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Art. 2 – Se o vício da curiosidade respeita o conhecimento sensível.

O segundo discute–se assim. – Parece que o vicio da curiosidade não respeita o conhecimento sensível.

1. – Pois, assim como conhecemos certas coisas pelo sentido da vista, assim, conhecemos certas outras pelos sentidos do tato e do gosto. Ora, o vício da curiosidade não recai sobre o que constitui objeto do tacto e do gosto, pois, sobre isso recaem, antes, os vícios da luxúria e da gula. Logo, parece que nem sobre o que conhecemos pela vista recai o vício da curiosidade.

2. Demais. – A curiosidade parece consistir na assistência aos divertimentos; dizendo por isso Agostinho: Como, pela queda de um lutador, um imenso clamor de todo o povo o agitasse violentamente, Alípio, vencido pela curiosidade, abriu os olhos. Ora, assistir aos jogos não parece vício, pois, essa assistência torna–se agradável por causa da representação, em que o homem naturalmente se compraz, como diz o Filósofo. Logo, o vício da curiosidade não respeita o conhecimento das causas sensíveis.

3. Demais. – Parece que a curiosidade consiste em examinar os atos do próximo, como diz Beda. Ora, examinar os atos dos outros não parece vicioso; pois, na expressão da Escritura, Deus ordenou, que cada um deles tivesse cuidado do seu próximo. Logo, o vício da curiosidade não consiste nos conhecimentos de fatos sensíveis particulares.

Mas, em contrário, Agostinho diz que a concupiscência dos olhos torna os homens curiosos. Pois, como diz Beda, a concupiscência dos olhos não está só em aprender as artes mágicas, mas também em assistir aos espetáculos e em esmerilhar e dissecar os vícios dos próximos, o que constitui sensíveis particulares. Ora, sendo a concupiscência dos olhos um vício, assim como a soberba da vida e a concupiscência da carne, da qual aquela se separa, parece versar o vício da curiosidade sobre o conhecimento dos sensíveis.

SOLUÇÃO. – O conhecimento sensível tem dupla finalidade. Assim, tanto no homem como nos brutos, se ordena ao sustento do corpo; pois, por esse conhecimento, os homens e os brutos evitam o que lhes é nocivo e apreendem o necessário ao sustento do corpo. Além disso, especialmente no homem, o conhecimento sensível se ordena ao intelectual, especulativo ou prático.

Por onde, empregar estudo em conhecer as causas sensíveis pode ser vicioso, de dois modos. – Primeiro, se o conhecimento sensível não se ordena a nada de útil, mas, ao contrário desvia o homem de alguma útil consideração. Por isso, diz Agostinho: Nenhuma atenção dou ao cão que no circo persegue uma lebre. Mas, se esse espetáculo me atingisse por acaso a vista, ao passar por um campo, desviar–me–ia de algum grande pensamento e para ele me atrairia a atenção; e se não me advertísseis e não me fizésseis logo ver a minha fraqueza, eu me deixaria me levar por essa futilidade. – Segundo, se o conhecimento sensível se ordena a um mau fim: assim olhar para uma mulher se ordena à concupiscência: e o exame atento do que fazem os outros se ordena à detração.

Mas, quem busca ordenadamente o conhecimento sensível, pela necessidade de sustentar a natureza, ou pelo estudo de compreender a verdade pratica uma estudiosidade virtuosa em matéria de conhecimento sensível.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A luxúria e a gula versam sobre os prazeres, que supõem o uso de coisas tangíveis. Ao passo que a curiosidade versa sobre o prazer resultante do conhecimento de todos os sensíveis. E se chama concupiscência dos olhos, por serem dentre os sentidos, os olhos, sobretudo os que conhecem; donde vem o dizermos, que todos os sensíveis são vistos, como escreve Agostinho. E acrescenta ainda ele, no mesmo lugar, o seguinte: Donde se discerne com grande evidência o que, nos sentidos, pertence à volúpia e à curiosidade; pois, a primeira busca o belo, o suave, o sonoro, o saboroso, o que é agradável ao tato; ao passo que a curiosidade busca mesmo as coisas contrárias, não para as sofrer; mas, pelo desejo de experimentar e de saber.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A assistência aos espetáculos torna–se viciosa, quando nos inclina aos vícios da lascívia ou da crueldade, por causa do que neles se representa. Por isso, diz Crisóstomo, serem tais espetáculos os que fazem os adúlteros e os impudicos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Dar atenção aos atos dos outros com a boa intenção da nossa utilidade própria, para nos tornarmos melhores pelas boas obras do próximo; ou ainda para a utilidade dele, para que se corrija, do em que porventura procede mal pelas exigências da caridade ou do nosso dever, é louvável, segundo aquilo do Apóstolo: Considerai–vos uns aos outros para vos estimulardes à caridade e às boas obras. Mas, quem se puser a examinar os vícios dos próximos, para desprezá–los, detraí­los ou, pelo menos, para inutilmente os inquietar, procede viciosamente. Por isso, diz a Escritura: Não armes traição ao justo e não andes buscando a impiedade na sua casa, nem perturbes o seu repouso.

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