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Art. 2 – Se as penas particulares dos nossos primeiros pais estão convenientemente determinadas na Escritura.

O segundo discute–se assim. – Parece que as penas particulares dos nossos primeiros pais estão inconvenientemente determinadas na Escritura.

1. – Pois, não deve ser considerada como pena do pecado o que existiria mesmo sem ele. Ora, as dores do parto, parece que existiriam, mesmo sem o pecado; pois, a disposição do sexo feminino exige que a prole não possa nascer, sem as dores da parturiente. Semelhantemente, também a sujeição da mulher ao marido resulta da perfeição do sexo masculino e da imperfeição do feminino. E, ainda, a produção de espinhos e abrolhos resulta da natureza da terra e ter–se–ia dado mesmo sem o pecado. Logo, não são essas as penas convenientes ao primeiro pecado.

2. Demais. – O que pertence à dignidade de alguém não se lhe pode atribuir como pena. Ora, a multiplicação dos filhos pertence à dignidade da mulher. Logo, não se lhe deve irrogar como pena.

3. Demais. – A pena do pecado dos nossos primeiros pais se transmitiu a todos, como dissemos em relação à morte. Ora, nem todas as mulheres têm partos multiplicados; nem todos os homens ganham o pão com o suor do seu rosto. Logo, essas não são penas convenientes do primeiro pecado.

4. Demais. – O lugar do Paraíso foi feito pua o homem. Ora, nada deve ser vão na ordem das causas. Logo, parece não ter sido uma pena conveniente ao homem o ter sido excluído do Paraíso.

5. Demais. – Desse lugar do Paraíso terrestre se diz, que é em si mesmo inacessível. Logo, em vão se puseram outros obstáculos a que o homem voltasse para ele, a saber, um querubim com uma espada de fogo e versátil.

6. Demais. – O homem, depois do pecado, foi logo sujeito à necessidade de morrer, e assim, não podia recuperar a imortalidade pela virtude da árvore da vida. Logo, em vão lhe foi proibido comer do fruto dessa árvore, como se lê na Escritura: Vede não suceda tome da árvore da vida e viva eternamente.

7. Demais. – Insultar um miserável repugna à clemência e à misericórdia, as quais a Escritura atribui por excelência a Deus, quando diz: As suas misericórdias são sobre todas as suas obras. Logo, a Escritura diz inconvenientemente que Deus insultou os nossos primeiros pais, já dignos de misericórdia por causa do pecado: Eis aí está feito Adão como um de nós, conhecendo o bem e o mal.

8. Demais. – A necessidade impõe ao homem o vestuário, como o alimento, segundo o Apóstolo: Tendo com que nos sustentarmos e com que nos cobrirmos, contentemo–nos com isto. Logo, como a comida foi dada aos nossos primeiros pais, antes do pecado, também o vestuário devia tê–lo sido. Logo, inconvenientemente se diz, que depois do pecado Deus lhes fez umas túnicas de peles.

9. Demais. – A pena infligida a um pecado deve causar mais mal do que o proveito que o pecador auferiu do pecado, do contrário a pena não afastaria ninguém de pecar. Ora, os nossos primeiros pais conseguiram, pelo pecado, que os olhos se lhe abrissem, como se lê na Escritura. Ora, isto sobrepuja como bem, a todos os males penais infligidos como consequência do pecado. Logo, a Escritura enumera inconvenientemente as penas consequentes ao pecado dos nossos primeiros pais.

Em contrário é, que tais penas foram divinamente determinadas por Deus, que tudo faz com medida, peso e número, no dizer da Escritura.

SOLUÇÃO. – Como dissemos os nossos primeiros pais, pelo seu pecado, ficaram privados do benefício divino, que preservava neles a integridade da natureza humana; e essa privação fê–las sofrer certos castigos penais. E por isso foram punidos duplamente. –– Primeiro, porque perderam o que lhes cabia pela integridade do estado, a saber, o lugar do Paraíso terrestre, o que a Escritura assim significa: E o Senhor Deus o lançou fora do Paraíso de delícias. E como, por si mesmo, não podia o homem voltar a esse estado da pristina inocência, convenientemente se lhe puseram obstáculos, afim de não tornar a obter o que lhe cabia, no estado primeiro, a saber, a comida, para que não suceda que tome da árvore da vida; e o lugar, e, por isso, pôs Deus diante do Paraíso um querubim com uma espada de fogo. – Em segundo lugar, foram punidos por lhes ter sido atribuído o que convém à natureza destituída de um tal benefício. E isto quanto ao corpo e quanto à alma.

Quanto ao corpo, ao qual respeita a diferença dos sexos, uma foi a pena atribuída à mulher e outra, ao homem. – À mulher foi infligida a pena quanto aos dois laços, que a prendem ao homem, a saber, a geração da prole e a comunidade das obras relativas à vida doméstica. Quanto à geração da prole, foi duplamente punida. Primeiro, pelos sofrimentos, que padece durante a gestação, e que a Escritura exprime quando diz: Eu multiplicarei os teus trabalhos e os teus partos. E no concernente às dores, que sofre no parto, a que se refere o texto, quando diz – Tu em dor parirás. Quanto à vida doméstica, foi punida por ter sido sujeita à dominação do homem, o que assim refere a Escritura: Estarás sob o poder de teu mando. – Mas, assim como cabe à mulher estar sob o poder do homem, no que respeita à convivência doméstica, assim é a obrigação do homem grangear o necessário à vida. E, por aqui, foi triplicemente punido. Primeiro, pela esterilidade da terra, o que exprimem as palavras: A terra será maldita na tua obra. Segundo. pelo sofrimento do trabalho, sem o qual não colhe os frutos da terra, segundo refere o texto: Tu tirarás o teu sustento dela com muitas fadigas, todos os dias da tua vida. Terceiro, pelos obstáculos, que a terra impõe aos que a cultivam, o que a Escritura assim exprime: Ela te produzirá espinhos e abrolhos.

Semelhantemente, no concernente à alma, a Escritura descreve a tríplice pena dos nossos primeiros pais. – A primeira relativa à confusão que sofreram, pela rebelião da carne contra o espírito, expressa pelas palavras: Abriram–se­lhes os olhos a ambos e conheceram que estavam nus. – A segunda estava na increpação da própria culpa, conforme o relata a Escritura: Eis – aí está feito Adão como um de nós. ­ A terceira consistiu na lembrança da morte futura, segundo o que lhes foi anunciado: Tu és pó e em pó te hás de tornar. No que também se inclui o lhes ter Deus feito umas túnicas de pele, símbolo da mortalidade deles.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – No estado de inocência o parto não teria sido acompanhado de dores. – Assim, diz Agostinho: Então, para dar à luz, à mulher se lhe abririam as vísceras, não os gemidos da dor, mas o impulso da maturidade; assim como também para fecundar e conceber não seria o apetite libidinoso, mas antes, o uso voluntário, que teria unido a natureza dos sexos. – Quanto à sujeição da mulher ao marido, deve ela ser entendida como uma pena infligida à mulher. Não quanto ao regime de vida, porque mesmo antes do pecado, o marido seria o chefe da mulher e seu governador; mas, porque, atualmente, a mulher há de necessariamente obedecer à vontade do marido, mesmo contra a vontade dela. – Quanto aos espinhos e abrolhos produzidos pela terra, eles teriam servido, sem o pecado do homem, ao alimento dos animais e não de pena para ele; porque poderiam então esses abrolhos nascer sem deles advir nenhum sofrimento ou castigo para o homem, que trabalhava a terra, como ensina Agostinho. Embora Alcuíno diga que, antes do pecado, a terra de nenhum modo produzia espinhos e abrolhos. Mas; é preferível a primeira opinião.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O multiplicar–se das concepções foi infligido como pena à mulher, não quanto à procriação mesma da prole, que se daria antes do pecado; mas, por causa da multidão das aflições sofridas pela mulher durante a gestação. Por isso, a Escritura sinaladamente acrescenta: Eu multiplicarei os teus trabalhos e os teus partos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – As referidas penas de certo modo atingem a todas. Pois, toda mulher, que concebe, há de necessariamente padecer trabalhos e ter parto com dores; salvo a Bem–aventurada Virgem, que concebeu sem pecado e pariu, sem dores; por não ter sido a sua concepção conforme à lei da natureza derivada dos nossos primeiros pais. A mulher, ao contrário, que não concebe nem pare, sofre o defeito da esterilidade, preponderante ainda às penas referidas. Semelhantemente, também todo o que cultiva a terra há de necessariamente comer o pão com o suor do seu rosto; e os que não exercem a agricultura, ocupam–se com outros trabalhos; pois, o homem nasce para o trabalho, como diz a Escritura; e assim, estes últimos comem o pão preparado pelos que suaram nesse labor.

RESPOSTA À QUARTA. – Aquele local do Paraíso terrestre, embora já não servisse ao homem para uso, servia–lhe contudo de documento, fazendo–lhe conhecer que desse lugar ficou privado por causa do seu pecado. E também porque as coisas, que corporalmente existiam nesse Paraíso, advertem–no do que existe no Paraíso celeste, a entrada no qual Cristo preparou ao homem.

RESPOSTA À QUINTA. – Salvos os mistérios do sentido espiritual, o local do Paraíso é sobretudo inacessível, por causa da violência dos calores nos lugares intermediários, provenientes da proximidade do sol. E isto a Escritura o significa pela espada de fogo, chamada versátil por causa da propriedade do movimento circular, causa dos referidos calores. E como o movimento da criatura corporal é disposto pelo ministério dos anjos, como está claro em Agostinho, convenientemente se acrescentou à espada versátil um Querubim para guardar o caminho da árvore da vida. Por isso Agostinho diz: Devemos crer que foi pelo ministério das potestades celestes, que o Paraíso terrestre foi defendido por uma guarda de fogo.

RESPOSTA À SEXTA. – O homem, se depois do pecado tivesse comido do fruto da vida, nem por isso teria recuperado a imortalidade; mas, pelo benefício desse fruto, poderia ter prolongado mais a vida. Por isso, quando a Escritura diz – E viva eternamente – aí se entende eternamente por diuturnamente. Mas, não convinha ao homem permanecer mais longo tempo na Miséria desta vida.

RESPOSTA À SÉTIMA. – Diz Agostinho: Essas palavras de Deus não constituíam tanto um insulto nos nossos primeiros pais, mas foram, antes, escritas para infundir nos outros homens o horror da soberba; e isso porque não somente Adão não se tornou no que queria, mas riem ainda se conservou no estado em que tinha sido feito.

RESPOSTA À OITAVA. – As roupas são necessárias ao homem, no estado da miséria presente, por duas razões. Primeiro, para proteger–se contra as injúrias externas, por exemplo, as intempéries do calor e do frio. Segundo, para cobrir a sua ignomínia e não expor a vergonha dos membros em que sobretudo se revela a rebelião da carne contra o espírito. Ora, estas duas coisas não existiam no estado primitivo, porque, então, o corpo do homem não podia sofrer nenhum mal extrínseco, como se disse na Primeira Parte. Nem havia, nesse primeiro estado, nenhuma vergonha no corpo humano, que causasse confusão; por isso, diz a Escritura: Ora, Adão e sua mulher estavam ambos nus e não se envergonhavam. – Mas, outra coisa se dá com o alimento, necessário para fomentar o calor natural e o crescimento do corpo.

RESPOSTA À NONA. – Como ensina Agostinho, não devemos crer tivessem sido os nossos primeiros pais criados com os olhos fechados. Sobretudo, que a Escritura diz, da mulher, que viu que a árvore era boa para comer e formosa. E assim abriram–se–lhes os olhos a ambos para ver e cogitar o em que não tinham antes advertido isto é, para ter um concupiscência do outro, o que antes não acontecia.

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