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Art. 4 – Se nos homens virtuosos pode haver vergonha.

O quarto discute–se assim. – Parece que também nos homens virtuosos pode haver vergonha.

1. – Pois, os contrários produzem efeitos contrários. Ora, os que superabundam na malícia não se envergonham, como diz a Escritura: Tens a face de uma meretriz, não sabes te enrubescer, Logo, os virtuosos são os que mais se envergonham.

2. Demais. – O Filósofo diz que os homens se envergonham não só dos vícios, mas ainda dos sinais deles. O que se dá também com os virtuosos. Logo, nos virtuosos pode haver vergonha.

3. Demais. – A vergonha é o temor da confusão. Ora, uma pessoa virtuosa pode vir a cair em confusão; por exemplo, quando falsamente difamada ou quando sofre opróbrios indignos. Logo, pode ha ver vergonha nos homens virtuosos.

4. Demais. – A vergonha faz parte da temperança, como se disse. Ora, a parte não se separa do todo. E, como há temperança no homem virtuoso, parece que também há vergonha.

Mas, em contrário, diz o Filósofo, que o homem virtuoso não é susceptível de vergonha.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, a vergonha é o temor de um ato desonesto. Ora, por dupla razão podemos não temer um mal: pelo não considerarmos tal ou pelo não considerarmos possível para nós ou difícil de evitar. E, a esta luz. pode alguém não ser susceptível de vergonha, de dois modos. – Primeiro, por não apreender como torpes as coisas vergonhosas. E assim, carecem de vergonha os homens submersos no pecado, aos quais os seus pecados não desagradam, mas antes deles se gloriam. – Segundo, por não apreender a desonestidade como possível para si, ou como não facilmente evitável. E, deste modo, os velhos e os virtuosos não são susceptíveis de vergonha. Mas, têm uma disposição tal, que, se neles existisse alguma desonestidade, dela se envergonhariam; por isso. diz o Filósofo, que por suposição é atribuível a vergonha ao virtuoso.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­ De não envergonhar–se podem ser susceptíveis os homens péssimos e os melhores, por diversas causas, como dissemos. Mas, também o podem os medíocres, enquanto têm um certo amor pelo bem, sem serem de todo imunes ao mal.

RESPOSTA À SEGUNDA. – É próprio do virtuoso não só evitar o vício, mas ainda a aparência mesma dele, segundo aquilo do Apóstolo: Guardai–vos ele toda a aparência do mal. E o Filósofo diz, o virtuoso deve evitar não só o verdadeiramente mau, mas também o que o é, na opinião dos homens.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O virtuoso despreza as difamações e os opróbrios, como dissemos, como coisas de que, por assim dizer, não é digno. Por isso não se envergonha muito com essas coisas. Há porém certos movimentos de vergonha, que surpreendem a razão, como o há das outras paixões.

RESPOSTA À QUARTA. – A vergonha não faz parte da temperança, como se lhe pertencesse à essência; mas, como sendo uma disposição para ela. Por isso Ambrósio diz que a vergonha lança os primeiros fundamentos da temperança, por incutir o horror da desonestidade.

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