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Artigo 11 - Se a caridade, uma vez possuída, pode perder-se.

O undécimo discute-se assim. – Parece que a caridade, uma vez possuída, não pode perder-se.

1. – Pois, perdida não pode sê-lo senão pelo pecado. Ora, quem tem a caridade não pode pecar, conforme o diz a Escritura: Todo o que é nascido de Deus não com ele o pecado, porque a semente de Deus permanece nele; e não pode pecar porque é nascido de Deus. Ora, só os filhos de Deus tem caridade, pois, é ela a que distingue os filhos do reino, dos da perdição, como diz Agostinho. Logo, quem tem a caridade não pode perdê-la.

2. Demais. – Agostinho diz: o amor, se não for verdadeiro, não deve ser considerado como tal. Ora, como ainda ele próprio o diz, a caridade que pode ser abandonada, nunca foi verdadeira. Logo, nunca foi caridade; e portanto aquela que foi vez possuída não pode nunca vir a perder-se.

3. Demais. – Gregório diz: O amor de Deus obra grandes coisas, se existe,  se deixar de obrar, não é caridade. Ora, ninguém que obre grandes coisas perde a caridade. Logo, uma vez existente em alguém, a caridade não pode ser perdida.

4. Demais. – O livre arbítrio não se inclina ao pecado senão por algum motivo de pecar. Ora, a caridade exclui todos os motivos de pecar, tais como o amor de si, a cobiça e outros. Logo, a caridade não pode ser perdida.

Mas, em contrário, a Escritura: Tenho contra ti que deixaste a tua primeira caridade.

SOLUÇÃO. – Pela caridade o Espírito Santo habita em nós como do sobredito resulta. Logo, podemos considerá-la a uma tríplice luz. ­ Primeiro, em relação ao Espírito Santo que move a alma a amar a Deus. E então a caridade tem a impecabilidade por virtude do Espírito Santo, que opera infalivelmente tudo quanto quer. Por onde é impossível seja ao mesmo tempo verdadeiro que, de um lado, o Espírito queira mover alguém a um ato de caridade e, por outro, que essa pessoa a perca, pecando. Pois, o dom da perseverança conta-se entre os benefícios de Deus, com os quais certissimamente se salvam os que se salvam, como diz Agostinho. De outro modo, podemos considerar a caridade na sua essência mesmo. E então ela não pode senão o que se lhe inclui na essência. E portanto de nenhum modo pode pecar, assim como o calor não pode esfriar e nem a injustiça, fazer o bem, no dizer de Agostinho. De um terceiro modo, a caridade pode ser considerada relativamente ao sujeito, capaz de decidir-se, pelo livre arbítrio. Ora, ela pode referir-se ao seu sujeito, por uma razão universal, como aquela pela qual a forma é referida à matéria; ou por uma razão particular, como aquela pela qual o hábito se refere à potência. Ora, é da essência da forma existir num sujeito que pode, todavia vir a perdê-la, quando era não atualiza toda a potencialidade da matéria. Tal o caso das formas dos seres sujeitos à geração e à corrupção cuja matéria recebe uma forma, mas conservando a possibilidade de receber outra, por não ficar atualizada por uma só forma toda a potencialidade da matéria. E por isso, pode uma forma desaparecer com o advento de outra. Mas a forma do corpo celeste, que atualiza toda a potencialidade da matéria, de modo a não mais existir nela a possibilidade de receber outra forma, permanece inamissivelrnente. Assim, pois a caridade da pátria, que atualiza toda a potencialidade da alma racional, porque todos os seus movimentos dirigem-se atualmente para Deus, permanece inamissivelmente no sujeito. A caridade da via porém não atualiza desse modo a potencialidade do sujeito, por não ser dirigida sempre e atualmente para Deus. Por isso, quando não o busca, em ato, pode sobrevir alguma ocorrência que leve o sujeito a perdê-la. Ao hábito, por seu lado, é próprio inclinar a potência para o ato, fazendo-a considerar como bom aquilo que lhe convém, e como mal, o que lhe repugna. Pois, assim como o gosto julga dos sabores conforme a sua disposição, assim a mente do homem julga do que deve fazer, segundo a sua disposição habitual. Por isso, o Filósofo diz, que assim como somos, assim consideramos o fim. Portanto, a caridade não pode ser perdida, quando o que lhe convém não lhe pode parecer senão bom; o que se dá na pátria, onde Deus, que é essencialmente bom, é contemplado em essência. Logo, a caridade da pátria não pode ser perdida. Pode-o, porém, sê-lo a da via, em que não vemos a essência de Deus, que é a essência da bondade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A autoridade aduzida refere-se ao poder do Espírito Santo, pela conservação do qual tornam-se imunes do pecado os que ele move quanto quer.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A caridade que pode afastar-se da essência mesma da caridade, não é verdadeira. E tal seria o caso se o seu amor consistisse em amar durante algum tempo e, depois, deixa, de fazê-lo: o que não seria verdadeiro amor. Mas, o perder-se a caridade pela mudança do sujeito, fazendo consistir o seu ato em agir contra o que ela propõe isso não repugna à verdade da mesma.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O amor de Deus propõe-se sempre a obrar grandes coisas, o que pertence à essência da caridade. Nem sempre, porém, obra grandes coisas, em ato, por causa da condição do sujeito.

RESPOSTA À QUARTA. – A caridade, pela essência mesma do seu ato, exclui todo motivo de pecar. Mas, às vezes, acontece que ela não age atualmente. E então pode intervir algum motivo que leve a pecar e, se consentirmos nele, perderemos a caridade.

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