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Artigo 4 - Se é lícito, negociando uma coisa, vendê-la mais caro do que custou.

O quarto discute-se assim. – Parece que não é lícito, negociando uma coisa, vende-la mais caro do que custou.

1. – Pois, diz Crisóstomo. Todo aquele que compra uma causa para lucrar, vendendo-a inteira e tal qual a comprou, é um negociante que será expulso do templo de Deus. E aquilo da Escritura - Porque não conheci a literatura, ou a negociação, segundo outra letra - diz o mesmo Cassiodoro: Que outra causa é a negociação senão comprar mais barato e querer vender mais caro? E acrescenta: Tais negociadores Deus os expulsa do templo. Ora, ninguém é expulso do templo senão por algum pecado. Logo, tal negociação é pecado.

2. Demais. – É contra a justiça vender uma coisa mais cara ou comprá-la mais barata do que vale, como do sobredito resulta. Ora, quem, negociando, vende uma coisa mais cara do que comprou, necessariamente ou a comprou mais barata ou a vende mais caro do que vale. Logo, tal não se pode dar sem pecado.

3. Demais. – Jerônimo diz: Do clérigo negociante que de pobre se tornou rico e de obscuro, orgulhoso, foge como de peste. Ora, parece que só por causa de pecado é a negociação interdita aos clérigos. Logo, é pecado, negociando, comprar uma coisa mais barata e vendê-la mais cara do que vale.

Mas, em contrário, aquilo da Escritura - Não conheci a literatura - diz Agostinho: O negociante ávido de ganhar blasfema quando danificado, mente no preço das causas e perjura. Mas esses são vícios do homem e não, da arte, que pode ser exercido sem eles. Logo, negociar não é em si mesmo ilícito.

SOLUÇÃO. – É próprio dos negociantes praticar a troca das coisas. Mas como diz o Filósofo há duas espécies de troca. - Uma, como que natural e necessária, pela qual se troca uma coisa por outra; ou uma coisa por dinheiro, conforme às necessidades da vida. E essa não pertence propriamente aos negociantes, mas antes, aos ecônomos ou políticos, que devem prover a casa ou a cidade, das coisas necessárias à vida. - Outra espécie de troca é a de dinheiro por dinheiro ou de quaisquer coisas por dinheiro, não pelas necessidades da vida, mas para auferir lucro. E este é o negócio próprio dos negociantes.

Ora, segundo o Filósofo, a primeira espécie de troca é louvável porque vem satisfazer a uma necessidade natural. A segunda porém é justamente condenada por que, pela sua natureza, serve à cobiça do lucro, que não conhece limite e tende ao infinito. Por onde, a negociação, em si mesma considerada, não visando nenhum fim honesto ou necessário, implica uma certa vileza. - Quanto ao lucro, que é o fim do negócio, embora não implique por natureza nada de honesto ou necessário, também nada implica de vicioso ou de contrário à virtude. Por onde, nada impede um lucro ordenar-se a um fim necessário ou mesmo honesto. E desse modo a negociação se torna lícita. Assim, quando buscamos, num negócio, um lucro moderado, empregando-o no sustento da casa ou mesmo em socorrer os necessitados. Ou ainda quando fazemos um negócio visando a utilidade pública, para não faltarem à pátria as coisas necessárias à vida; e buscamos o lucro, não como fim, mas como paga do trabalho.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ As palavras de Crisóstomo devem entender-se do negócio que tem como último fim o lucro. O que sobretudo é o caso de quem vende mais caro uma coisa, no mesmo estado em que a comprou; pois, assim agindo, visa receber um prêmio pelo trabalho. Embora possamos licitamente visar um lucro, não como fim último, mas, mediante outro fim necessário ou honesto, como dissemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Todo aquele que vende mais caro que comprou é negociante mas só quem comprou com o fim de vender mais caro. Quem porém comprou uma coisa, não para vendê-la mas, para conservá-la e, depois, por alguma causa quer vendê-la, não faz negócio, embora a venda mais caro. Pois, pode fazê-lo licitamente, quer por ter melhorado a coisa, ou porque o preço dela mudou, conforme à diversidade de lugar ou de tempo; ou pelo perigo a que se expõe transportando-a de um lugar para outro ou fazendo-a transportar. E nesse caso não é injusta nem a compra nem a venda.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os clérigos devem abster-se não só do mal em si mesmo, mas ainda do que tem a aparência dele. O que se dá com o negócio, quer por se ordenar ao lucro terreno, que os clérigos devem desprezar; quer também pelos vícios frequentes nos negociantes, pois, dificultosamente o que negocia se isentará dos pecados de seus lábios, como diz a Escritura: Mas há outra causa, e é que o negócio enreda demasiado o espírito nos negócios seculares, retraindo-o por consequência das coisas espirituais. Donde o dizer o Apóstolo: Ninguém que milita para Deus se embaraça com negócios do século. Embora seja lícito aos clérigos fazer a primeira espécie de troca, que se ordena às necessidades da vida, comprando ou vendendo.

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