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Art. 3 – Se a perfeição desta vida está na observância dos preceitos ou se na dos conselhos.

O terceiro discute–se assim. – Parece que a perfeição desta vida não está na observância dos preceitos, mas na dos conselhos.

1. – Pois, diz o Senhor: Se queres ser perfeito vai, vende o que tens e dá–o aos pobres; depois vem e segue–me. Ora, isto é um conselho. Logo, a perfeição está na observância dos conselhos e não na dos preceitos.

2. Demais. – Todos estamos obrigados à observância dos preceitos, pois, são necessários à salvação. Se, portanto, a perfeição da vida cristã consistisse na observância dos preceitos, resultaria ser a perfeição necessária para a salvação e que todos deveriam tê–la. O que evidentemente é falso.

3. Demais. – A perfeição da vida cristã se funda na caridade, como se disse. Ora, a perfeição da caridade parece. não consistir na observância dos preceitos, pois, essa perfeição a precede o aumento e o começo da mesma, como está claro em Agostinho. Ora, a caridade não pode existir sem a observância dos preceitos, porque, como diz a Escritura, se alguém me ama guardará a minha palavra. Logo, a perfeição dá vida não se funda na observância dos preceitos mas, na dos conselhos.

Mas, em contrário, a Escritura: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração. E noutro lugar: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Ora, desses dois preceitos diz o Senhor: Destes dois mandamentos depende toda a lei e os profetas. Ora, a perfeição da caridade, que faz a perfeição da vida cristã, consiste em amarmos a Deus de todo o coração e ao próximo como a nós mesmos. Logo, parece que a perfeição consiste na observância dos preceitos.

SOLUÇÃO. – A perfeição de dois modos a dizemos consistir em alguma coisa: em si mesma e essencialmente, e secundária e acidentalmente.

Em si e essencialmente a perfeição da vida cristã consiste na caridade; mas, principalmente, no amor de Deus e, secundariamente, no amor do próximo; e tal é o objeto dos principais mandamentos da lei divina, como dissemos. Ora, o amor de Deus e o do próximo não constituem objeto de preceito só numa determinada medida, de modo que o excedente a essa medida seja matéria de conselho; e o demonstra a forma mesma do preceito, que revela a perfeição:

Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, pois, todo é o mesmo que perfeito, segundo o Filósofo. E quando a Escritura ordena amarás ao teu próximo como a ti mesmo, pois, é a nós mesmo a quem mais amamos. E isto é assim porque o fim do preceito é a caridade, como diz o Apóstolo. Ora, o fim não está sujeito a nenhuma medida, mas só os meios; assim, como ensina o Filósofo, o médico não usa de nenhuma medida para curar, mas só mede a qualidade do remédio e o uso da dieta que devem produzir a cura. Por onde é claro, que a perfeição consiste essencialmente na observância dos preceitos. Donde o dizer Agostinho: Por que pois não se imporia ao homem esta perfeição, embora ninguém nesta vida a realize?

Secundária, porém, e instrumentalmente a perfeição está na observância dos conselhos, que se ordenam todos, como os preceitos, para a caridade, mas de maneira diferente. Pois, os preceitos, que não os da caridade, ordenam–se a remover os obstáculos a ela contrários e com os quais a caridade não pode subsistir. Ao passo que os conselhos se ordenam a remover os impedimentos aos atos de caridade, mas que não lhe contrariam a ela, como o matrimônio, a ocupação com os negócios seculares e outros semelhantes. Donde o dizer Agostinho: Todos os preceitos divinos como este – não fornicarás; e tudo o que sem ser preceito nos é todavia aconselhado de maneira especial, como o aquilo ­ é bom ao homem não ter mulher, todos esses preceitos e conselhos nós os observamos retamente quando os referimos ao amor de Deus e do próximo, por causa de Deus, tanto neste como no futuro século. E por isso também diz o Abade Moisés: Os jejuns, as vigílias, a meditação das Escrituras, a nudez e a privação de todos os bens não constituem a perfeição, mas são apenas os instrumentos dela; pois, não é nessas práticas que consiste o fim da referida disciplina, que são somente os meios para chegarmos ao fim. E antes tinha dito, que nós nos esforçamos subindo por esses degraus, por chegar à perfeição da caridade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As palavras referidas do Senhor incluem uma parte que é como a via para a perfeição, e é quando diz – vai, vende o que tens e dá–o aos pobres. Outra mostra em que consiste a perfeição, quando acrescenta: Segue–me. Por isso diz Jerônimo, que não basta somente abandonar, mas Pedro acrescenta o que é perfeito quando diz ­ e nós te seguimos. Também Ambrósio assim comenta o dito – segue–me: Manda segui–lo não pelo andar do corpo, mas pelo aspecto da alma, o que se faz pela caridade. E assim, do modo mesmo de falar resulta, que os conselhos são uns instrumentos para chegarmos à perfeição. Tal o sentido da exortação: se queres ser perfeito vai, vende o que tens etc., quase dizendo: assim fazendo, chegarás ao fim.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz Agostinho, a perfeição da caridade é imposta ao homem nesta vida, pois, não correrá acertadamente quem não sabe para onde corre; e como o saberia se nenhuns preceitos lho mostrassem? Ora, o que cai sob o preceito pode ser cumprido de diversos modos. Por onde, não se torna transgressor do preceito quem não o cumpre do melhor modo possível, bastando que o cumpra de qualquer modo. Ora, a perfeição do amor divino cai universalmente sob o preceito, de modo que dele não fica excluída a perfeição da pátria, como diz Agostinho; e assim, não o transgride quem de qualquer modo atinge a perfeição do amor divino. – Ora, o ínfimo grau do amor divino consiste em não amarmos nada, mais que a Deus, ou contra ele ou tanto quanto a ele; e quem decai desse grau de perfeição de nenhum modo cumpre o preceito. – Mas há outro grau do perfeito amor, a que não podemos chegar nesta vida, como dissemos; e quem dele decai não é manifestamente transgressor do preceito. – E semelhantemente, não transgride o preceito quem não atinge os graus médios da perfeição, contanto que atinja o ínfimo.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O homem, desde que nasce e pela sua mesma natureza específica, já tem uma certa perfeição da natureza; mas também há outra perfeição a que chega pelo crescimento. Assim, há uma perfeição da caridade pertinente à espécie mesma da caridade, que nos leva a amar a Deus acima de tudo e não amar nada de contrário a ele; mas há também outra perfeição da caridade, mesmo nesta vida, a que chegamos crescendo espiritualmente, como quando nos abstemos mesmo das causas lícitas para vacarmos mais livremente ao serviço divino.

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