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Art. 1 – Se a profecia pode ser natural.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a profecia pode ser natural.

1. – Pois, com diz Gregório, às vezes as almas preveem certos acontecimentos, pela força da sua penetração. E Agostinho nota, que as alma humana, quando separada dos sentidos do corpo, pode desvendar o futuro. Ora, isto constitui a profecia. Logo, a alma pode naturalmente profetizar.

2. Demais. – O conhecimento da alma humana se exerce, antes, na vigília, que no sono. Ora, dormindo, certos naturalmente desvendam certos futuros, como está claro no Filósofo. Logo, com maior razão, o homem pode naturalmente prever os futuros.

3. Demais. – O homem é, por natureza, superior aos brutos. Ora, certos brutos têm a previsão de futuros a eles concernentes; assim, as formigas preveem as chuvas futuras, e o demonstra o fato de começarem, antes de chover, a enceleirar grãos nas suas covas; semelhantemente, os peixes preveem as tempestades futuras, como se conclui dos movimentos, que fazem, desviando–se dos lugares tempestuosos. Logo, com maior razão, os homens podem naturalmente prever o futuro a ele concernentes, o que constitui a profecia, Logo, profetizar é natural.

4. Demais. – A Escritura diz: Quando falta a profecia, dissipar–se–á o povo; por onde é claro, que a profecia é necessária à conservação dos homens. Ora, a natureza não falha em matéria necessária. Logo, parece natural a profecia.

Mas, em contrário, a Escritura: Porque em nenhum tempo foi dada a profecia pela vontade dos homens; mas os homens santos de Deus é que falaram inspirados pelo Espírito Santo. Logo, a profecia não é natural, mas um dom do Espírito Santo.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, a previsão profética pode desvendar o futuro, de dois modos: em si mesmo ou nas suas causas. – Desvendar os futuros em si mesmos é próprio da inteligência divina, a cuja eternidade todas as coisas estão presentes, como dissemos na Primeira Parte. Por onde, tal previsão dos futuros não pode provir da natureza, mas só, da revelação divina.

Mas, nas suas causas, os futuros podem ser previstos, por conhecimento natural, mesmo do homem; assim, o médico prevê a saúde ou a morte futuras em certos casos por ter previsto experimentalmente o ordenar–se deles para tais efeitos. Ora, essa previsão dos futuros podemos admitir que o homem a tem da natureza, de dois modos. – Primeiro, por poder a alma, pelo que em si mesma é, prever imediatamente os futuros. Por isso, como diz Agostinho, certos ensinaram, que a alma humana tem por si mesma a faculdade de adivinhar. O que concorda com o sentir de Platão, quando ensinou, que a alma tem conhecimento de todas as coisas, por participação das ideias, embora esse conhecimento nela fique obnubilado, pelo conhecimento do corpo, mais em uns, menos em outros, segundo a pureza diversa dos seus corpos. E assim, pode–se dizer, que os homens, cujas almas não estão muito entenebrecidas pela união com o corpo. podem prever tais futuros por ciência própria. Mas, contra essa opinião objeta Agostinho: Por que não pode ter a alma a faculdade de adivinhar sempre que quiser?

Por onde, sendo mais verdadeira a opinião de Aristóteles, pela qual a alma tira o seu conhecimento, das cousas sensíveis, como dissemos na Primeira Parte, melhor se dirá, de outro modo, que os homens não têm o conhecimento de tais futuros, mas podem adquiri–lo por via experimental, no que são ajudados pela disposição natural, dependente da perfeição da faculdade imaginativa e da clareza da inteligência.

E contudo, essa previsão dos futuros depende da primeira, oriunda da revelação divina, de dois modos. Primeiro, porque pela primeira se pode prever quaisquer eventos e infalivelmente. Ao passo que a previsão, que podemos naturalmente ter, só versa sobre certos efeitos, a que pode estender–se a experiência humana. – Segundo, porque a primeira espécie de profecia se baseia na verdade imóvel; não porém a segunda, que é susceptível de falsidade.

Ora, a previsão da primeira espécie constitui propriamente a profecia; mas não, a segunda, porque, como dissemos, o conhecimento profético tem por objeto o que naturalmente sobreexcede o conhecimento humano. Donde devemos concluir, que a profecia absolutamente falando, não pode provir da natureza, mas só da revelação divina.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A alma, separada do mundo dos corpos, torna–se mais apta para perceber o influxo das substâncias espirituais; e também para perceber os movimentos subtis, produzidos na imaginação humana por impressão de causas naturais, de perceber os quais fica a alma impedida, quando dominada pelas coisas sensíveis. Por isso, diz Gregório, que a alma, quando se abeira da morte, prevê certos futuros pela penetração da sua natureza, isto é, porque percebe as mínimas impressões. – Ou também conhece os futuros pela revelação angélica. Mas não, por virtude própria; pois, como ensina Agostinho, se assim o fosse, estaria sempre no seu poder desvendar o futuro, todas as vezes que quisesse, o que é evidentemente falso.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A previsão do futuro, durante o sono, é ou pela revelação das substâncias espirituais, ou por uma causa corpórea, como dissemos quando tratámos da adivinhação. Ora, uma e outra ação pode manifestar–se melhor nós adormecidos do que nos acordados; porque a alma do acordado, dominada pelos sensíveis externos, é menos apta para receber as impressões subtis quer das substâncias espirituais, quer mesmo das coisas naturais. Quanto porém à perfeição do juízo, a razão vigora mais no acordado que no adormecido.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Mesmo os brutos não têm previsão dos eventos futuros senão enquanto eles podem ser conhecidos nas suas causas. Estas movem–lhes a fantasia, mais que no homem; porque as fantasias deste, sobretudo no estado de vigília, dispõem–se mais de conformidade como a razão, do que por impressão de causas naturais. Ora, a razão causa muito mais abundantemente no homem o que causa nos brutos a impressão das causas naturais. E além disso, o homem é ajudado pela graça divina, inspiradora dos profetas.

RESPOSTA À QUARTA. – O lume profético alcança também a direção dos atos humanos. E assim, a profecia é necessária ao governo do povo. Sobretudo em relação ao culto divino, para o qual não basta a natureza, sendo necessária a graça.

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