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Art. 4 – Se o terceiro preceito do decálogo, sobre a santificação do sábado, foi bem formulado.

O quarto discute–se assim. – Parece que o terceiro preceito do decálogo, sobre a santificação do sábado, não foi bem formulado.

1. – Pois, este preceito, espiritualmente entendido, é geral, conforme o ensina Ambrósio quando, comentando aquilo ela Escritura: O príncipe da sinagoga, indignado de ver que fazia curas em dia de sábado, diz: A lei não proíbe curar uma pessoa no sábado, mas, fazer obras servis, isto ê, sofrer o jugo do pecado. Mas, entendido literalmente é um preceito cerimonial; pois, diz a Escritura: Vede que guardeis o meu sábado, porque este é o sinal estabelecido entre mim e vós pelas vossas gerações. Ora, os preceitos do decálogo são preceitos espirituais e são preceitos morais. Logo, está este inconvenientemente colocado entre os preceitos dó decálogo.

2. Demais. – Os preceitos cerimoniais da lei concernem às coisas sagradas, aos sacrifícios aos sacramentos e às observâncias, como se estabeleceu. Ora, nas coisas sagradas se incluíam não só os dias sagrados, mas também os lugares e vasos sagrados e coisas semelhantes. Do mesmo modo, havia também muitos dias sagrados, além do sábado. Logo, é inconveniente fazer menção só dá observância do sábado, preteridos todos os outros preceitos cerimoniais.

3. Demais. – Todo aquele que transgride de um preceito do decálogo peca. Ora, na lei antiga, certos, como os que circuncidavam os filhos no oitavo dia, e os sacerdotes que trabalhavam no templo aos sábados, transgrediam a observância do sábado e não pecavam. E Elias certamente viajou no sábado quando caminhou quarenta dias até o monte de Deus, Horeb. Do mesmo modo, os sacerdotes quando, durante sete dias, carregaram a arca do Senhor, entende–se que também a carregaram no dia de sábado. E também o Evangelho diz: Não desprende cada um de vós nos sábados o seu boi ou o seu jumento e não os leva a beber! Logo, estão mal formulados os preceitos do decálogo.

4. Demais. – Os preceitos do decálogo também se devem observar na vigência da lei nova. Ora, na vigência dela, não se observa este preceito, nem quanto ao dia do sábado, nem quanto ao do domingo, dias em que se cozem alimentos, viaja–se, pesca–se e se fazem muitas contra coisas semelhantes. Logo, foi mal formulado o preceito da observância do sábado.

Mas, em contrário, a autoridade da Sagrada Escritura.

SOLUÇÃO. – Afastados os impedimentos à verdadeira religião pelo primeiro e pelo segundo preceito do decálogo, como mostramos, consequentemente devia–se estabelecer o terceiro preceito, que fundasse os homens na verdadeira religião. Ora, o papel da religião é prestar culto a Deus. Mas, como a Escritura nos transmite os ensinamentos divinos, recorrendo a certas semelhanças de coisas corpóreas, assim também prestamos o culto externo a Deus por meio de sinais sensíveis. E como somos levados, sobretudo pela inspiração interior do Espírito Santo ao culto interno, que consiste na oração e na devoção, por isso devia o preceito legal do culto externo ser dado em dependência de algum sinal sensível. Ora, os preceitos elo decálogo são uns como princípios primeiros e comuns da lei. Por isso, o terceiro preceito ordena o culto externo prestado a Deus, como significativo cio benefício comum, que pertence a todos. E isso para representar a obra da criação do mundo, da qual Deus descansou, diz a Escritura, no sétimo dia; para dignificar o que, foi nos mandado santifica–lo, isto é, foi consagrado esse dia para vacarmos a Deus. Por isso, a Escritura, tendo antes posto o preceito da santificação do sábado, dá a razão disso: Porque o Senhor fez em seis dias o céu e a terra e descalçou ao sétimo dia.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O preceito ela santificação do sábado, literalmente entendido, é em parte, moral e, em parte, cerimonial. – Moral é por destinar o homem um certo tempo da sua vida para vacar a Deus. Pois, o homem tem a inclinação natural de destinar algum tempo às coisas necessárias; assim, à alimentação do corpo, ao sono e a coisas semelhantes. Por isso, também reserva um certo tempo à alimentação espiritual, pela qual a sua alma se nutre de Deus, obedecendo a um ditame da razão natural. Por onde, é de preceito moral reservarmos um certo tempo para vacarmos a Deus.

–– Mas, este preceito é cerimonial quando determina um tempo especial, significativo da criação do mundo. Do mesmo modo, é cerimonial, quando alegoricamente significa o repouso de Cristo no sepulcro, ao sétimo dia. E também o é, quando significa, moralmente, o fim de todos os atos pecaminosos e o descanso do nosso coração em Deus; mas, neste sentido, também de certo modo é um preceito geral. Do mesmo modo, ainda, é um preceito cerimonial quando, em sentido analógico, prefigura o repouso na fruição de Deus, como teremos a pátria, – Por onde, o preceito de santificar o sábado conta–se entre os do decálogo, como preceito moral e não, como cerimonial.

RESPOSTA À SEGUNDA. – As outras cerimonias da lei são sinais de certos efeitos particulares de Deus, Ao passo que a observância do sábado é significativa do benefício geral da produção de todas as criaturas. Logo, mais que qualquer outro preceito cerimonial da lei, devia ser posto entre os preceitos gerais do decálogo.

RESPOSTA Á TERCEIRA. – Duas coisas devemos considerar na observância do sábado: –­ Uma é como que o fim, que é vacarmos às coisas divinas, e está expresso nestas palavras: Lembra–te de santificar o dia de sábado. Pois, a lei considera santificadas as coisas aplicadas ao culto divino, – Outra é cessar das obras, expresso pelas palavras: No sétimo dia do Senhor teu Deus não farás obra alguma. E a que obras se refere deduz–se de outro lugar: Não fareis nele obra alguma servil.

Ora, a expressão – obra servil – vem de servidão, da qual há três espécies. Uma pela qual o homem serve o pecado, conforme aquilo do Evangelho: Todo o que comete pecado é escravo do pecado. E neste sentido, toda obra pecaminosa se chama servil, – Uma segunda servidão é a pela qual um homem serve a outro. Ora, um é escravo de outro não pela alma, mas pelo corpo, como se estabeleceu, Por onde, neste sentido chamam–se obras servis as obras corpóreas, pelas quais um homem serve a outro. – A terceira é a servidão pela qual servimos a Deus. E, neste sentido, poderíamos chamar servil ao culto de latria, que concerne ao serviço de Deus.

Ora, entendida nesta acepção, a obra servil não é proibida no sábado; porque se o fosse, isso contrariaria ao fim que implica a observância do sábado. Pois, se nesse dia nos abstemos das outras obras servis, é para vacarmos às que concernem ao serviço de Deus. E é por isso que, como diz o Evangelho, recebe um homem a circuncisão em dia de sábado por não se violar a lei de Moisés. E também por isso diz ainda o Evangelho, que os sacerdotes nos sábados, no templo quebrantam o sábado, isto é, trabalham corporalmente no sábado, e ficam sem pecado. Portanto, os sacerdotes que carregaram a arca no sábado não transgrediram o preceito da observância desse dia. Do mesmo modo, não é contra a observância do sábado a prática de nenhum ato espiritual  por exemplo, ensinar oralmente ou por escrito. Por isso, interpretando um lugar da Escritura, diz a Glosa: Os ferreiros e outros artífices descansam; no dia do sábado; ao contrário, nem o leitor nem o doutrinador da lei divina cessam o seu trabalho, sem que profanem o sábado, assim como os sacerdotes, apesar de o quebrantarem no templo, não o violam.

Mas as outras obras servis, no primeiro e no segundo sentido, contrariam à observância do sábado, por impedirem o homem de se aplicar ao serviço divino. E como desse serviço ele fica impedido, mais pela obra do pecado do que pela obra lícita, embora corpórea, por isso, contraria mais esse preceito quem peca num dia santo do que quem faz, nesse dia, uma obra corpórea. Donde o dizer Agostinho: Um Judeu, trabalhando no seu campo, faria obra mais útil, do que fazendo sedição no teatro. E a mulher judia andaria melhor fiando a lã no dia do sábado, do que dançando impudicamente nesse dia. – Mas, quem peca venialmente, contra a observância do sábado não contraria o preceito, porque o pecado venial não priva da santidade.

Quanto às obras corpóreas concernentes ao mito espiritual de Deus, elas se chamam servis se forem comuns aos escravos e aos livres. Pois, qualquer um, tanto escravo como livre, está obrigado a ocorrer, nas suas necessidades, tanto a si mesmo como ao próximo, sobretudo no que respeita à saúde do corpo, conforme à Escritura; Tira do perigo aqueles que são levados à morte. Mas, secundariamente, também para evitar um dano material, ainda conforme à Escritura: Vendo extraviados o boi ou a ovelha de teu irmão, não passará, de largo, tuas conduzi–Ios–ás a teu irmão. Portanto, uma obra corporal, que visa conservar a saúde do nosso próprio corpo, não viola o sábado; pois, não é contra a observância do sábado comermos nem praticarmos outros atos como esses, com o fim ele conservarmos a vida do corpo. Por isso, os Macabeus não profanaram o sábado, lutando nesse dia, pela sua defesa, como se lê na Escritura, Nem Elias quando, no sábado, fugiu da presença de Jesabel. E ainda por isso o Senhor desculpou os discípulos que, no dia do sábado, colhiam espigas para ocorrerem à necessidade que sofriam. – Do mesmo modo, não vai contra a observância do sábado a obra corporal ordenada a conservar a vida corpórea de outrem, conforme aquilo do Evangelho: Vós vos indignais que eu em dia de sábado curasse a todo um homem? – Semelhantemente; também não viola o sábado a obra corporal ordenada a evitar um dano iminente sobre um bem material. Donde o dizer o Senhor: Que homem haverá por acaso entre vós que tenha uma ovelha e que se esta lhe cair no sábado em urna cova, não lhe lance a não para dali a tirar?

RESPOSTA À QUARTA. – A observância do dia do domingo sucedeu, na lei nova, à do sábado, não em virtude de um preceito de lei; mas, pela constituição da Igreja e pelo costume do povo cristão. Nem essa observância é figurada, como o era a do sábado, na lei antiga. Por isso, não é tão rigorosa a proibição de trabalhar no domingo como o era no dia do sábado; pois, certas obras, como a de cozer os alimentos e outros, são permitidas no domingo, que eram proibidas no sábado. E também mais facilmente, na vigência da lei nova, que na da lei antiga, se obtém licença de fazer certas obras proibidas, por causa de necessidade. Porque a figura serve para manifestar a verdade, que nem em parte mínima deve ser modificada; ao contrário, as obras, em si mesmas consideradas, podem mudar–se conforme o lugar e o tempo.

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