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Art. 2 – Se a mentira se divide suficientemente em ofíciosa, jocosa e perniciosa.

O segundo discute–se assim. – Parece que a mentira se divide insuficientemente em oficiosa, jocosa e perniciosa.

1. – Pois, uma divisão deve fundar–se no que é essencial, como está claro no Filósofo. Ora, a intenção de obter o efeito não se inclui na espécie do ato moral, com o qual só tem relação acidental, segundo parece; por isso, de um mesmo ato podem resultar infinitos efeitos. Ora, a divisão supra–referida se funda no efeito intencionado; pois, mentira jocosa é a que visa divertir; a oficiosa buscar alguma utilidade; e a perniciosa, o dano de outrem. Logo, é inconveniente a divisão referida, da mentira.

2. Demais. – Agostinho divide a mentira em oito partes. A primeira é no ensino da religião; a segunda não visa a utilidade mas só o dano de outrem; a terceira é a que é útil a um, mas de modo a danificar a outro; a quarta é a que vem do só desejo de mentir e enganar; a quinta procede do desejo de agradar; a sexta é a que, não prejudicando a ninguém, aproveita a outrem para conservar o seu dinheiro; a sétima é a que, sem danificar ninguém, ajuda outrem a evitar a morte; a oitava não causa mal a ninguém e ainda ajuda alguém a evitar a imundice corpórea. Logo, parece que a primeira divisão da mentira é insuficiente.

3. Demais. – O Filósofo divide a mentira em jactância, que exagera a verdade verbalmente; e ironia, que diminui a verdade. Ora, essas duas não estão incluídas nos membros da divisão supra–referida. Logo, parece que a mencionada divisão da mentira é inconveniente.

Mas, em contrário, àquilo da Escritura ­ Perderás a todos os que proferem a mentira – diz a Glosa, que há três gêneros de mentira: o da que visa a vantagem e o cômodo de outrem; o da mentira jocosa; e o terceiro é o da que é dita por malicia. Ora, o primeiro desses três gêneros é o da mentira ofícios: o segundo, o da jocosa e o terceiro, o da perniciosa. Logo, a mentira se divide nas três referidas partes.

SOLUÇÃO. – A mentira pode dividir–se em três partes – Primeiro, atendendo–se à natureza mesma dela, e que funda a sua divisão própria e essencial. E então a mentira se divide em duas partes: a que exagera a verdade e constitui a jactância e a que a diminui e se chama ironia, como se lê no Filósofo. Por onde, a mentira é assim dividida, por essência, porque, como tal, ela se opõe à verdade, conforme dissemos; pois, a verdade é uma igualdade a que essencialmente se opõe o excesso e o defeito.

De outro modo, a mentira pode ser dividida, levando–se em conta a noção de culpa que ela implica, e considerando–se a agravação ou a diminuição dessa culpa relativamente ao fim intencionado. Assim, agrava a culpa da mentira quem mente para danificar a outrem, e isso constitui a mentira perniciosa. Mas, a culpa diminui quando a mentira se ordena a um fim bom: ou deleitável, sendo então a mentira jocosa, ou útil, sendo então oficiosa, quer por haver a intenção de ajudar a outrem, ou livrá–lo de algum dano. Por onde, a esta luz a mentira se divide nas três partes referidas.

De terceiro modo, e mais universalmente, divide–se a mentira relativamente ao fim, quer este influa para aumentar ou diminuir a culpa da mentira, quer não. E, segundo este critério, é que ela se divide nas oito partes referidas. ­ Ora, os três primeiros membros dessa divisão estão contidos na mentira perniciosa, a qual é contra Deus; e isso constitui a primeira espécie de mentira, relativa ao ensino da religião: Ou é contra o homem, quer pela só intenção de lesar a outrem, e essa é a segunda espécie de mentira, isto é, a que não visa a utilidade, mas, ao contrário, o dano de outrem, quer ainda por visar, no dano de um, a utilidade de outro, sendo essa a mentira que vem em terceiro lugar, isto é; a que é útil a um e prejudica a outro. E dessas três, a primeira é a mais grave, porque os pecados contra Deus são sempre. Os mais graves, como se disse. E a segunda é mais grave que a terceira, que fica atenuada por causa da intenção de ser útil a outrem. – Depois dessas três, que aumentam a gravidade da culpa da mentira, vem a quarta, que tem uma quantidade própria, sem aumento nem diminuição. E essa é a mentira proferida pelo só desejo de mentir, o que resulta de um hábito; donde o dizer do Filósofo, que o mentiroso, pela força do hábito, se compra na sua mentira. – Quanto aos quatro modos subsequentes, eles diminuem a culpa da mentira. Assim, a quinta é a mentira jocosa, proferida pelo desejo de agradar.  – As outras três estão compreendidas na mentira oficiosa, que visa a utilidade do próximo; quer quanto aos bens externos, sendo essa a sexta mentira, útil a outrem para conservar o seu dinheiro ou útil ao corpo, e é a sétima que livra o próximo da morte ; ou é útil à honestidade da virtude, sendo essa a  oitava espécie de mentira, que obsta a polução corpóreo ilícita. Ora, é claro que quanto melhor é o bem intencionado, tanto mais diminui a culpa da mentira. Por onde, quem considerar atentamente verá que a ordem da referida enumeração se funda na ordem de gravidade da culpa, dessas várias formas de mentira; pois, o bem útil é preferível ao deleitável; a vida do corpo, ao dinheiro; e a honra, à vida corpórea.

Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.

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