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Art. 3 – Se a magnanimidade é uma virtude.

O terceiro discute–se assim. Parece que a magnanimidade não é uma virtude.

1. – Pois, toda virtude moral consiste numa mediedade. Ora, não há tal na magnanimidade, que é um máximo; pois, o magnânimo dignifica–se a si mesmo praticando grandes ações, como diz Aristóteles. Logo, a magnanimidade não é uma virtude.

2. Demais. – Quem tem uma virtude tem todas, como se estabeleceu. Ora, alguém pode ter uma virtude sem ter a magnanimidade; assim, como diz o Filósofo, quem é digno de coisas pequenas e com elas se dignifica é temperante; porém, o magnânimo, não. Logo, a magnanimidade não é uma virtude.

3. Demais. – A virtude é uma boa qualidade da alma, como se estabeleceu. Ora, a magnanimidade implica certas disposições corpóreas; pois, diz o Filósofo que são próprios do magnânimo os movimentos lentos, a voz grave, o falar firme. Logo, a magnanimidade não é uma virtude.

4. Demais. – Nenhuma virtude se opõe a outra. Ora, a magnanimidade se opõe à humildade; pois, o magnânimo reputa–se digno de grandes coisas e despreza os outros, como diz Aristóteles. Logo, a magnanimidade não é uma virtude.

5. Demais. – Toda virtude é louvável nas suas propriedades. Ora, a magnanimidade tem certas propriedades censuráveis. Primeiro, porque o magnânimo não se lembra dos benefícios; segundo, porque é ocioso e lento; terceiro, porque usa de ironia para com muitos dos seus semelhantes; quarto, porque não pode conviver com os outros; quinto, porque possui causas, antes, inúteis que úteis. Logo, a magnanimidade não é uma virtude.

Mas, em contrário, para louvar um personagem, diz a Escritura: Nicanor, ouvindo falar do esforço da gente de Judas, e da grandeza de ânimo com que eles pelejavam pela pátria, temia expor–se a um combate sanguinolento. Ora, só as obras virtuosas são louváveis. Logo, a magnanimidade, que nos faz ter grandeza de alma, é uma virtude.

SOLUÇÃO. – A virtude exige, por essência, que as coisas humanas conservem o bem da razão, que é o bem próprio do homem. Ora, entre as coisas humanas exteriores, as honras têm o lugar mais importante, como dissemos. Por onde, a magnanimidade, que mantém a medida racional quando se trata das grandes honras, é uma virtude.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz o Filósofo, o magnânimo vai ao extremo da magnanimidade, porque visa o máximo; mas, enquanto o faz como deve, ocupa um meio termo, isto é, busca o máximo, mas como o exige a razão; pois, dignifica–se a si mesmo, e conforme a dignidade, como diz no mesmo lugar, porque não procura honras maiores do que aquelas das quais é digno.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A solidariedade das virtudes não se deve entender quanto aos atos delas, de modo que cada qual deva praticá–los todos. Por onde, o ato da magnanimidade não fica bem a qualquer virtuoso, mas só aos capazes de grandes virtudes. Mas, relativamente aos seus princípios, que são a prudência e a graça, todas as virtudes são solidárias pelos hábitos simultaneamente existentes na alma de maneira atual ou por disposição próxima. E assim, aquele a quem não cabe um ato de magnanimidade pode ter o hábito dela que o dispõe à prática de atos magnânimos se lhe convierem ao seu estado.

RESPOSTA À TERCEIRA. –– Os movimentos do nosso corpo se diversificam pelas diversas apreensões e afeições da alma. De modo que podem resultar da magnanimidade certos acidentes determinados relativos aos atos corpóreos. Assim, a rapidez do movimento provém de visarmos realizar com presteza muitas coisas. Ora, o magnânimo só visa praticar atos grandiosos, que são poucos e que, exigindo grande atenção, implicam por isso mesmo um movimento lento. Semelhantemente, a acuidade da voz e a sua rapidez é própria aos que querem discutir a respeito de tudo o que não fica bem aos magnânimos, só preocupados com o que é grande. E assim como as referidas disposições dos movimentos corpóreos convêm aos magnânimos, quanto ao modo da afeição deles, assim também nos naturalmente dispostos à magnanimidade essas condições naturalmente se encontram.

RESPOSTA À QUARTA. – O que há de grande no homem ele o deve a Deus; e os defeitos que tem procedem da sua natureza corrupta. Ora, a magnanimidade leva–o a engrandecer–se pensando nos dons de Deus, que possui; assim, se tem grande virtude de alma, a magnanimidade fá–lo praticar obras virtuosas perfeitas; e o mesmo devemos dizer do uso de qualquer outro bem, por exemplo, da ciência ou da fortuna exterior. Por seu lado, a humildade leva–o a ter–se em pouco, por considerar nos nossos próprios defeitos. Do mesmo modo, a magnanimidade despreza os outros quando malbaratam os dons e Deus; pois, não os aprecia a ponto de fazer por ele o que não deve. Mas, a humildade honra–os e estima os superiores, por descobri neles alguns dons de Deus. Por isso, a Escritura diz do verdadeiro justo: O que nos seus olhos olha o malvado como um nada, no concernente ao desprezo do magnânimo; mas honra aos que temem ao Senhor, no concernente a honrar o humilde. Por onde é claro, que a magnanimidade e a humildade não são contrárias, embora pareçam tender a fins contrários, por terem fundamentos diversos.

RESPOSTA À QUINTA. – As referidas propriedades enquanto atribuíveis ao magnânimo não são repreensíveis mas dignas, por excelência, de louvor. – Assim, quando Aristóteles diz, em primeiro lugar, que o magnânimo não guarda na memória os nomes daqueles de quem recebeu benefício, devemos entendê–lo como significando que não lhe é agradável receber benefícios de outrem sem poder pagá–las com outros ainda maiores. O que implica a perfeição da gratidão, na prática da qual quer ser sobre excelente, como na das outras virtudes. – Quando, em segundo lugar, diz, que é ocioso e lento, não significa que deixe de praticar os atos que deve praticar, mas, que não se põe a fazer quaisquer atos que lhe fiquem bem, mas, só os grande como lhe cabe. – Quando, em terceiro lugar, diz que usa de ironia, não é no sentido em que ela se oponha à verdade, isto é, que se atribua o magnânimo males que não tem, ou negue quaisquer grandes, que tenha; mas no sentido que não mostra toda a sua grandeza, sobretudo e relativamente à multidão inferior; porque, também no dizer do Filósofo, é próprio do magnânimo ser grande com os constituídos em dignidade e, ricos dos bens da fortuna; mas, moderado, com os de situação média. Em quarto lugar, diz, que não pode conviver familiarmente senão com os amigos, porque o magnânimo evita de todo qualquer adulação e simulação, que importam em pequenez de alma. Mas, convive com todos, grandes e pequenos, na medida do necessário, como dissemos. – E por fim, em quinto lugar, diz, que quer ter, antes, coisas inúteis; não, porém, quaisquer, mas, as boas, isto é, honestas. Pois, sempre antepõe o honesto, como um bem maior, ao útil; pois, as coisas úteis são buscadas para obvias às nossas necessidades, o que repugna à magnanimidade.

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