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Artigo 5 - Se é lícito matar-se a si mesmo.

O quinto discute-se assim. – Parece que é lícito matar-se a si mesmo.

1. – Pois, o homicídio é pecado, por contrariar à justiça. Ora, ninguém pode fazer justiça a si mesmo, como o prova Aristóteles. Logo, ninguém peca matando-se a si mesmo.

2. Demais. – Matar os malfeitores é lícito ao que detém o poder público. Ora, às vezes, o detentor do poder público é um malfeitor. Logo, pode matar-se a si mesmo.

3. Demais. – É lícito sujeitarmo-nos espontaneamente a um perigo menor para evitar um maior; assim como nô-lo é amputar um membro gangrenado, para salvar a vida do corpo. Ora, às vezes, matando-nos a nós mesmos, evitamos um mal maior; quer uma vida miserável; quer a torpeza de algum pecado. Logo, é lícito matar-se um a si próprio.

4. Demais. – Sansão matou-se a si mesmo, como se lê na Escritura, e contudo é enumerado entre os santos. Logo, é lícito o matar-se a si próprio.

5. Demais. – A Escritura diz que um certo Razias matou-se a si mesmo, escolhendo antes morrer nobremente do que ver-se sujeito a pecadores e padecer ultrajes indignos do seu nascimento. Ora, nada é ilícito do que fazemos nobre e fortemente. Logo, o matar-se a si mesmo não é ilícito.

Mas, em contrario, Agostinho: Resta que entendamos o que foi dito do homem: Não matarás. Nem a outrem, pois, nem a ti mesmo. Portanto, quem se mata a si mesmo mata evidentemente um homem.

SOLUÇÃO. – Matar-se a si mesmo é absolutamente ilícito, por tríplice razão.

Primeiro, porque naturalmente todas as coisas a si mesmas se amam; por isso é que todas naturalmente conservam o próprio ser e resistem, o mais que podem, ao que procura destruí-las. Portanto, quem se mata a si mesmo vai contra a inclinação natural e contra a caridade que todos a si mesmos se devem. Logo, matar-se a si mesmo é sempre pecado mortal, por ser um ato contrário tanto à lei natural como à caridade.

Segundo, porque qualquer parte, pelo que é, pertence ao todo. Ora, cada homem é parte da comunidade e, portanto, o que é da comunidade o é. Logo, matando-se um a si mesmo, comete uma injustiça contra a comunidade, como está claro no Filósofo.

Terceiro, porque a vida é um dom divino feito ao homem e dependente do poder de Deus, que mata e faz viver. Logo, quem se priva a si mesmo, da vida, peca contra Deus; assim como quem mata um escravo alheio peca contra o dono do mesmo; e como também peca quem usurpa um juízo sobre uma coisa que lhe não foi confiada. Pois, só a Deus pertence julgar da morte e da vida, conforme aquilo da Escritura· Eu matarei e eu farei viver.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O homicídio é um pecado, não só por contrariar à justiça, mas também à caridade, que devemos ter para conosco mesmos. Logo, por aí o matar-se a si mesmo é pecado, relativamente à nossa pessoa própria. Relativamente porém, à comunidade e a Deus, tem a natureza de pecado por opor-se também à justiça.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O detentor do poder público pode matar os malfeitores licitamente porque pode julgá-los. Ora, ninguém é juiz de si próprio. Portanto, não é licito ao detentor do poder público matar-se a si mesmo, seja por que pecado for. É lícito, porém, entregar-se ao julgamento de outrem.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O homem é constituído senhor de si mesmo pelo livre arbítrio. E portanto pode dispor livremente de si mesmo, no que respeita aos bens desta vida, governada pelo livre arbítrio humano. Mas desse livre arbítrio não depende o trânsito desta vida para outra mais feliz, senão, do poder divino. Logo não é lícito ao homem matar-se a si mesmo, a fim de passar para uma vida mais feliz. - Do mesmo modo, nem para fugir a quaisquer misérias da vida presente. Porque, como claro está no Filósofo, último dos males desta vida e o mais terrível é a morte. Logo, dar-se a si mesmo a morte para fugir às misérias desta vida é praticar um mal maior para evitar um menor. - Semelhantemente, não é lícito a ninguém atar-se a si mesmo por causa de algum pecado cometido, quer porque, então, far-se-ia a si mesmo o mal máximo, privando-se do tempo necessário à penitência; quer ainda porque não é lícito matar um malfeitor senão em virtude de um julgamento do poder público. - Do mesmo modo, não é lícito a uma mulher matar-se a si mesma afim de não ser corrompida por outrem. Porque não deve cometer contra si mesma um crime máximo, como é o dar-se a si mesma a morte, para evitar um menor crime alheio. Pois, nenhum crime comete a mulher violada, se não der o seu consentimento, porque o corpo não se mancha senão pelo consentimento da alma, como disse Lúcia. Pois, é certo que a fornicação ou o adultério é menor pecado que o homicídio, e sobretudo o de si mesmo, que é o gravíssimo, por danificar a nossa própria pessoa, a que devemos o máximo amor. E também é periculosíssimo, porque não resta tempo para o expiarmos pela penitência. - Semelhantemente ainda, a ninguém é lícito matar-se a si mesmo pelo medo de consentir no pecado. Porque não devemos fazer males para que venham bem ou para evitarmos males, sobretudo menores e menos certos. Pois, é incerto se consentiremos num pecado futuro; porque Deus pode nos livrar do pecado, qualquer que seja a tentação que sobrevenha.

RESPOSTA À QUARTA. – Como diz Agostinho, Sansão, matando-se a si mesmo e aos inimigos, com a destruição da casa, só pode ser excusado porque o Espírito, que por ele fazia milagres, lho mandara secretamente. E a mesma razão dá para o procedimento de certas santas mulheres, que se mataram a si mesmas no tempo da perseguição, e cuja memória a Igreja celebra.

RESPOSTA À QUINTA. – Não fugir à morte que outro nos inflige é próprio da fortaleza, que busca o bem da virtude e evitar o pecado. O dar­mo-nos a nós mesmos a morte, para evitar os males da pena, implica sem dúvida uma certa espécie de fortaleza; pelo que, certos se mataram a si mesmos, pensando assim agir corajosamente; e, no número desses, está Razias. Não é essa porém a verdadeira fortaleza; antes, é uma certa fraqueza de alma, incapaz de suportar os males da penas como claro está no Filósofo e em Agostinho.

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