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Roma, o que fizeste do martírio de São Pedro e São Paulo?

Dom Marcel Lefebvre

 

Meus caríssimos irmãos,

 Eis-nos outra vez reunidos sob o patrocínio de São Pedro e São Paulo, mártires. Como não lançar nossos olhares, pelo pensamento, pelo coração, para Roma? Roma que este Papa e o apóstolo São Paulo regaram com o seu sangue, acompanhados de tantos e tantos mártires. Foi também com emoção que lemos esta manhã as lições do Papa São Leão, que se dirigia assim à Cidade Eterna: 

"Ó Roma, quæ eras magistra erroris facta est discípula veritatis – Ó Roma, tu que eras mestra do erro, que ensinaste o erro, eis que te fizeste serva da Verdade”. 

Que bela palavra: serva da Verdade! E ele acrescentava que esta cidade de Roma reunia todos os erros de todas as nações: Omnium gentium serviebat erroribus...

Roma parecia estar a serviço dos erros de todas as nações. Acolhendo todas as divindades, Roma julgava, diz ainda São Leão, que tinha uma grande religião, magnam religionem, porque, precisamente, ela reunia todos os erros, todas as religiões, em seu seio.

Estas palavras de São Leão descrevendo a Roma pagã, a Roma antiga, faz-nos refletir hoje.

Qual é, atualmente, a situação de Roma? O que pensa de nós, reunidos aqui para realizar, assistir ou participar destas ordenações sacerdotais?

Podemos sabê-lo lendo o livro do Cardeal Ratzinger que acaba de ser lançado  e que fala de nós.

O que diz ele de nós? Diz que é espantoso que a Fraternidade Sacerdotal São Pio X seja tão ligada aos papas anteriores ao Concílio – o que para nós é verdadeiramente um testemunho que nos alegra – e que façamos tão grandes reservas aos papas que se seguiram ao Concílio. Se são tão ligados ao papado, porque, espanta-se ele, fazer distinção entre os papas?

Mas é ele mesmo que nos dá a resposta em seu próprio livro. Pois diz a seu interlocutor que o interroga: “Então, Eminência, o senhor acredita que alguma coisa mudou depois dos anos 60?” E o Cardeal responde: 

“Com efeito, há alguma coisa mudada na Igreja depois dos anos 60, quer dizer, depois do Concílio Vaticano II, e esta mudança consiste em adotar os valores do mundo, valores que vêm de dois séculos de cultura liberal e que são, doravante, adotados pela Igreja”.

Aí está a resposta: nós recusamos estes valores de caráter liberal que foram introduzidos na Igreja sob o beneplácito do Concílio Vaticano II e das reformas pós-conciliares. Nós os recusamos absolutamente, precisamente para sermos obedientes ao papas e à Igreja, à Verdade de sempre. Todos os papas condenaram esses compromissos com o mundo, com os erros do mundo, porque são contrários à nossa santa religião.

Qual é esse erro monumental? Esse erro é o de aceitar a igualdade de todas as religiões, o valor de todas as religiões. Lembrai-vos das palavras de São Leão que acabei de citar. Roma acreditava ter uma grande religião porque aceitava em seu seio as religiões de todas as nações. Então, não é precisamente uma volta à Roma pagã esse ecumenismo que aceita todas as religiões?

Isso não é imaginação. O Vaticano enviou delegados oficiais para a cerimônia do início da construção da grande mesquita que se edifica dentro dos muros de Roma. O próprio Papa, estão todos lembrados, foi a um templo luterano em Roma rezar com os protestantes, acolhendo assim as religiões falsas inventadas pelo demônio. Como foi possível fazer o elogio de Lutero, por ocasião de seu quinto centenário, fazer o elogio do mais abominável heresiarca que a humanidade já teve, que destruiu inteiramente a cristandade? Eis a situação.

É por isso que, para nós, depois do Concílio, alguma coisa mudou, alguma coisa foi introduzida na Santa Igreja e nós a recusamos absolutamente. Isso, nós o sabemos, foi introduzido particularmente pela instituição do Secretariado para a Unidade dos Cristãos. O Cardeal Bea, Presidente deste Secretariado, teve contatos públicos oficiais, conhecidos em todo mundo, com a Maçonaria de Nova Yorque, com os B’nai Brith. Estes lhe pediram para introduzir no interior da Igreja a liberdade das religiões, porque os papas sempre defenderam a liberdade da religião, a liberdade religiosa, quer dizer, da verdadeira religião, da religião de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas não a liberdade de todas as religiões, por conseguinte de todos os erros. 

Ora, foi isso o que o Cardeal Bea prometeu introduzir na Igreja por intermédio desse decreto da liberdade religiosa. O resultado foi que, depois do Concílio, o Cardeal recebeu a medalha de ouro dessa seita maçônica composta somente por judeus e reservada aos judeus. Recebeu a medalha de ouro da liberdade religiosa! Penso que não precisamos de mais provas. É claramente evidente. A Maçonaria quis introduzir na Igreja esta falsa noção da liberdade religiosa para destruir a Verdade da Igreja.

Porque Pedro e Paulo e todos os mártires foram perseguidos? Porque eram discípulos de Nosso Senhor Jesus Cristo e porque estes discípulos ensinavam a única e verdadeira religião, a de Nosso Senhor Jesus Cristo. Porque convertiam os discípulos dessas falsas religiões, de todas essas divindades pagãs, de todos esses falsos cultos, porque os convertiam para a única verdadeira religião, para a religião de Nosso Senhor Jesus Cristo, o nome de cristão foi odiado por esses que eram os discípulos das falsas religiões.

Os imperadores, protetores das falsas religiões, perseguiram os cristãos. Porque? Porque eles diziam: nós somos os discípulos da única religião verdadeira. Se alguém quer ir para o Céu e se salvar, tem de se converter a Nosso Senhor Jesus Cristo. É a primeira verdade elementar que o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo nos ensinou, porque Jesus Cristo é Deus.

Eis a nossa religião! Eis a nossa verdade. Eis o que provoca nossa dificuldade com Roma. Se essas dificuldades permanecem é porque recusamos o ecumenismo, porque recusamos a liberdade de todas as religiões, porque nós só temos um Deus, um só Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo que vive e reina em unidade com o Pai e com o Espírito Santo por todos os séculos dos séculos. Repetimos isto em cada uma de nossas orações, nossas preces. “Há um só Deus, Jesus Cristo, que vive e reina com o Pai na unidade do Espírito Santos por todos os séculos dos séculos”.

Somos evidentemente perseguidos pelos adeptos das falsas religiões. Somos perseguidos hoje: vós, meus amados irmãos, nós que estamos aqui, sejam membros da Fraternidade, ou não sejam, nós que defendemos a Verdade da religião católica.

Vocês não são ecumenistas? Então não têm o direito de entrar nessas igrejas católicas que foram feitas para a religião cristã, para honrar Nosso Senhor Jesus Cristo como único Deus, único Salvador, única salvação pela sua Santa Cruz, pelo seu Sacrifício.

Somos expulsos dessas igrejas porque recusamos que nelas estejam representadas todas as religiões. Vocês já sabem bem, é o comum, o quotidiano: recebe-se protestantes, recebe-se muçulmanos nas igrejas. Recebe-se maçons. Dá-se a comunhão a qualquer pessoa nas nossas igrejas católicas, igrejas feitas para a verdadeira religião. É anormal que sejamos expulsos, mas sim, somos expulsos dessas igrejas. Nelas não podemos mais rezar, não podemos mais continuar o culto que antigamente era o culto dessas igrejas, culto que queremos restabelecer.

Muito bem, se não podemos rezar nas igrejas, guardaremos a Fé, a Fé em Nosso Senhor Jesus Cristo.

Agora dirijo-me a vós meus caros amigos que daqui a instantes recebereis a graça da ordenação sacerdotal. Vocês sabem que recebereis três poderes reservados aos clérigos, reservados aos padres: potestas prædicandi, docendi, potestas sanctificandi, potestas regendi. Poder de pregar o Evangelho, de pregar a Verdade, de ensinar; poder de santificar e poder de dirigir, de conduzir as almas como pastores. Eis os três poderes que recebereis. E estes três poderes fazem de vós outros Cristos.                

A quem pregais? Jesus Cristo!

Por quem santificais? Por Jesus Cristo!

Como guiareis as almas? Por Jesus Cristo, como Jesus Cristo, em Jesus Cristo, inteiramente unidos a Nosso Senhor Jesus Cristo, amando somente a Ele.

Que toda a vossa vida seja unida à Sua. Que não haja nuvens, compromissos com os erros, compromissos com as falsas religiões. Sois pastores. Deveis guiar para a vida eterna, por Nosso Senhor Jesus Cristo, mas isto foi precisamente o que fizeram os apóstolos, o que fizeram particularmente aqueles que recebiam a unção sacerdotal, que tinham o encargo de pregar o Evangelho, pregar a Verdade.

Qual é a Verdade? É o próprio Jesus Cristo. Não há outra verdade além da verdade de que Jesus Cristo é o Filho de Deus!

Esta é a única via da salvação, o único meio de salvar as almas. Ireis pregar Nosso Senhor. Durante estes anos de seminário seus estudos foram orientados para a ciência de Nosso Senhor Jesus Cristo: a filosofia, a teologia, o direito canônico, a liturgia, os escritos dos Padres da Igreja. Todos os estudos que fizestes, quaisquer que fossem, foram orientados para a ciência de Nosso Senhor Jesus Cristo. Conhecer Deus, conhecer e melhor amar, melhor servir Nosso Senhor Jesus Cristo. Vossas orações em torno do altar foram para honrar Nosso Senhor Jesus Cristo, para participar de sua vida pelo Sacrifício da Missa, pela Santa Comunhão.

Ora, eis que agora, escolhidos por Nosso Senhor Jesus Cristo em pessoa, vocês vão participar da Comunhão, não só participar da Comunhão, mas vão vocês mesmos pronunciar as palavras da Consagração. Que poder sublime, extraordinário! Que esteja aí, a alegria, o consolo de sua vida sacerdotal, a força de suas almas sacerdotais: ter um poder sobre o Corpo, o Sangue, a Alma, a Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Quando sofrerdes, quando tiverdes dúvidas, hesitações, quando fordes provados, porque talvez vossa pregação não traga os frutos desejados por vós, olhai Nosso Senhor Jesus Cristo, olhai sua Cruz, olhai-o em sua Paixão. Ele também sofreu. Ele suportou a partida dos apóstolos, o abandono total. Suportou tudo corajosamente e Deus lhe deu sua recompensa ressuscitando-O. Ele ressuscitou a Si mesmo por força de sua Divindade.

E depois vos santificareis, particularmente pelo Santo Sacrifício da Missa, fonte de toda santificação, continuação do Sacrifício redentor de Nosso Senhor Jesus Cristo. É isto a Santa Missa. Para isto sois ordenados: para conduzir as almas para Nosso Senhor Jesus Cristo, para celebrar este Sacrifício que espalha graças em abundância para salvar as almas. É um grande mistério o poder que criaturas, pobres criaturas como nós somos, temos de falar com Deus, de fazer descer sobre o altar o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo que é Deus.

Santificareis pelos Sacramentos e preparareis as almas para recebê-los dignamente. Não dareis a Eucaristia àqueles que não são dignos. Mas preparareis as almas para se unirem a Nosso Senhor Jesus Cristo e se santificarem no Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo pela prática de Seus mandamentos, mandamentos que não são outros que o amor de Deus e o amor do próximo.

Que bela vocação! Divinizar as almas, torná-las cada vez mais próximas de Deus por Nosso Senhor Jesus Cristo, incorporá-las a Nosso Senhor no Corpo Místico da Igreja e assim permitir-lhes um dia participar da glória de Deus, da glória de Nosso Senhor. 

Enfim, guiareis as almas em suas ansiedades, em suas dificuldades, em suas obscuridades. Sereis a Luz: Vos estis lux mundi, “Vós sois a luz do mundo”. 

Sereis a luz na caridade, na paciência, na bondade, na mansidão, na longanimidade. Escutareis as almas que virão a vós para receberem a Luz. Não as afasteis. Sejam pacientes, sejam bons, sejam pais, fazei de modo que, aproximando-se de vós, estas almas tenham a impressão de que se aproximam de Nosso Senhor Jesus Cristo e de quem recebem d’Ele a resposta que esperam para sua santificação. Então, tereis feito o bem ao longo de vossa vida.

Eis que agora ireis vos dispensar em vossos encargos através do mundo. Que a Virgem Maria vos acompanhe, que ela seja vossa Mãe, que ela guarde em vós este amor único, profundo, definitivo, sem a menor hesitação, de Nosso Senhor Jesus Cristo! Sede verdadeiramente os apóstolos de Cristo! Em nome do Pai do Filho e do Espírito Santo. Amém.

 

(Homilia pronunciada em Ecône, Suíça, durante a ordenação de novos padres, na festa de São Pedro e São Paulo, 29 de junho de 1985 - traduzida e publicada na Revista Permanência n° 204-205, novembro-dezembro de 1985).

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