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Art. 4 – Se Gregório assinala convenientemente quatro espécies de soberba.

O quarto discute–se assim. – Parece que Gregório assinala inconvenientemente quatro espécies de soberba, quando diz o seguinte: São quatro, pois, as espécies, que revelam todas as formas de auto–exaltação dos arrogantes: uma consiste em pensarem que tem de si mesmos os seus bens; ou, se creem que lhes foi dado do alto, julgam tê–los recebido em virtude dos seus próprios méritos; outra consiste em se jactarem de ter o que não têm e enfim, a última consiste em desprezarem os outros e desejarem que estes considerem singulares os dons, que possuem.

1. – Pois, a soberba é um vício distinto da infidelidade, assim como a humildade é virtude distinta da fé. Ora, é por infidelidade que pensamos não vir de Deus o bem que temos, ou que temos o bem da graça pelos nossos méritos próprios. Logo, esse procedimento não deve ser considerado como uma espécie de soberba.

2. Demais. – Uma mesma causa não deve ser considerada espécie de gêneros diversos. Ora, a jactância é considerada uma espécie de mentira, como já se estabeleceu. Logo, não deve ser tida como espécie de soberba.

3. Demais. – Parece que há outras espécies de soberba não incluídas na enumeração supra. Assim, Jerônimo diz, que nada manifesta tanto a soberba como o sermos ingrato. E Agostinho diz que é próprio da soberba escusarmo–nos do pecado cometido. E também a presunção, que nos leva a buscar o que nos excede a capacidade, pertence por excelência à soberba. Logo, a referida divisão não compreende suficientemente as espécies de soberba.

4. Demais. – Há outras divisões da soberba. Assim, Anselmo divide a exaltação da soberba, dizendo que uma pertence à vontade, outra à palavra, outra aos atos. E Bernardo também enumera doze graus de soberba, que são: a curiosidade, a leviandade de espírito, a alegria estulta, a jactância, a singularidade, a arrogância, a presunção, a desculpa dos pecados, a confissão simulada, a rebelião, a liberdade, o hábito de pecar. Ora, essas espécies não parece compreendidas nas assinaladas por Gregório. Logo, parece inconvenientemente feita a enumeração delas.

Em contrário, basta a autoridade de Gregório.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, a soberba implica o desejo imoderado a própria excelência, isto é, em desacordo com a razão reta. Ora, devemos notar, que roda excelência resulta de algum bem possuído. O que de três modos pode dar–se.

Primeiro, quanto ao bem em si mesmo considerado. Pois, como é manifesto, quanto maior bem tivermos, tanto maior excelência conseguiremos. Por isso, se nos atribuímos um bem maior que o nosso, consequentemente o nosso apetite há de buscar a nossa excelência própria mais do que ela realmente nos compete. E essa é a terceira espécie de soberba, pela qual nos jactamos de ter o que não temos.

Segundo, quanto à causa do bem; isto é, enquanto é mais excelente o bem possuído, quando provém de nós mesmo que quando em nós provém de outrem. Por onde, quando consideramos como tendo por nós mesmo o que na realidade temos de outrem, o apetite é levado a buscar a nossa excelência própria, mais do que nos é conveniente. Ora, de dois modos, podemos ser a causa de um bem nosso: eficiente e meritoriamente. Donde resultam as duas primeiras espécies de soberba, consistindo uma em nos atribuirmos a nós mesmo o que recebemos de Deus; e a outra, em pensarmos que, pelos nossos méritos próprios é que recebemos do alto esse bem.

Terceiro, quanto ao modo de o possuirmos; assim, tanto mais excelente nos tornamos quanto mais excelente que o de outrem é o nosso bem. Donde resulta também, que o nosso apetite é levado a buscar desordenadamente a nossa excelência própria. E daí procede a quarta espécie de soberba, consistente em querermos nos considerar, com o desprezo dos outros, como possuidores de um bem singular.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ A verdadeira estima de nós mesmo pode corromper–se de dois modos. – Primeiro, universalmente. E então, em matéria de fé, a verdadeira estima de nós mesmo se corrompe pela infidelidade. – De outro modo, na eleição particular de um ato. Assim, quem fornica julga que, ao praticar esse ato, lhe é um bem a fornicação. E é também o que passa no caso proposto. Pois, constitui uma infidelidade dizer, em geral, haver bens não provenientes de Deus, ou que a graça é dada aos homens pelo mérito deles. Mas, constitui soberba e não infidelidade, propriamente falando, o nos gloriarmos, por um apetite desordenado da nossa excelência própria, dos nossos bens, como se de nós mesmo os tivéssemos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A jactância é considerada como uma espécie de mentira, quanto ao ato exterior, pelo qual falsamente nos atribuímos o que não temos. Mas, pela arrogância interior do coração, Gregório a considera parte da soberba.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Ingrato é quem a si mesmo se atribui o que recebeu de outrem. Por isso, as duas primeiras espécies de soberba pertencem à ingratidão. – Quanto a nos escusarmos do pecado cometido, isso pertence à terceira espécie, pois, assim, nós nos atribuímos o bem da inocência, que não temos. – E o buscarmos presunçosamente o que está acima das nossas forças, isso sobretudo se inclui na quarta espécie, pela qual pretendemos ser superior aos outros.

RESPOSTA À QUARTA. – As três divisões de Anselmo se fundam no progresso do pecado que cometemos; o qual, primeiro, é concebido no coração; segundo, expresso por palavras; terceiro consumado por obras. – E quanto aos doze graus de Bernardo, eles se fundam na oposição, que tem com os doze graus de humildade, de que tratámos acima. – Pois, o primeiro grau de humildade consiste em mostrarmos sempre a humildade de coração e de corpo, tendo os olhos fixos no chão. Ao que se opõe a curiosidade, que nos faz olhar por toda parte, curiosa e desordenadamente. – O segundo grau de humildade está em falarmos pouco e sensatamente, com voz baixa. Ao que se opõe a leviandade de espírito, pelo qual falamos com palavras soberbas. – O terceiro grau de humildade é não sermos de riso fácil e pronto. Ao que se opõe a alegria estulta. – O quarto grau de humildade é conservarmo–nos calados enquanto não formos interrogados. Ao que se opõe a jactância. – O quinto grau de humildade é observar o determinado pelas regras comuns do mosteiro. Ao que se opõe a Singularidade, que nos leva a querermos aparecer aos outros mais santos do que somos. – O sexto grau de humildade é crermo–nos e nos proclamarmos como inferiores a todos. A que se opõe a arrogância, pela qual nós nos julgamos superior aos outros. – O sétimo grau de humildade é confessarmo–nos e crermo–nos inúteis para tudo e de tudo indigno. Ao que se opõe a presunção, pela qual nos julgamos capaz das maiores coisas. – O oitavo grau de humildade é a confissão dos pecados. A que se opõe a nos escusarmos deles. – O nono grau de humildade é sofrer com paciência as durezas e as asperidades. A que se põe a confissão simulada pela qual não queremos sofrer as penas pelos pecados simuladamente confessados. ­ O décimo grau de humildade é a obediência. A que se opõe a revolta. – O undécimo grau de humildade consiste em não nos comprazermos em fazer a nossa vontade própria. A que se opõe a liberdade, pelo qual nos comprazemos em fazer livremente o que queremos. – O último grau de humildade é o temor de Deus. A que se opõe o hábito de pecar, que implica o desprezo de Deus. – Ora, nesses doze graus se incluem não somente as espécies de soberba, mas ainda certos antecedentes e consequentes delas; como também dissemos acima, quando tratámos da humildade.

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