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Artigo 12 - Se a pobreza de espírito é a bem-aventurança correspondente ao dom do temor.

O duodécimo discute-se assim. – Parece que a pobreza de espírito não é a bem-aventurança correspondente ao dom do temor.

1. – Pois, o temor é o início da vida espiritual, como do sobredito resulta. Ora, a pobreza faz parte da perfeição da vida espiritual, conforme aquilo da Escritura. Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens e dá-o aos pobres. Logo, a pobreza de espírito não corresponde ao dom do temor.

2. Demais. – A Escritura diz: Traspassa com o teu temor as minhas carnes. Por onde se vê ser: próprio do temor reprimir a carne. Ora, parece, a beatitude a que pertence por excelência reprimir a carne, é a das lágrimas. Logo, esta bem-aventurança, mais que a da pobreza, corresponde ao dom do temor.

3. Demais. – O dom do temor corresponde à virtude da esperança, como já se disse. Ora, parece que à esperança corresponde sobretudo a última bem-aventurança, que é: Bem-aventurados os pacíficos, porque eles serão chamados filhos de Deus. Logo, essa bem-aventurança corresponde, mais que a pobreza de espírito, ao dom do temor.

4. Demais. – Como se disse ante, às bem-aventuranças correspondem os frutos. Ora, nenhum fruto corresponde ao dom do temor. Logo, também não lhe corresponde nenhuma das bem-aventuranças.

Mas, em contrário, Agostinho: O temor de Deus é próprio dos humildes, dos quais se diz: Bem-aventurados os pobres de espírito.

SOLUÇÃO. – Ao temor propriamente corresponde a pobreza de espírito. Pois, sendo próprio do temor filial prestar reverência e sujeição a Deus, o que resulta dessa sujeição pertence ao dom do temor. Porque, quem se submete a Deus deixa por isso mesmo de se magnificar em si próprio ou em qualquer outro ser que não seja Deus. O contrário repugnaria à perfeita submissão a Deus, conforme aquilo da Escritura: Estes confiam nas suas carroças e aqueles, nos seus cavalos; mas nós invocaremos o nome do Senhor nosso Deus. Por onde, quem teme a Deus perfeitamente, não procura, por consequência, magnificar-se em si mesmo, pela soberba, nem pelos bens exteriores das honras e das riquezas. Ora, o que faz agir de ambos esses modos é a pobreza de espírito, podendo esta ser entendida como um aniquilamento do espírito entumecido e soberbo, na interpretação de Agostinho; ou também como um desprezo dos bens temporais, causado pelo espírito, isto é, pela vontade própria, movida pelo Espírito Santo, segundo as interpretações de Ambrósio e Jerônimo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – ­Sendo a felicidade um ato de virtude perfeita, todas as bem-aventuranças pertencem à perfeição da vida espiritual. E o começo dessa perfeição parece realizar-se quando, tendendo à perfeita participação dos bens espirituais, desprezamos os bens da terra, assim como também o temor ocupa o primeiro lugar, entre os dons. Mas a perfeição não consiste no abandono mesmo dos bens temporais, que é somente uma via para a perfeição. Contudo o temor filial, a que corresponde a bem-aventurança da pobreza, subsiste mesmo com a perfeição da sabedoria, como já se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A magnificação indébita do homem, em si mesmo, ou nos outros seres, se opõe mais diretamente à submissão a Deus, causada pelo temor filial, do que a busca dos prazeres externos. Estes, porém se opõem ao temor pelas suas consequências. Pois, quem presta reverência e submissão a Deus, não se compraz em outras coisas, senão em Deus. Contudo, o prazer não implica a ideia de dificuldade, que caracteriza o objeto do temor, como o implica a magnificação de si próprio. E portanto, a bem-aventurança da pobreza corresponde ao temor diretamente, e a das lágrimas, consequentemente.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A esperança implica movimento relativamente ao termo para que tende. Mas o temor o implica sobretudo, relativamente ao ponto de partida, donde se afasta. Por isso a última bem-aventurança, termo da perfeição espiritual, corresponde propriamente à esperança, como objeto último da mesma. Ao passo que a primeira bem-aventurança, que implica o afastamento das coisas externas, obstáculos à submissão a Deus, corresponde propriamente ao temor.

RESPOSTA À QUARTA. – Os frutos, concernentes ao uso moderado ou à abstinência dos bens temporais parece convir ao dom do temor; tais são a modéstia, a continência e a castidade.

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