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Art. 2 – Se a ira é pecado.

O segundo discute–se assim. – Parece que a ira não é pecado.

1. – Pois, pecando desmerecemos. Ora, as paixões não nos fazem desmerecer nem nos tornam censuráveis, como diz Aristóteles. Logo, nenhuma paixão é pecado. Ora, a ira é uma paixão, como se estabeleceu quando se tratou das paixões. Logo, a ira não é pecado.

2. Demais. – Todo pecado implica a conversão a um bem passageiro. Ora, a ira não faz nos convertermos a nenhum bem passageiro, mas leva–nos a infligir um mal a outrem. Logo, a ira não é pecado.

3. Demais. – Ninguém peca se não evita o que não pode evitar, como diz Agostinho. Ora, não podemos evitar a ira; pois, aquilo da Escritura – Irai–vos e não queirais pecar – diz a Glosa – que os movimentos da ira não estão em nosso poder. E o Filósofo também ensina que o irado age com tristeza; ora, a tristeza é contrária à vontade. Logo, a ira não é pecado.

4. Demais. – O pecado contraria a natureza, como diz Damasceno. Ora, o irar–se não contraria a natureza do homem, pois, é ato do irascível, que é uma potência natural. Por isso, Jerônimo diz, que irar–se é próprio do homem. Logo, irar–se não é pecado.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Toda ira e indignação seja desterrada dentre vós.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, a ira designa propriamente uma paixão. Ora, as paixões do apetite sensitivo são boas na medida em que reguladas pela razão; e más quando excluem a ordem da razão. Mas, a ordem a que a razão submete à ira pode ser considerada a dupla luz. – Primeiro, quanto ao que ela deseja o fim a que tende, a saber, a vindicta. Por onde, a ira que deseja a realização da vindicta, segundo a ordem da razão, é digna de aprovação e se chama ira por zelo. Porém, nutrirá um desejo vicioso da ira, a qual por isso se chama ira por vício, quem deseja a vingança de qualquer modo, contra a ordem da razão; por exemplo, se deseja castigar quem não o merece, ou além do merecido, ou ainda não segundo a ordem legítima, ou enfim, não em vista do fim devido, que é a realização da justiça e a correção da culpa. ­ De outro modo, a ordem da razão impõe um modo a ira, quando a ela cedemos; e é que os seus movimentos não sejam de um ardor imoderado, nem interna nem externamente. E se o não observarmos, a nossa ira não será isenta de pecado, mesmo sendo justa a vindicta, que desejamos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Podendo a paixão ser ou não regulada pela razão, por isso, absolutamente considerada, ela não implica a ideia de mérito nem de demérito, de louvor nem de vitupério. Mas, quando regulada pela razão, pode apresentar os caracteres de meritória e louvável; e ao contrário, quando não regulada pela razão, pode implicar o demérito ou a censura. Por isso, o Filósofo, no mesmo lugar, diz que quem de certo modo cede à ira é digno de louvor ou de censura.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O irado não deseja o mal de outrem em si mesmo, mas, por causa da vindicta, ao que tende o seu desejo como a um bem transitório.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O homem é dono dos seus atos pelo arbítrio da razão. Por onde, os movimentos que previnem o juízo da razão não estão geralmente em nosso poder, de modo que possamos impedi–los de se manifestarem; embora a razão possa impedir um desses movimentos, em particular, de se manifestar. E, neste sentido, diz–se que os movimentos da ira não estão em nosso poder, de modo a impedirmos a todos de se manifestarem. Mas, como de certo modo dependem de nós, não ficam de todo isentos de pecado, se forem desordenados. E o dito do Filósofo, que o irado age com tristeza não devemos entendê–lo como significando que se entristece por irar–se, mas sim, por se entristecer, pela injúria, que considera a si feita; e essa tristeza é a que o move a desejar a vindicta.

RESPOSTA À QUARTA. – O irascível naturalmente se sujeita à razão do homem. Por onde, o seu ato é natural ao homem, na medida em que é segundo a razão; mas, contraria–lhe a natureza quando não obedece à ordem da razão.

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