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Imputabilidade e penas "latae sententiae"

3.4. Imputabilidade e penas "latae sententiae"

Todo o direito penal evoluído toma em consideração o elemento subjetivo do culpado e faz disso uma condição determinante de sua imputabilidade ao sujeito agente. Para que este último possa ser considerado como punível não basta ter cometido uma ação criminosa que lhe seja imputável, isto é, que a ação praticada contra a lei lhe possa ser atribuída na qualidade de ação dum sujeito capaz de compreender e querer e, portanto, sustentado por uma vontade orientada livremente em direção dum fim determinado. Para haver nisso a plena imputabilidade penal é preciso que o sujeito tenha agido com o "animus laedendi' ou ainda, como diziam os juristas romanos, dolo mala (dolosamente). De fato, o cânon 1321, § 2° assim precisa: "Quem violou deliberadamente a lei ou o mandamento está sujeito à pena estabelecida pelos mesmos..."

Pelo contrário, uma forma atenuada de imputabilidade é a relativa, não ao dolo, mas à falta, entendida não no sentido moral, mas técnico-jurídico, como disposição do sujeito (chamada "imprudência") que não demonstra o "animus laedendi", mas uma simples "omissão da devida diligência" (cânon 1321 e 1322 do C.D.C de 1983). Nos casos de violação "culpável" das normas, pode faltar o caráter punível (cânon cit.) 1. No direito da Santa Igreja, o elemento subjetivo (a vontade, a intenção do sujeito agente) sempre gozou duma importância particular. Isto depende do próprio caráter da concepção religiosa e moral que a Igreja criou, defendeu e desenvolveu por meio de seu sistema jurídico. Para que o sujeito seja punível, ele deve, portanto, ser responsável. O cânon 1321 § 1° precisa: "Ninguém é punido se a violação externa da lei ou do mandamento, que ele cometeu, não é gravemente imputável por dolo ou falta"2.

A plena imputabilidade da pena vale, portanto, para quem violou a lei deliberadamente, com plena consciência e intenção. Por este motivo, o C.D.C exige que, no caso de penas latae sententiae, tratando-se de penas que - como se viu - se aplicam sem julgamento, haja sempre: 1) o dolo e 2) a plena imputabilidade. A primeira condição é requerida pelo cânon 1318 do C.D.C. de 1983, que precisa: "O legislador não deve infligir penas latae sententiae, a não ser em algum delito doloso (nisi forte in singularia quaedam delictis dolosa), que possa causar, ademais, um grande escândalo, ou não ser punido eficazmente por penas ferendae sententiae; todavia ele não deve estabelecer censuras, especialmente a excomunhão, senão com a máxima moderação e somente nos delitos mais graves"3.

O convite do Código à prudência e à circunspeção em matéria tão delicada. se concretiza no enunciado de três condições necessárias para a imputação das penas latae sententiae : a) o delito deve ser doloso, isto é, haver nele dolo da parte do seu autor: os delitos por imprudência, estão portanto, a priori, excluídos deste tipo de pena; b) o delito não deve ser punível mediante as penas ferendae sententiae 4. No plano de nossa dissertação, o que nos interessa é ter o C.D.C querido acentuar a presença do dolo como requisito indispensável para uma imputação duma pena latae sententiae. Mas pode-se demonstrar o dolo somente se o sujeito é plenamente imputável, pois é apenas a um sujeito tal que se pode atribuir a falta moral de ter querido violar deliberadamente a lei. Se, portanto, falta a plena imputabilidade, a pena latae sententiae, inclusive a excomunhão, não pode ser aplicada. A necessidade da plena imputabilidade do culpado vale naturalmente para todo o tipo de delito doloso, e se pode considerar isto como um verdadeiro principio geral de toda a organização penal evoluída. E é tanto mais válido para as penas latae sententiae, dado o seu caráter excepcional. E, de fato, o cânon 1324, estabelecendo dez casos de circunstâncias atenuantes da imputabilidade, precisa, no § 3° que, em todos estes casos "o culpado não está sujeito à pena latae sententiae"5.

  1. 1. Citamos abaixo todo o cânon 1321 : "1- Nemo punitur, nisi externa legis vel praecepti violatio, ab eo commissa, sit graviter imputabilis ex dolo vel ex culpa. 2- Poena lege vel praecepto statuta is tenetur, qui legem vel praeceptum deliberate violavit: qui vero id egit ex ornissione debitae diligentiae, non punitur, nisi lex vel praeceptum aliter caveat. 3- Posita externa violatione. Imputabilitas praesumitur, nisi aliud appareat". Sobre este cânon e a sua relação com o código Pio X/Bento XV, ver Commento cit., pp. 758-759. As definições neste último são mais claras: cf. C.D.C. de 1917, cânones 2199 e 2200.
  2. 2. O cânon já foi referido em seu caráter exaustivo no número 29 deste estudo.
  3. 3. Este cânon lembra o cânon 2241 § 2 do C.D.C. de Pio X/Bento XV: "Censurae, praesertim latae sententiae, maxime excommunicatio, ne infligantur, nisi sobrie et magna cum circumspectione”.
  4. 4. Ver o Commento, cit., p. 756.
  5. 5.In circurnstantiis, de quibus in § 1. [que traz a lista de dez casos de circunstâncias atenuantes 1, reus poena latae sententiae non tenetur", O Commento diz: "O § 3, também ele, enuncia um principio geral, isto é, que toda diminuição de imputabilidade libera das penas latae sententiae que requerem a plena imputabilidade (cf. cânon 2218, § 2 C.D.C. de 1917). É evidente que, tratando-se de penas latae sententiae, o julgamento sobre a existência duma das causas, mencionadas acima, recai sobre o próprio delinqüente, diferentemente do que se passa com as penas ferendae sententiae, para as quais será o juiz que deverá estabelecer se a causa existe ou não" (Commento, cit., pp, 765-766. Somos nós que sublinhamos). Se o § 3 do cânon 1327 enuncia um princípio geral, este último deveria então ser válido para todos os casos nos quais está prevista uma pena latae sententiae e, portanto, também para a apostasia, a heresia e o cisma, punidos desta maneira pelo legislador (cânon 1364, § 1). Faltando a plena imputabilidade, eles não poderiam jamais ser punidos por uma excomunhão latae sententíae.
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