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Art. 10 – Se é louvável que alguém entre em religião sem ouvir o conselho de muitos e sem diuturna deliberação.

O décimo discute–se assim. – Parece que não é louvável alguém entrar em religião sem ouvir o conselho de muitos e sem diuturna deliberação.

1. – Pois, diz a Escritura: Não creiais a todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus. Ora, às vezes, o propósito de entrar em religião não vem de Deus e por isso frequentemente desaparece com a saída da mesma. Assim, diz a Escritura, noutro lugar: Se vem de Deus este conselho ou esta obra não o podereis dissolver. Logo, parece que só depois de um maduro exame deve um entrar em religião.

2. Demais. – A Escritura diz: Trata do teu negócio com o teu amigo. Ora, segundo parece, o negócio mais importante do homem é o que implica a mudança de estado. Logo, parece que ninguém deve entrar em religião senão depois de deliberar com os amigos.

3. Demais. – O Evangelho traz a comparação de um homem que queria edificar uma torre e que põe primeiro muito do seu vagar a fazer conta dos gastos que são necessários, para ver se tem com que acabar, para não se expor a que façam zombaria dele dizendo: este homem principiou o edifício e não no pôde acabar. Ora, os gastos para edificar uma torre, como diz Agostinho, não são outra coisa senão a renúncia que cada um deve fazer de todos os seus bens. Ora, pode suceder às vezes que muitos não o possam fazer, bem como não poderão suportar outras observâncias religiosas. E isso está figurado na Escritura quando diz, que Davi não podia vestir as armas de Saul por não estar acostumado a elas. Logo, parece que ninguém deve entrar em religião senão depois de feita uma diuturna deliberação e pedido o conselho de muitos.

Mas, em contrário, diz o Evangelho que, ao chamado do Senhor, Pedro e André, sem mais detença, deixadas as redes, o seguiram. O que comenta Crisóstomo: Cristo exige de nós uma tão grande obediência, que não procrastinemos nem um instante do tempo.

SOLUÇÃO. – A diuturna deliberação e o ouvir os conselhos de muito são necessários em matéria importante e duvidosa, como diz o Filósofo. Mas, em matéria certa e determinada, não há necessidade de conselho. Ora, em se tratando da entrada em religião três pontos se podem considerar. – Primeiro, o ingresso em religião é o melhor bem; e quem disso duvidar vai diretamente contra a palavra de Cristo, que o aconselhou. Por isso diz Agostinho: Chama–te o Oriente, isto é, Cristo e tu olhas para o Ocidente, para o homem mortal e inquinado de erro. – De outro modo podemos considerar o ingresso em religião relativamente às forças de quem nela pretende entrar. E nesse caso, também não há lugar para dúvidas; pois, os que entram em religião não confiam nas suas forças para nela perseverarem, mas no auxílio do poder divino, segundo aquilo da Escritura: Os que esperam no Senhor terão sempre novas forças, tomarão asas como de águia, correrão e não se fatigarão, andarão e não desfalecerão. Mas se houver algum impedimento especial, por exemplo, fraqueza do corpo ou ônus de dívidas ou obstáculo semelhante, há então necessidade de deliberação e de conselhos com aqueles de que se espera ajuda e não obstáculo. Por isso diz a Escritura: Vai tratar de santidade com um homem sem religião e com um injusto sobre a justiça, quase se dissesse: Não. Donde se segue: "Não atendas a estes em nenhum dos mencionados conselhos, mas acha–te de contínuo com o varão santo. No que, porém, não há necessidade de diuturna deliberação. Donde o dizer Jerónimo: Apressa–te, eu topeço; e antes corta que desata a corda que te prende a nau à terra. – Em terceiro lugar, podemos considerar o modo de entrar em religião, e em que religião se deva entrar. E, nessa matéria, pode–se também tomar conselho com aqueles que não sejam um impedimento.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Quando a Escritura diz – provai se os espíritos são de Deus – essas palavras se referem ao caso de ser duvidoso se o espírito é de Deus. Assim como pode ser duvidoso aos que já vivem numa religião se aqueles que se oferecem a ela são levados pelo Espírito de Deus ou se o fazem simuladamente. Por isso, devem provar o recém–vindo, para saberem se é movido pelo espírito divino. Mas, aquele que entra em religião não pode ser duvidoso se o propósito de nela entrar, que traz no coração, vem do Espírito de Deus, a que é próprio conduzir o homem à terra da retidão. Mas nem por isso fica demonstrado que não seja por inspiração de Deus, que certos retrocedem. Pois, nem tudo o que vem de Deus é incorruptível; do contrário as criaturas corruptíveis não viriam de Deus, como dizem os Maniqueus; e nem aqueles que têm a graça de Deus poderiam perdê–la – o que também é herético. Mas, o conselho de Deus é indissolúvel, pelo qual faz também as cousas corruptíveis e mutáveis, segundo aquilo da Escritura: O meu conselho subsistirá e toda a minha vontade se fará. Portanto, o propósito de entrar em religião não precisa de ser provado para se saber se vem de Deus, porque as coisas certas não precisam de discussão, no dizer da Glosa a um texto do Apóstolo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como a carne deseja contra o espírito, no dizer do Apóstolo, assim também frequentemente os amigos carnais são um obstáculo ao progresso espiritual, segundo aquilo da Escritura: Os inimigos do homem são os seus mesmos domésticos. Por isso Cirilo, expondo aquilo do Evangelho ­ Permite–me que me despida dos de minha casa – diz: O querer despedir–se dos de casa mostra estar dividido de certo modo; pois, comunicar ainda com os próximos e consultar os que não querem pensar com sabedoria, indica que quem o faz ainda está vacilante e capaz de retroceder. E por isso ouça as palavras do Senhor: Nenhum que mete a sua mão ao arado e olha para trás é apto para o reino de Deus. Pois, olha para trás quem a pretexto de tornar à casa e consultar os parentes, busca uma dilação.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A edificação da torre significa a perfeição da vida cristã. A renúncia aos bens próprios são os gastos com a edificação dela. Ora, ninguém duvida ou delibera se quer fazer os gastos, ou se, tendo meios, quer fazer a torre; mas, só é objeto de deliberação saber se se têm os meios. Semelhantemente, não pode constituir objeto de deliberação, o saber alguém se deve renunciar a tudo quanto possui ou se, assim agindo, poderá chegar à perfeição; mas pode ser objeto de deliberação o saber se o que faz é dar de mão a tudo o que possui; pois, se não der de mão, o que é o fazer gastos, não pode, como no mesmo lugar se diz, ser discípulo de Cristo, o que é o edificar a torre.

Quanto ao temor dos que duvidam se, entrando em religião, poderão chegar à perfeição, esse temor é irracional, como o prova o exemplo de muitos. E por isso diz Agostinho: Do lado para onde tinha dirigido os meus olhares e por onde tremia de passar, mostrava–se–me a doce majestade da continência, que com casto sorriso convidava–me a me aproximar sem temor; e estendia, para me receber e abraçar, suas piedosas mãos, cheias de sem número de bons exemplos. Aí, muitos jovens e donzelas, aí uma juventude numerosa e reunindo as mais diversas idades, graves viúvas e virgens encanecidas estimulavam–me com as suas doces exortações, como se dissessem: Não poderás tu o que estes e estas puderam? Porventura estes e estas o puderam pelas suas próprias forças ou pela graça do Senhor seu Deus? Por que te fechas em ti mesmo e de ti mesmo foges? Atira–te nos seus braços, não temas; não irá ele retirar–se para que tu caias; arroja–te a ele com confiança e ele te receberá e te salvará!

Quanto ao exemplo citado, de Davi, não vem a propósito. Porque as armas de Saul, como diz a Glosa, são os sacramentos da lei antiga, que eram um pesado fardo. Ora, a religião é o suave jugo de Cristo; pois, pergunta Gregório, que de pesado impõe à nossa alma aquele que nos manda evitar todo desejo que perturba e nos adverte a fugir todos os caminhos penosos deste mundo?

E esse suave jugo aos que o tomarem sobre os ombros o Senhor promete a felicidade de gozar a Deus e o sempiterno repouso da alma. A ela nos conduza o mesmo que nô–lo prometeu. NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, DEUS BENDITO SOBRE TODAS AS COISAS E POR TODOS OS SÉCULOS. AMÉM.

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