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Art. 1 – Se o martírio é um ato de virtude.

O primeiro discute–se assim. – Parece que o martírio não é um ato de virtude.

1. – Pois, todo ato de virtude é voluntário. Ora, o martírio às vezes não o é, como no caso dos inocentes mortos por Cristo dos quais diz Hilário: Chegaram à eternidade pela glória do martírio. Logo, o martírio não é um ato de virtude.

2. Demais. – Nada de ilícito pode ser objeto de um ato de virtude. Ora, matar–se a si mesmo é ilícito, como se estabeleceu; e contudo por aí se consuma o martírio. Pois, diz Agostinho, que certas santas mulheres, no tempo das perseguições, para escaparem aos que pretendiam atentar–lhes contra a pudicícia, atiraram­se ao rio e desse modo morreram; e o seu martírio é o objeto de uma grande veneração na Igreja Católica. Logo, o martírio não é um ato de virtude.

3. Demais. – É digno de louvor quem espontaneamente se propõe a prática de um ato de virtude. Ora, de louvor não é digno quem se entrega ao martírio; parece, antes, expor–se ao perigo presunçosamente. Logo, o martírio não é um ato de virtude.

Mas, em contrário, o prémio da felicidade não é devido senão ao ato de virtude. Ora, é devido ao martírio, conforme aquilo do Evangelho: Bem–aventurados os que padecem perseguição por amor da justiça porque a eles é o reino dos céus. Logo, o martírio é um ato de virtude.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, a virtude é próprio fazer–nos conservar o bem da razão. Ora, o bem da razão tem na verdade o seu objeto próprio; e na justiça, o seu efeito próprio, como do sobredito resulta. Ora, é da essência mesma do martírio fazer–nos aderir firmemente à verdade e à justiça, quando nos assaltam os nossos perseguidores. Por onde, é claro que o martírio é um ato de virtude.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Alguns disseram que aos Inocentes foi dado milagrosamente o uso precoce do livre arbítrio, para poderem sofrer o martírio voluntariamente. Mas, não sendo possível prová–lo com a autoridade da Sagrada Escritura, é melhor dizer que a glória do martírio, que outros mártires mereceram por vontade própria, essas crianças a alcançaram pela graça de Deus. Pois, a efusão do sangue por amor de Cristo supre o batismo. Por onde, como os méritos de Cristo fazem, pela graça baptismal, as crianças batizadas alcançarem a glória, assim, os méritos do martírio de Cristo fazem obterem a palma do martírio os que foram mortos por amor dele. Por isso diz Agostinho: Duvidará da vossa coroa, vendo–vos sofrer por Cristo, quem julga que mesmo o batismo de Cristo não aproveita aos inocentes. Não tínheis a idade suficiente para sofrerdes por Cristo; mas tínheis a carne capaz de sofrer a paixão que Cristo haveria de sofrer.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Agostinho diz, no mesmo lugar, que a autoridade divina da Igreja, baseada em testemunhos fidedignos, foi levada a honrar a memória dessas santas mulheres.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os preceitos da lei foram dados para regular os atos virtuosos. Pois, como dissemos, certos preceitos da lei divina foram estabelecidos para prepararem a alma para quando fosse oportuno praticar tal ato ou tal outro. E assim também há certos elementos, no ato virtuoso que tem por fim preparar–nos a alma para agirmos segundo a razão, quando se oferecer o momento. O que, sobretudo se dá no martírio, que consiste em se suportar os sofrimentos injustamente infligidos. Mas, embora não devamos dar a outrem a ocasião de proceder injustamente, contudo, devemos tolerá–lo moderadamente quando assim agir.

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