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Art. 2 – Se a vida ativa é mais meritória que a contemplativa.

O segundo discute–se assim. – Parece que a vida ativa é mais meritória que a contemplativa.

1. – Pois, o mérito supõe a recompensa. Ora, a recompensa é devida ao trabalho, segundo o Apóstolo: Cada um receberá a sua recompensa particular segundo o seu trabalho. Ora, da vida ativa é próprio o trabalho; da contemplativa, porém, o repouso. Assim, diz Gregório: Todo o que se converte para Deus há de primeiro suar no trabalho, isto é, receber Lia, para depois, unindo–se com Raquel, subir à contemplação do principio. Logo, a vida ativa é mais meritória que a contemplativa.

2. Demais. – A vida contemplativa é um começo da felicidade futura. Por isso, aquilo de João – Eu quero que ele fique assim até que eu venha – diz Agostinho: A explicação clara desse lugar é – que a ação perfeita me siga, já formada pelo exemplo da minha paixão; que a contemplação ainda imperfeita permaneça até que eu venha e então ela será consumada. E Gregório diz, que a contemplação começa nesta vida e se consuma na pátria celeste. Ora, na vida futura já não é o tempo de merecer mas o de receber a paga do merecimento. Logo, a vida contemplativa parece menos meritória que a ativa, mas é mais digna de prêmio.

3. Demais. – Gregório diz: Nenhum sacrifício é mais agradável a Deus que o zelo das almas. Ora, o zelo das almas supõe que nos aplicamos à vida ativa. Logo, parece que a vida contemplativa não é mais meritória que a ativa.

Mas, em contrário, Gregório diz: Grandes são os méritos da vida ativa, mas são maiores os da contemplativa.

SOLUÇÃO. – A raiz do mérito é a caridade, como estabelecemos. Ora, consistindo a caridade no amor de Deus e do próximo, segundo mostramos, amar a Deus é em si mesmo mais meritório que amar o próximo, como do sobredito se colige. Por onde, o que pertence mais diretamente ao amor de Deus é mais meritório, no seu género, do que o que diretamente pertence ao amor do próximo por amor de Deus. Ora, a vida· contemplativa tem por objeto direto e imediato o amor de Deus; pois, diz Agostinho, o amor da verdade divina, objeto por excelência da vida contemplativa, segundo dissemos, requer a santa quietude da contemplação. Ao passo que a vida ativa se ordena mais diretamente ao amor do próximo, pois, anda toda afadigada na contínua lida da casa, como diz o Evangelho. Por isso, genericamente, a vida contemplativa é mais meritória que a ativa. E é o que diz Gregório: A contemplativa é mais meritória que a ativa, pois, esta trabalha em utilidade da vida presente, em que nos é forçoso socorrer ao próximo, ao passo que aquela desde já goza com um prazer intimo o descanso futuro, isto é, da contemplação de Deus.

Pode porém se dar que um mais mereça pela sua vida ativa do que outro pela contemplativa. Por exemplo, se pela riqueza do amor para com Deus e para lhe cumprir assim a vontade, ou para maior glória divina, consentir em privar–se temporariamente das doçuras da contemplação divina. Assim, o Apóstolo dizia: Eu mesmo desejará ser anátema por Cristo por amor de meus irmãos. Expondo o que, diz Gregório: O amor de Cristo lhe invadira a tal ponto a alma, que até isso mesmo, que lhe era mais agradável que tudo – o estar com Cristo, ele desprezara por amor a Cristo.

DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O trabalho externo contribui para o aumento do prémio acidental. Ora, o aumento do mérito em relação ao premio essencial se funda principalmente na caridade. E dela um sinal é o trabalho exterior suportado por amor de Cristo. Mas sinal da mesma, muito mais expressivo é o nos comprazermos em vacar à só contemplação divina, preterindo tudo o que pertence a esta vida.

RESPOSTA À SEGUNDA. – No estado da felicidade futura o homem chega à perfeição; por isso já não há lugar de aperfeiçoar–se pelo mérito. Se, porém o houvesse, o mérito torná–lo–á mais eficaz à caridade maior. Ora, a contemplação da vida presente, sendo acompanhada de imperfeição, deixa ainda lugar para o aperfeiçoamento. Por isso não exclui a capacidade de merecer, mas torna maior o mérito com o exercício mais intenso da caridade divina.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Oferecemos um sacrifício espiritual a Deus quando lhe consagramos alguma causa. Ora, entre todos os bens do homem, o que mais lhe agrada quando oferecido como sacrifício é o bem da alma. Assim, devemos oferecer a Deus, primeiro, a nossa alma, conforme a Escritura: Tem piedade com a tua alma, fazendo–te agradável a Deus. Segundo, as almas dos outros, segundo ainda a Escritura: O que ouve diga – vem. E quanto mais estreitamente unirmos a Deus a nossa alma ou a do próximo, tanto mais agradável será a Deus o sacrifício. Por onde, mais agradável lhe é aplicarmos a nossa alma ou a de outrem à contemplação que à ação. Quanto ao dito – nenhum sacrifício é mais agradável a Deus que o zelo das almas – ele não implica a preferência do mérito da vida ativa ao da vida contemplativa; mas mostra ser mais meritório oferecermos a Deus a nossa alma e a dos outros, do que quaisquer bens exteriores.

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