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A "igreja viva"

As notícias recentes, chegadas da Suíça, onde as "autoridades" eclesiásticas tentam bloquear a obra católica de Dom Marcel Lefebvre, e as notícias dos escândalos mais próximos de nós, praticados pelas próprias autoridades eclesiásticas da mesma "Igreja viva" que veementemente reprova a obra de Dom Lefebvre e fecha os olhos ou encoraja obras de reconciliação com a Maçonaria empreendidas em Salvador por Dom Avelar Brandão e os "abalizados" pronunciamentos de Dom Evaristo Arns sobre o sexo, todo esse amontoado de incompreensíveis contra-sensos nos indica que está chegando a hora das grandes dores. Ainda ontem, na Santa Missa, ouvimos o Apóstolo falar das dores do parto de toda a criação, misteriosa conseqüência cósmica das desordens trazidas pelo pecado dos Anjos e pelo pecado de Adão. Deus com a ajuda dos Anjos, de Nossa Senhora e de todos os Santos, no Céu, no Purgatório e aqui na Terra, governa o mundo e trabalha na restauração da ordem comprometida pelo mal que Ele permite para tirar das mesmas criaturas capazes do mal, uma riqueza de bem incomparavelmente maior do que o mal permitido. E agora a dor que punge a criação, diz São Paulo, será também vencida por uma alegria de maravilhosa desproporção. É compreensível a desmedida, a infinita desproporção entre o bem da vitória final e o mal consentido, porque o bem tem a medida do ser, e o mal não passa de uma lembrança do nada que está nos poros de toda a criatura composta de ser e não ser.

 

Mas aqui nesta rápida travessia, os homens menos atentos aos dons de Deus se inebriam com a efervescência das colisões das efêmeras obras, e até ousam tomar essa efervescência por critério mais valioso do que a imutável lei revelada por Deus.

 

O mesmo Apóstolo que tanto nos exalta a esperança, nem por isso nos aconselha o pacifismo que faz da moleza e da tolerância as maiores virtudes modernas. Ao contrário, o Apóstolo da Caridade nos incita ao combate. É fácil imaginar com que profunda emoção seus discípulos um dia ouviram-no dizer estas palavras infinitas que até hoje nos aquecem o sangue e nos guardam do desespero: "Combati o bom combate, guardei a Fé".

 

Se está chegando a hora das grandes dores, esperemos contra toda a esperança e combatamos o bom combate. Não desagradam a Deus nossos gemidos e nossas lágrimas se os golpes são duros, mas desagrada-lhe certamente nossa deserção e nossa capitulação, sobretudo quando ainda para maior dano ousamos cobri-las com vestes de virtudes.

 

Comecemos a luta de hoje pela reconsideração da carta do Cardeal Villot dirigida em Outubro último a todos os Presidentes das Conferências Episcopais do mundo e parcialmente reproduzida no boletim "Notícia" da CNBB de 21 de Novembro de 1975, que transcrevemos em nosso artigo de quinta-feira. Nesse boletim se vê que o motivo alegado pelo Bispo de Lausanne contra o Bispo Dom Marcel Lefebvre foi o seguinte: "invoca-se a fidelidade à Igreja do Passado, para se separar da Igreja do Presente". Na tradução francesa publicada na íntegra na revista Itinéraires de Fevereiro de 1976, a "Igreja do Presente" é chamada de "Eglise vivante".

 

Ora, para quem conhece a doutrina católica (que a mesma carta de passagem diz que não muda), sabe que essa divisão eclesiológica é gritantemente heterodoxa. Não posso crer que um só dos membros seminaristas que procuram o famoso seminário de Econe, fundado por Dom Lefebvre, jamais tenha ouvido o venerando mestre falar em "Igreja do passado" e "Igreja viva" para designar a palpitante atualidade. A divisão formulada pelo Concílio de Trento para a mesma e única Igreja de Cristo em seus três estados é a que até anos atrás ensinávamos nas aulas de catecismo infantil: Igreja triunfante (no Céu), Igreja padecente (no purgatório) e a Igreja militante (na Terra).

 

E o catecismo do Concílio de Trento acrescentava: "a Igreja na terra se chama militante porque está em guerra sem tréguas contra três cruéis inimigos: o mundo, o Diabo e a carne".

 

Ora, a denominação de "viva" dada à Igreja militante tem os seguintes defeitos: ela omite o caráter militante para não desagradar aos protestantes, às lojas maçônicas e aos comunistas, invocando na mesma carta o imperativo de reconciliação (com todos os inimigos da Igreja, como até os inimigos da ordem pública), essa carta publica uma evidente mudança e uma evidente oposição ao pensamento do Concílio de Trento e de todos os Papas até Pio XII.

 

Além disso, essa "Igreja viva" que pretende exaltar a atualidade e a modernidade como critérios principais, tem um defeito doutrinal mais sério e mais grave que a de sua capitulação. Essa denominação tem a impiedade espantosa de esquecer os supervivos membros da Igreja do Céu que triunfalmente participam do governo do mundo sem as misérias e vicissitudes da vicariância, já que lá o Rei está pessoalmente assentado à direita do Pai, enquanto a Rainha, tomada de nostalgia pelos afazeres de Marta e pelas aflições de seus filhos, acha modo de se esquivar um pouco de tempo da contemplação do Amor sem desamor, e desce ligeira para ainda vir chorar entre os homens que choram.

 

A "Igreja viva" que se gloria de sua atualidade e de sua modernidade, e que se compõe de extravagâncias humanas, essa é que tomou a iniciativa de separar-se da tradição que na terra é passado de santa peregrinação entre as aflições dos homens e as consolações de Deus, e no Céu é eternidade triunfal.

 

Mais brutal e decisiva para a consciência católica do que todas as extravagâncias e escândalos, essa chamada "Igreja viva", por seus membros e por sua hierarquia, é ela que todos os dias proclama sua nota de essencial autoridade, com que se separa da essencial identidade da Igreja Unam et Sanctam. E é em razão da fidelidade a essa Igreja sempre idêntica, aquela que nasceu do lado do Cristo adormecido na Cruz, que nós, os rejeitados pela Outra, a denunciamos como Outra.

 

Feitas as contas, a infeliz redação da carta do Cardeal Villot, por si mesma explica ao mundo inteiro que o Bispo Dom Marcel Lefebvre não quer apenas permanecer enxertado na mesma videira, do mesmo agricultor que certamente o não abandonará. Ele mesmo, o Senhor, prometeu para sempre: "Permanecei em mim e eu permanecerei em vós"

 

O Globo, 10-7-76

 

 

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