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Art. 4 – Se a perseverança precisa do auxílio da graça.

O quarto discute–se assim. – Parece que a perseverança não precisa do auxílio da graça.

1. – Pois, a perseverança é uma virtude, como se disse. Ora, a virtude, como diz Túlio, age a modo de natureza. Logo, só a inclinação da virtude basta para perseverar. Portanto, para tal, não é· necessário nenhum auxílio da graça.

2. Demais. – O dom da graça de Cristo é maior que o dano causado por Adão, como está claro no Apóstolo. Ora, antes do pecado, o homem era de natureza tal, que podia perseverar pelos dons, que recebera como diz Agostinho. Logo, com maior razão, o homem, fortificado pela graça de Cristo, pode perseverar sem o auxílio de nenhuma nova graça.

3. Demais. – As obras do pecado são às vezes mais difíceis que as da virtude; por isso, da pessoa dos ímpios diz a Escritura: Andamos por uns caminhos ásperos. Ora, muitos perseveram–nas obras do pecado sem o auxílio de outrem. Logo, também nas obras da virtude o homem pode perseverar, sem o auxílio da graça.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Afirmamos que a perseverança, pela qual perseveramos em Cristo até o fim, é um dom de Deus.

SOLUÇÃO. – Como do sobredito resulta, a perseverança se toma em duplo sentido. – Num, significa o hábito mesmo da perseverança, enquanto virtude. E, neste sentido, precisa do dom da graça habitual, como o precisam as outras virtudes infusas. – Noutro sentido, pode ser tomada pelo ato da perseverança, que dura .até a morte. E então precisa não só da graça habitual, mas ainda do auxílio gratuito de Deus, que conserva o homem no bem até ao fim da vida, como dissemos quando tratámos da graça. Porque, o livre arbítrio sendo, por essência, sujeito a mudanças, e como disso não o livra a graça habitual da vida presente, no poder dele não está, mesmo quando fortificado pela graça, permanecer imutavelmente no bem, embora tenha o poder de assim o escolher; pois, muitas vezes, está em nosso poder a eleição, mas não a execução.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ A virtude da perseverança, por natureza, inclina a perseverarmos. Mas, sendo um hábito do qual usamos quando queremos, não é necessário que quem tem o hábito da virtude dele use permanentemente até a morte.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz Agostinho, ao primeiro homem foi dado, não o perseverar, mas o ter, podido perseverar, pelo livre arbítrio; porque nenhuma corrupção havia então em a natureza humana, que lhe causasse dificuldades no perseverar. Mas, atualmente, aos predestinados a graça de Cristo confere não só o dom da possibilidade de perseverar, mas, o perseverarem. Por isso, o primeiro homem, sem ninguém o ter desviado, pelo uso do seu livre arbítrio e desprezando as ameaças de Deus, não permaneceu em tão grande felicidade, em tão grande facilidade de não pecar; ao passo que os eleitos, não obstante os esforços do mundo para fazê–los cair, permaneceram na fé.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O homem, por natureza, pode cair em pecado; mas não pode por si mesmo purificar–se dele, sem o auxílio da graça. Portanto, caindo em pecado, torna–se, com todas as suas forças, perseverante nele, se a graça de Deus não o libertar. Mas, pelo fato de fazer o bem, não se torna perseverante no bem, porque, por si mesmo, pode pecar. Por isso é que, para tal, precisa do auxílio da graça.

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