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Art. 1 – Se a crueldade se opõe à clemência.

O primeiro discute–se assim. – Parece que a crueldade não se opõe à clemência.

1. – Pois, como diz Séneca, chamam–se cruéis aqueles que punem desmesuradamente, o que contraria a justiça. Ora, a clemência não é considerada parte da justiça, mas da temperança. Logo, parece que a crueldade não se opõe à clemência.

2. Demais. – A Escritura diz: É cruel e não terá piedade; donde, parece opor–se a crueldade à misericórdia. Ora, a misericórdia não é o mesmo que a clemência, como se disse. Logo, a crueldade não se opõe à clemência.

3. Demais. – Na clemência consideramos a inflicção das penas, como se disse. Ora, na crueldade levamos em conta a privação dos benefícios, conforme a Escritura: O que é cruel repele até os seus mesmos propínquos. Logo, a crueldade não se opõe à clemência.

Mas, em contrário, Séneca diz, que a crueldade se opõe à clemência, e ela não é senão a atrocidade da alma ao impor a pena.

SOLUÇÃO. – O nome de crueldade é derivado de crudelidade. Ora, assim como as coisas cozidas e condimentadas costumam ser de sabor suave e agradável, assim, as cruas tem horrível e áspero sabor. Ora, como dissemos, a clemência implica uma certa brandura ou lenidade de alma, que nos leva a diminuirmos as penas. Por onde, a crueldade se opõe diretamente à clemência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Assim como, abrandar as penas, racionalmente, é o objeto de epiquéia, se bem que a doçura do sentimento, que a tal nos inclina, constitui a clemência, assim também, o sobreexcesso das penas, manifestado pela ação externa, constitui a injustiça, se bem que a dureza da alma, que nos torna –prontos a aumentar as penas, constitui a crueldade.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A misericórdia e a clemência convêm ambas em evitar e aborrecer a – miséria alheia. Mas, de modos diferentes. Pois, à misericórdia é próprio socorrer à miséria, fazendo um benefício, ao passo que à clemência pertence diminuir a miséria eliminando as penas. E como a crueldade implica um excesso no impor a pena, mais diretamente se opõe à clemência que à misericórdia. Mas, pelas semelhanças dessas duas virtudes, tomamos às vezes a crueldade pela imisericórdia.

RESPOSTA À TERCEIRA. – No lugar citado, a crueldade se toma pela imisericórdia, à qual é próprio não fazer benefícios. – Embora também se possa dizer que a eliminação mesma do benefício é de certo modo uma pena.

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