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Artigo 1 - Se o desespero é pecado.

O primeiro discute-se assim – Parece que o desespero não é pecado.

1 – Pois, todo pecado implica a conversão a um bem perecível e a aversão do bem imutável, como se vê claramente em Agostinho. Ora, o desespero não implica conversão a nenhum bem perecível. Logo, não é pecado.

2. Demais. – O que nasce de boa raiz parece não ser pecado, pois, no dizer da Escritura, não pode a árvore boa dar maus frutos; Ora, parece que o desespero nasce de boa raiz, isto é, do temor de Deus, ou do horror da grandeza dos nossos próprios pecados. Logo, o desespero não é pecado.

3. Demais. – Se o desespero fosse pecado, também cometeriam pecado os condenados, por desesperarem. Ora, isto não lhes é imputado por culpa, mas antes, por danação. Logo, também não pode ser imputado por culpa aos viadores e portanto não é pecado.

Mas, em contrário. – O que leva os homens ao pecado parece não somente ser pecado, mas o princípio dos pecados. Ora, tal é o desespero; pois, diz o Apóstolo de certos: Que, desesperando, se entregaram a si mesmos à dissolução, à obra de toda a impureza, à avareza. Logo, o desespero não só é pecado, mas princípio de todos os outros pecados.

SOLUÇÃO. – Segundo o Filósofo, à afirmação ou à negação no intelecto corresponde a busca ou a fuga no apetite; e ao verdadeiro ou falso no intelecto corresponde, bem e mal no apetite. Por onde, todo movimento apetitivo, realizado de conformidade com o intelecto verdadeiro, é em si mesmo bom; e todo movimento do apetite, realizado de conformidade com o intelecto falso é, em si mesmo mal e pecado. Ora, relativamente a Deus, o juízo verdadeiro da inteligência consiste em pensar que dele provém à salvação do homem e o perdão dos pecadores, conforme aquilo da Escritura: Não quero a morte do pecador, mas que se converta e viva. E a opinião falsa é que Deus negue o perdão ao pecador arrependido, ou não converta para si os pecadores, pela graça justificante. Por onde, assim como o movimento da esperança, concorde com um juízo verdadeiro, é louvável e virtuoso, assim, o movimento do desespero, conforme a um juízo falso sobre Deus, é vicioso e constitui pecado.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Todo pecado mortal implica de certo modo a aversão do bem imutável e a conversão a um bem transitório, mas· de diferentes maneiras. Pois, os pecados opostos às virtudes teologais, como o ódio de Deus, o desespero e a infidelidade consistem principalmente na aversão do bem imutável, por terem essas virtudes Deus como objeto, E por consequência, tais pecados implicam a conversão a um bem transitório, pois a alma, abandonando a Deus, há de, consequente e necessariamente, voltar-se para outros objetos. Ao passo que os outros pecados consistem principalmente na conversão a um bem transitório; mas, por via de consequência, na aversão do bem imutável. Assim quem fornica não tem a intenção de separar-se de Deus, mas de gozar do prazer carnal, donde resulta o separar-se de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. – De dois modos pode um efeito resultar radicalmente da virtude. - Diretamente, por parte da virtude mesmo; assim, o ato procede do hábito. E deste modo, da virtude não pode radicalmente resultar nenhum pecado; sendo neste sentido o dito de Agostinho, que ninguém pode usar mal da virtude. - Doutro modo, um efeito resulta da virtude indireta ou ocasionalmente. E então, nada impede resulte um pecado de uma virtude; assim, certos se ensoberbecem com suas virtudes, conforme aquilo de Agostinho: A soberba arma ciladas às boas obras, para que pereçam. E neste sentido pode nascer o desespero, do temor de Deus ou do horror dos pecados próprios, por usarmos mal desses bens e tirarmos deles ocasião de desesperar.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os condenados não estão em condições de esperar, pela impossibilidade de voltarem à felicidade. Por isso, o não esperarem não lhes é imputado por culpa, mas constitui a danação mesma deles. Assim como também no estado da via não seria pecado desesperarmos do que não podemos ou não nos é devido alcançar. Tal o caso do médico que desesperasse da cura de um doente, ou de quem desesperasse poder possuir riquezas.

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