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Artigo 8 - Se devemos abandonar bens temporais para evitar escândalo.

O oitavo discute-se assim. Parece que devemos abandonar os bens temporais para evitar escândalo.

1.  Pois, devemos querer a salvação espiritual do próximo, que fica impedida pelo escândalo, mais do que quaisquer bens temporais. Ora, o que menos amamos nós abandonamos por aquilo a que mais amamos. Logo, com maior razão, devemos abandonar os bens temporais para evitar escândalo do próximo.

2. Demais. Segundo a regra de Jerônimo, devemos abandonar tudo o que podemos, salva a tríplice verdade, para evitar escândalo. Ora, os bens temporais podem ser abandonados, salva esse tríplice verdade. Logo, devem ser abandonados, para evitar escândalo.

3. Demais. Dentre os bens temporais, nenhum é mais necessário que a comida. Ora esta, devemos deixá-la para evitar escândalo, conforme a Escritura: Não percas tu pelo teu manjar aquele por quem Cristo morreu. Logo, com maior razão, devemos abandonar todos os outros bens temporais para evitar escândalo.

4. Demais. Os bens temporais por nenhum modo mais conveniente, podemos conservá-los ou recuperá-los do que por demanda em juízo. Ora, não devemos recorrer a demandas e, sobretudo, se provocam escândalo, conforme o Evangelho do que quer demandar-te em juízo e tirar-te a tua túnica, larga-lhe também a capa. E o Apóstolo: Já o haver entre vós demandas, duns contra os outros é sem controvérsia um pecado que cometeis, Porque não sofreis vós antes a injúria? Porque não tolerais antes o dano? Logo, parece que devemos abandonar os bens temporais para evitar escândalo.

5. Demais. Dentre todos os bens temporais parece que os que menos devemos abandonar são os ligados aos espirituais. Ora, a estes devemos abandonar para evitar escândalo. Pois, o Apóstolo, semeando os bens espirituais, não aceitou como estipêndio os temporais, por não ocasionarmos algum obstáculo ao Evangelho de Cristo, como ele diz. E por causa semelhante, a Igreja, em certas terras, não exige o dizimo, para evitar escândalo. Logo, com maior razão os outros bens temporais devem ser abandonados, para evitar escândalo.

Mas, em contrário, o bem aventurado Tomás de Cantuária, reclamou os bens da Igreja, com escândalo do rei.

SOLUÇÃO. Relativamente aos bens temporais devemos distinguir. Pois, ou são nossos, ou nos foram confiados para os conservarmos para outrem. Assim, os bens da Igreja são confiados aos prelados; e os bens da comunidade, aos chefes da república, quaisquer que sejam. E essa conservação, como a dos depósitos, incumbe necessariamente aqueles a que tais bens foram confiados. Por onde, não devem ser abandonados, para evitar escândalo, como não o devem os bens necessários à salvação.

Quanto, porém, aos bens temporais de que somos senhores, devemos, para evitar escândalo, ora, abandoná-los, quer dando-os, se os temos em nosso poder, quer não os exigindo, se estão em poder de outrem; e ora, não o devemos. Se, pois, o escândalo provém da ignorância ou da fraqueza de outrem, o que, como dissemos acima, é o escândalo dos fracos, então ou devemos totalmente abandonar os bens temporais, ou devemos obviar de outro modo a ele, isto é, por alguma explicação. Por isso, diz Agostinho: Devemos dar o que não nos prejudica nem a nós nem a outrem, tanto quando podemos julgá-lo. E quando negares o que alguém pede, deves explicar-lhe a justiça do teu proceder; e lhe dareis com mais fruto, por isso mesmo que resististe ao seu injusto pedido.

Outras vezes, porém, o escândalo nasce da malícia, o que é o escândalo dos Fariseus. E por causa dos que provocam tais escândalos, não devemos abandonar os bens temporais, porque isso prejudicaria o bem comum, dando aos maus, ocasião de se apoderarem dos bens de outrem; e além disso, a eles próprios prejudicaria que, retendo o alheio, permaneceriam em pecado. Por isso, diz Gregório: Certos devemos, somente tolerá-los, quando nos privam do que é nosso; outros, porém, devemos impedir de o fazer, em boa justiça, não somente para que não nos privem do que é nosso, mas para não se perderem a si mesmos, apoderando-se do que não lhes pertence.

Donde se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À SEGUNDA. Se a cada passo se permitisse aos maus se apoderarem dos bens alheios, isso contribuiria para o detrimento da verdade, da vida e da justiça. Por onde, não devemos, para evitar qualquer escândalo, abandonar os bens temporais.

RESPOSTA À TERCEIRA. Não está na intenção do Apóstolo advertir que devemos renunciar totalmente à comida, para evitar um escândalo, porque tomá-la é necessário à vida. Mas sim, que devemos renunciar a uma determinada comida, para evitar escândalo, conforme as suas palavras: Nunca, jamais comerei carne, por não escandalizar a meu irmão.

RESPOSTA À QUARTA. Segundo Agostinho o referido preceito do Senhor, devemos entendê-lo no sentido de uma preparação da alma, isto é, que estejamos prontos a antes sofrer uma injúria ou fraude, do que passar por uma demanda, se for conveniente tal. Mas, às vezes isso não é conveniente, como dissemos. E é nesse sentido que devemos entender as palavras do Apóstolo.

RESPOSTA À QUINTA. O escândalo que o Apóstolo queria evitar procedia da ignorância dos gentios, que não estavam afeitos a tal costume. Por isso devia abster-se por algum tempo, até que eles ficassem instruídos desse dever. ­ E por causa semelhante, a Igreja se abstém de exigir o dízimo nas terras em que não é costume pagá-lo.

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