santíssima Vigem e a aspergir com água benta aquelas paredes infestadas, as quais calaram-se. O silêncio, porém, durou pouco. Começaram a ouvir nos aposentos de baixo estalidos de armas, como de quem cruza espada contra espada, e com tal ímpeto, que o braço de um homem não poderia resistir a tão furiosa tempestade de golpes senão por alguns instantes. Àquele choque de armas, que desvaneceu após longa briga, sucederam tristes lamentos, como de gente ferida; e, sem embargo, os mesmos que desceram àqueles aposentos e que ouviram junto a si tão grande estrépito não viram nada ou, para dizer melhor, viram que estava tudo quieto e em ordem. Assim, passaram a noite que lhes pareceu longuíssima e mais que suficiente para que o missionário se certificasse da realidade da infestação diabólica, razão pela qual, conseguindo para isto permissão de seu superior eclesiástico, empregou os exorcismos da Igreja, e a casa ficou livre do espírito maligno.

“Há no espiritismo moderno uma prática especial que logrou atrair, por si só, toda a atenção do mundo, e pode ser o ponto culminante de todos estes novos fenômenos, a saber: as mesas giratórias, ou que se movem por si para dar as respostas desejadas. É isto um fato novo? Certamente não. É a mesa trapezomântica dos antigos pagãos, que Tertuliano recrimina entre outros encantamentos, é a trípode dos oráculos pagãos, desde a qual davam suas respostas às Pitonisas. Poderíamos referir aqui, se tratássemos do ponto mais extensamente, um evento especial que nos mostra como o uso daquelas mesas é, em muitos aspectos, conforme o que faz o espiritismo. O caso sucedeu no tempo do imperador Valenciano, século IV, e é minuciosamente narrado por Amiano Marcelino, conhecido historiador (Rerum gestarum, lib. XXIX, cap. I).”

 

A estes traços de semelhança entre a magia antiga e o espiritismo moderno, traços que indicam um parentesco muito estreito entre ambas as superstições, devemos acrescentar, de certo modo, o que os próprios espíritas confessam. Todo sectário aspira comumente a buscar parentescos na antigüidade, ninguém quer ter existido sem ascendentes. Ora, os espíritas modernos apresentam-se muitas vezes como os aperfeiçoadores das antigas crenças e operações mágicas. Ouçamos o Sr. Cahagnet, citado por Pailloux na sua obra sobre o Espiritismo. “Que me importa, diz o autor espírita, que este ou aquele nigromante hindu ou egípcio tenha o poder de invocar as sombras dos defuntos, de encantar toda uma assembléia, curar alguma doença ou de fazer com que ela acometa alguém? Não tenho eu o mesmo poder de invocar os mortos? Não tenho eu o poder de curar as enfermidades e produzir efeitos maus ou bons nas pessoas a meu bel-prazer? Não posso rejuvenescer, por meio do magnetismo, órgãos debilitados?” E numa série de perguntas, o espírita moderno declara-se dotado de todos os poderes da magia antiga, inclusive de um grande poder sobre a natureza inanimada.

Outro autor espírita, Sr. Potet, fala de modo ainda mais claro. “O magnetismo, diz ele (e é sabido que o espiritismo moderno reconhece o magnetismo animal como uma de suas ramificações), o magnetismo é a magia. A história nos mostra gerações antigas dominadas pela magia e por sortilégios. Os fatos são muito positivos, e deram lugar a freqüentes abusos e a práticas monstruosas. Mas, como eu me deparei com esta arte? Onde eu a aprendi? Nas minhas idéias? Não, na própria natureza que me deu a conhecê-la. Como? Apresentando-se perante os meus olhos, ainda que eu não os buscasse diretamente, fatos reais de magia e sortilégio. Se nas minhas primeiras magnetizações eu não os vislumbrei, foi porque tinha uma venda nos olhos, como muitos magnetizadores ainda a têm. Com efeito, o que é o sonho magnético? Nada mais que um efeito do poder mágico...” E encerra declarando: “Todos os principais caracteres da magia se encontram impressos nos fenômenos atualmente produzidos pelo espiritismo.”

Não sei ao certo que declaração mais explícita poderiam desejar os despreocupados. A mesma definição que o Sr. Potet dá para a magia antiga convém inteiramente à atual crença espírita. “A magia, diz, estava fundada na existência de um mundo de Espíritos mistos (ou seja, com certa subsistência semi-material), que erram ao nosso redor, com os quais, segundo ela, podemos nos comunicar por meio de certos procedimentos práticos.” Ou seja, exatamente o mesmo que ensina o espiritismo. Não é tudo. Acaba de chegar às minhas mãos um folheto de propaganda espírita publicado recentemente em Barcelona, e leio nela o anúncio de uma obra espírita destinada a “demonstrar de maneira evidente, que a origem de todas as religiões está na magia, ou seja, na manifestação dos Espíritos; que a magia jamais foi, nem deve ser considerada hoje outra coisa que uma revelação continuada, altamente favorável à civilização etc, etc” (Roma y el demonio, Revelação III, número IV, pág. 32 imprensa de Manero, Barcelona). É impossível falar mais claramente e de um modo mais competente nesta matéria.

A magia tampouco era patrimônio de todas as pessoas. Algumas apenas tinham o privilégio de obter os resultados apetecidos. O mago era quem se comunicava diretamente com os Espíritos e transmitia aos demais o resultado. Temos o mesmo com o espiritismo. O Espírito não se comunica a todos, necessita o que se chama um médium, um intermediário que não pode ser qualquer um. Pois bem, que se chame ao médium moderno de mago, ou ao mago antigo de médium, e se poderá ver como concordam as funções e o caráter de ambos.

É o que dissemos: o espiritismo é a magia do século dezenove.

 

Aplicações práticas

Assentada esta conclusão, abre-se um largo campo para as aplicações práticas. Tratando com católicos que verdadeiramente o sejam, o problema está resolvido.

O espiritismo é uma realidade? Sim, não há dúvida. É uma realidade diabólica.

Os seus fenômenos são realidade? Podem ser, sem dúvida alguma.

O espiritismo pode invocar defuntos? Não pode; porém, por influência do demônio, é capaz de simular que foram invocados, e dar a ouvir ao consulente a voz de um ser, que muito facilmente figurará como sendo a pessoa invocada.

O espiritismo pode prever o futuro? Pode em muitos casos, isto é, nos casos que dependem da ciência diabólica, que é de extensão e alcance incomparavelmente maior que a dos homens mais sábios e astutos. A conjectura de um sábio pode chegar a parecer verdadeira profecia. A de Satanás, que possui maiores conhecimentos em que apoiá-la, com muito maior razão o pode ser. É doutrina teológica.

O espiritismo pode comunicar o que passa em lugares diferentes e muito distantes? Pode certamente. O demônio não conhece a distância nas suas operações, nem na sua penetração, porque é espírito. Pode, pois, comunicar instantaneamente ao médium o que ocorre a milhares de léguas deste.

Pode o espiritismo dar cabo perfeitamente de enfermidades interiores? Muitas vezes sim, e ainda em casos em que a medicina humana ainda anda às apalpadelas. O demônio conhece o organismo humano e vê suas funções interiores melhor que os mais consumados anatomistas.

Pode prescrever remédios eficazes, mesmo em casos em que a medicina humana é impotente? Pode, pela razão indicada na resposta anterior.

É portanto muito grande o poder do espiritismo? É espantoso. Possui todo o poder do inferno. O mundo seria seu outra vez, como o foi antes do Cristianismo, se não houvesse uma barreira contra a qual pode combater, mas não pode vencer... a Cruz de Cristo plantada no seu centro.

Como se concebe, pois, a extensão que o espiritismo adquire em certas nações? Explica-se logicamente pelo desvio em que elas se encontram com respeito à cruz. Quem se aparta de Cristo, cai por sua própria força em poder do inimigo. O espiritismo surge com furor nas nações incrédulas e heréticas. Assim, seu trono está na França e nos Estados Unidos. Por isto, confio que não deitará raízes em Espanha, onde a fé católica ainda possui raízes muito profundas.

 

TERCEIRA SEÇÃO: REFLEXÕES GERAIS

 

Doutrina da Igreja sobre os Espíritos

A Igreja também crê nos Espíritos, porém não como o espiritismo.

Em primeiro lugar, crê em Deus, Espírito puríssimo, perfeitíssimo, imenso, eterno, princípio e fim de todas as coisas, remunerador dos bons e castigador dos maus. O Catolicismo ensina que podemos comunicar com este Espírito supremo, Deus, por meio da oração e dos santos Sacramentos, e Ele por sua vez conosco, por meio da revelação de seu Unigênito Jesus Cristo, por meio da Igreja, sua representante, pela eficácia que deu aos Sacramentos por Ele instituídos, e pelas inspirações interiores da sua graça.

Também admite o Catolicismo, além deste Espírito incriado, a existência de outros Espíritos criados chamados anjos. Destes, uns se rebelaram contra Deus e foram lançados aos castigos eternos, e são chamados de demônios; outros permaneceram fiéis, e gozam da glória com seu Criador, e se chamam anjos bons. A Igreja ensina que os anjos maus ou demônios têm, por desgraça, muita comunicação com o homem, a quem procuram afastar do bem ou induzir ao mal, o que se chama tentação. O homem, por sua vez, pode entrar em comunicação com o demônio, invocando em sua ajuda este espírito maligno com determinadas condições, o que se chama pacto diabólico. E não é católico nem conhece a história aquele que se ri disto. Ademais, o demônio pode invadir o corpo humano e atormentá-lo, e produzir nele variados fenômenos, que se chamam possessão e obsessão. E seria negar a fé que se deve às santas Escrituras e à mesma história profana colocar em dúvida a possibilidade destas possessões ou obsessões. No que diz respeito aos anjos bons, ensina a Igreja que servem a Deus de mensageiros para com o homem, e de seus intermediários, não a capricho do homem, como querem os espíritas, mas segundo os desígnios de Deus. Assim, o anjo Gabriel foi enviado a Maria, como outro havia sido enviado antes a Abraão etc. Ademais, é de fé que Deus destinou os santos anjos para nossa custódia, de sorte que cada alma humana está guardada invisivelmente por um anjo, que por isto se chama anjo da guarda.

A Igreja ensina finalmente a existência do espírito humano, ou seja, da alma, e esta em quatro estados distintos. 1o. No de peregrinação, ou seja, no estado de sua união atual com o corpo, formando ambos o composto homem. 2o. No de pena eterna no inferno, se o mereceu por suas culpas. 3o. No de pena temporal no purgatório, se trouxe deste mundo algo que se deva e possa purificar. 4o. No de glória eterna no seio de Deus, na posse de sua bem-aventurança. A Igreja ensina que as almas, depois da morte, estão separadas de seu corpo respectivo aguardando, em um dos três últimos estados, a ressurreição do corpo, seu companheiro, para fazê-lo partícipe de sua eterna felicidade ou de sua eterna desventura. A Igreja não admite outro estado qualquer para as almas. Admiti-lo é faltar com a fé católica.

A Igreja ensina, ademais, que há uma comunicação entre nós e as almas do purgatório e as do céu. Quanto às primeiras, podemos ajudá-las a satisfazer com nossas boas obras, cujo mérito se lhes aplica; quanto às segundas, podemos rogar para que intercedam por nós perante o trono de Deus. O primeiro é conhecido pelo nome de sufrágio, o segundo com o de invocação e intercessão dos Santos. Ensina ainda a Igreja que as almas condenadas ou bem-aventuradas estão nas mãos de Deus, e que o homem não têm poder de fazê-las aparecer  a seu bel-prazer. A invocação dos defuntos é, pois, uma superstição culpável, e quando obtida por meio do espiritismo, é puramente fictícia, ou seja, é pura ilusão de Satanás que pode tomar a aparência e linguagem da pessoa invocada. Tais aparições somente Deus as pode ordenar, nunca, contudo, conforme a vontade do homem, senão raramente e pelos secretos propósitos da Providência.

Julguei dever apresentar esta ligeira explicação da doutrina católica sobre os verdadeiros Espíritos, a fim de evitar equívocos funestos. O espiritismo sabe utilizar a linguagem da Igreja, fazendo crer aos ingênuos que sua doutrina nada mais é que um desenvolvimento do catolicismo. Esta simples explicação bastará para que se compreenda quão oposta lhe é.

 

Observação importante

Todas as calamidades que Deus permite no mundo, sejam elas físicas, como a peste, a guerra, a fome etc, sejam morais, como a heresia, a superstição etc, possuem nos admiráveis desígnios de sua Providência seu lado misericordioso. No que toca estas últimas, sobretudo, Deus vê-se como que forçado a permiti-las, desde o momento em que se propôs não tolher o homem no exercício do seu livre arbítrio; é, sem embargo, bastante sábio e poderoso para tirar do próprio mau grandes proveitos. Confio que assim sucederá com o espiritismo.

Esta falsificação do sobrenatural, este culto que se rouba de Deus para ser dado supersticiosamente ao seu inimigo, este laço constantemente estendido para o tropeço da ignorância e da simplicidade dos incautos, é indubitavelmente um mal grave; contudo, nosso século positivista e material pode tirar daí uma lição de incalculável transcendência. Os que negam que exista algo para além do que se vê, escuta e se toca, os que não querem admitir outra existência senão a que se percebe por nossos sentidos, em vista dos fatos do espiritismo, ver-se-ão obrigados a crer que há algo de uma ordem superior e supra-humana, algo invisível e impalpável, que vive em nós e como nós por mais que seja muito distinto de nós. E uma vez forçados pela evidência dos fatos a admitir um mundo espiritual e uma ordem de fenômenos sobrenaturais, ainda que de um gênero mal e com graves falsificações, não lhes será difícil de se convencer da verdade, não do espiritismo imundo e supersticioso, mas do verdadeiro espiritualismo católico, único que, partindo de princípios racionais, oferece um encadeamento de verdades sólidas, nem injuriosas para com Deus, nem degradantes para o homem, como o são as do espiritismo. Do mesmo modo, o misticismo sóbrio e fastidioso dos espíritas, que conduziu tantos à excentricidade e à loucura, faz-lhes ver a necessidade que a alma humana tem de uma comunicação com Deus, porém com esta comunicação doce, serena, tranqüila, regozijada que se chama piedade cristã, e que, ao invés de fazer do homem um imbecil ou um visionário, faz dele um tipo deliciosamente angelical, como Teresa de Jesus, Francisco de Sales, ou grandiosamente austero, como Jerônimo, Bruno ou o abade de Rancé. Sim, o espiritismo é, ao meu ver, uma prova radiante da veracidade do Catolicismo, do mesmo modo que a moeda falsa é, pelo contraste, uma prova brilhante de que há outra moeda legítima. As pretendidas descobertas do espiritismo são erros há mil anos já refutados. Suas máximas de filosofia moral sobre a abnegação, sobre a caridade, sobre o amor ao próximo, há séculos as crianças das escolas católicas as conhecem de memória. Nada há ali de verdadeiro que não seja roubado do Catolicismo, nada há de falso que já não tenha sido mil vezes refutado por ele.

E, apesar de tudo isso, dirão: O sr. julga necessário combater o espiritismo? Logo, o sr. lhe atribui muita importância! É verdade, eu lhe atribuo, e creio que é um inimigo formidável contra o qual devemos travar uma guerra sem repouso. Sabe por que? Pela situação particular em que se encontram as inteligências e os corações neste século.

Ouvi-me um pouco.

O mal dos males, o mal que produz maiores estragos na nossa sociedade, mais que todos os erros positivos, é a ignorância religiosa. Grande parte de nossa sociedade não sabe o que o Catolicismo é, nem seus princípios fundamentais, nem a razão de suas práticas, nem o significado mais vulgar de seus divinos mistérios. E não me refiro apenas à classe inferior da sociedade, que trabalha nas fábricas e nos campos, não; refiro-me à sociedade que passa por culta, que mexe com muito dinheiro, freqüenta universidades e ocupa os salões. Há uma ignorância espantosa, atroz. Mesmo entre os reputados bons católicos, que rezam e assistem a missa, há pessoas decentes que sabem tão pouco de sua religião como da de Maomé. Conheci pessoas condecoradas com título acadêmico, católicas nas suas práticas e aos olhos de todos, e que ignoravam, contudo, em que consistia o mistério mais popular e mais espanhol de todos, o da Imaculada Conceição de Maria. Pois bem. Se isto ocorre com homens e mulheres de formação científica e prática católica, o que não há de suceder com a massa comum, que não lê, nem tem quem lhe leia, que pouco a pouco se desligou de todo contato com o sacerdote, que vive entregue aos seus negócios e diversões, sem que lhe ocorra sequer que há outros assuntos em que pensar? Que há de suceder? Sucede o que estamos presenciando: que vai se formando no coração da Europa católica uma massa verdadeiramente gentia. Não é atéia, porque o ateísmo não é uma doença geral do povo, nem de classe alguma, mas de um ou outro de seus indivíduos corrompidos; porém, tampouco é católica, porque nada sabe do Catolicismo. Este é o estado lamentável das inteligências.

Coincidindo com ele e, pelas mesmas causas, é também dolorosíssimo o estado dos corações. O primeiro a experimentar os efeitos da ignorância na inteligência é o pobre coração. Seco como terra quebradiça sem chuvas ou rocios, vazio e desolado como o deserto, tem sede sem saber onde saciá-la, sente-se só sem encontrar consolo de amigo que o alente. À falta de verdade na inteligência acompanha a falta de consolo no coração. Daí que tantos e tão belos corações, desesperados de encontrar algo que os preencha, lancem-se à agitação da política devoradora, ou na lama de um mole sensualismo, ou às emoções do positivismo mercantil. Porém, tudo isto que pode afagar a vaidade ou satisfazer os sentidos, ou lisonjear a avareza, não consegue encher o coração. O coração precisa de gozos, emoções, consolos de ordem muito superior; necessita do sobrenatural, do que não nasce do pó da terra, do mesmo modo que a ave necessita do ar, da luz, e dos largos espaços do firmamento. Não tendo isto, o pobre coração humano sente-se ferido, desolado, enganado.

Ora, neste estado de ignorância das inteligências e de vazio dos corações, o espiritismo apresenta-se e diz: “Ofereço portentosas revelações e descobertas com que o senhor poderá satisfazer a sede de sua inteligência, ofereço emoções, mistério, vida superior e sobrenatural com que satisfazer a sede de vosso coração. Como garantia de tudo isto, eu ofereço a prova mais concludente neste século pouco dado à filosofia: fatos. Exijo unicamente que o sr. não me examine sobre a procedência destes fatos.”

O infeliz, cuja inteligência precisa crer em algo e cujo coração necessita apoiar-se e encher-se de algo, apega-se a este fantasma que lhe é apresentado, e se regozija dele como de uma preciosa conquista. Conheço espírita que, não tendo crido em nada na sua vida, encontra-se convertido em homem de crenças e de religião — segundo a sua opinião — desde o momento em que abraçou a superstição espírita. Caso este homem tivesse conhecido bem as verdades do credo católico, e sentido bem as puras consolações da piedade católica, não se julgaria tão rico com as miseráveis superstições com as quais agora crê ter tanto progredido. Os pobres selvagens, que nunca viram as nossas pedras preciosas, disputavam nossos vidros pintados e julgavam-se possuidores de tesouros com um cordão repleto deles.

 

Remédios

Os remédios estão às vistas de todos; mais do que refutações do espiritismo, dê às inteligências cegas a luz verdadeira, e aos corações sedentos, consolo verdadeiro. Ao mesmo tempo em que faz com que o pobre selvagem conheça a fragilidade de seus vidros, faça com que veja a solidez e o brilho imarcescível de nossos diamantes. Instrução católica, e esta em torrentes; explicações claras e simples de todos os pontos de nossa Religião, conferências nas paróquias, sempre ao alcance dos menos instruídos, porque em Religião, os homens e as mulheres quase todos o são; escolas dominicais e noturnas, propaganda universal, a todas as horas e sob todas as formas. E, ao mesmo tempo que se derrama esta luz sobre as inteligências, infunda-se calor nos corações, com a majestade do culto, com o atrativo das grandes festividades, convidando todos a saborear a paz inefável que a frequência aos Santos Sacramentos proporciona, e os consolos que a piedade cristã traz a todas as situações da vida. Monstros como o espiritismo medram unicamente na escuridão e nas trevas. Procure-se a todo transe a difusão da luz, e o espiritismo terminará reduzido em pouco tempo, perante a opinião pública, ao que realmente é: mais uma superstição, acrescentada ao catálogo das grosseiras superstições que mancharam a história do gênero humano.

 

Uma palavra para concluir

Para certos tipos, possui grande força uma argumentação que não gostaria que algum dos meus leitores me apresentasse, como se fosse uma dificuldade séria. Quero antecipar-me a ela.

— Senhor, dirá alguma testemunha das maravilhas do espiritismo, admiro os bons argumentos que me apresenta, mas obras são amores, diz a canção. Fatos são fatos. E os fatos do espiritismo, ninguém me há de negar.

— Muito bem. Por isto não combati a existência real destes fatos. Apenas quis provar que tais fatos são coisa muito perversa e nem um pouco cândidos.

— Mas estes fatos procedem dos espíritos.

— Tampouco o nego, precisamente quis provar que procedem dos espíritos malignos.

— Bah! E que importa de onde procedam! Deixam por isso de ser fatos? Deixarão de ser realidade? Se preciso de uma cura, que eu fique curado, ainda que seja Satanás em pessoa a curar-me. Se quero saber do porvir ou de meus defuntos, que eu saiba o que quero, ainda que, ao invés de meus defuntos, seja o diabo quem toma a voz. Repito: É ou não realidade?

— Ora, muito bem. Fique, pois, com tais realidades. Mas não se esqueça, também é realidade o assassinato, o roubo e o adultério. O fato prova apenas a existência da coisa, não a sua bondade, muito menos a veracidade de uma doutrina. Por isto, o verdadeiro filósofo atribui mais importância às razões do que aos fatos, por mais que estime muito aos últimos. A verdadeira filosofia está em juntar ao exame dos fatos o exame das razões que os explicam. Assim agem os filósofos. Os que se fundam apenas nos fatos sem admitir as razões, não são filósofos, são pura e simplesmente teimosos. 

 

Último argumento para o católico

Contudo, suponho que o senhor, meu amigo, é ainda católico, e que ao afiliar-se ao espiritismo, não quis com isto abjurar a Religião verdadeira, mas cair na rede da novidade. Neste caso, considere bem esta última razão, que é a decisiva.

Não é católico quem não admite em matérias de fé e de costumes o que o Catolicismo ou a Igreja católica condena.

Ora, a Igreja católica condenou o espiritismo.

Logo, não é católico quem é espírita. 

— É certo que a Igreja condenou o espiritismo?

— Certíssimo. E como não quero deter-me em citações de pastorais de Bispos e declarações romanas, que me ocupariam muito, quero apenas que me responda a estas perguntas:

Está condenado ipso facto pela Igreja o sistema que nega os principais dogmas da fé cristã?

É inegável que sim. E neste caso, antes é o indigitado sistema que se afasta por si mesmo da Igreja, do que é a Igreja quem o condena.

Ora, o espiritismo cai neste caso.

Nas suas obras encontrará a negação da divindade de Jesus Cristo. Segundo Allan Kardec, Jesus Cristo não foi mais do que um Espírito de hierarquia superior, encarnado num corpo perfeitíssimo, que sem necessidade de médium manifestou-se aos homens. Não foi a segunda pessoa da Santíssima Trindade, Filho eterno de Deus, e Redentor do gênero humano.

Também nega o espiritismo a realidade dos milagres referidos pelo Evangelho, inclusive a ressurreição gloriosa de Cristo, que é o fundamento de nossa fé. Todos eles, segundo o citado autor, não foram mais do que fenômenos espíritas.

O espiritismo nega o pecado original, nega as recompensas e penas eternas da vida futura, nega o dogma consolador e altamente filosófico do purgatório, nega a utilidade do culto externo, nega a autoridade suprema da Igreja como mestra de verdade, nega a eficácia dos santos Sacramentos. Que deixa, pois, de pé o Espiritismo? Ninguém sabe ao certo; os Espíritos, que são seus mestres, mostram-se protestantes na Alemanha, deístas, frívolos e voltairianos na França, positivistas atrozes nos Estados Unidos. Místicos e quase escrupulosos entre pessoas piedosas; alegres e divertidos e lascivos entre fanfarrões. Na Revista espírita de Sevilha, vê-se de quando em quando manifestações de Espíritos de diferentes tipos de humor. Um deles, dado à poesia, se desdobra em odes à divindade; outro, de Jeréz de la Frontera, deve ser de idéias muitos republicanas e algo mais, porque só fala das vantagens da Internacional e da tirania dos capitalistas sobre os assalariados. De sorte que o espiritismo, como o diabo ou como a mentira, que são uma mesma coisa, é brando e acomodatício, e se adapta com facilidade jamais vista ao humor variado de seus discípulos, desde os pendores supersticiosos de uns até as próprias fronteiras do ateísmo, em que outros vivem. Somente numa coisa todos os espíritas concordam, e este é um sintoma mortal. Todos convém em odiar o Catolicismo e o Papa, sua cabeça. Com isto não podem transigir. Saiba, leitor; não apenas o Catolicismo condena o espiritismo, mas o espiritismo por si próprio se adianta a declarar-se em todas as partes inimigo mortal do Catolicismo. É que Satanás conhece perfeitamente quem o incomoda. Por este sinal o conhecerás, apesar de seus variados disfarces.

 

Recapitulação

Quer, leitor amigo, que eu resuma tudo o que disse em meia página? Cá está.

O espiritismo divide-se em doutrinal e prático.

O doutrinal, já o vimos no trecho citado de Allan Kardec. É blasfemo contra Deus, degradante para o homem, imoral e anti-social. Atribui a Deus a origem do mal, subtrai o homem de seu livre arbítrio, retira da vontade a responsabilidade, e da lei e da justiça, o seu fundamento.

Sobre esta base de absurdos e tolices que constituem o espiritismo doutrinal, assenta-se o espiritismo prático. Consiste numa série de procedimentos para se obter a comunicação com os Espíritos. Nós, mais francamente, dizemos comunicação com o espírito maligno. Tudo isso é coisa nova na história? Ao contrário, trata-se de coisa velhíssima. É a superstição mais antiga, é a magia dos séculos pagãos anteriores a Cristo, ressuscitada pelos pagãos de hoje. Uma mesma causa a produz agora como a produziu então: a falta de fé. Uma mesma causa a fomenta agora como então. A necessidade em que tantos e tantos pobres corações se encontram de crer em algo após terem rechaçado a verdadeira crença. O homem mais incrédulo, disse um crítico, é sempre o mais supersticioso. Abrindo a história verificamos igualmente que os séculos mais apartados de Cristo foram os mais dados às superstições. Eis aqui a razão histórica e teológica de ter surgido no século dezenove o espiritismo.

 

(Revista Permanência 283 - Tradução: Alexandre Bastos)

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