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Art. 3 — Se os termos numerais introduzem alguma realidade em Deus.

(I Sent., dist. XXIV, a. 3; De Pot., q. 9, a. 7; Quodl. X, q. 1, a. 1).
 
O terceiro discute-se assim. — Parece que os termos numerais introduzem alguma reali­dade em Deus.
 
1. — Pois, a unidade divina é a sua essên­cia. Ora, todo número é a unidade repetida. Logo, todo termo numeral, significando em Deus a essência, nele introduz alguma realidade.
 
2. Demais. — Tudo o que se diz de Deus e das criaturas, mais eminentemente convém àquele que a estas. Ora, os termos numerais introduzem uma realidade nas criaturas. Logo, muito mais em Deus.
 
3. Demais. — Se os termos numerais não introduzem nenhuma realidade em Deus, mas se empregam somente para remover, removen­do-se assim a unidade pela pluralidade, e por esta, aquela, resulta um círculo para a razão, causa de confusão para o intelecto e que a ne­nhuma certeza conduz, o que é inconveniente. Donde se conclui que os termos numerais intro­duzem alguma realidade em Deus.
 
Mas, em contrário, diz Hilário: O estado de consórcio, que é estado de pluralidade, tira a inteligência da singularidade e da solidão1. E Ambrósio: Quando dizemos que Deus é um, a unidade exclui a pluralidade de deuses, sem nele introduzir a quantidade2. Por onde se vê, que tais nomes se empregam para remover e não para introduzir nenhuma realidade em Deus.
 
Solução. — O Mestre das Sentenças ensina, que os termos numerais nada introduzem em Deus, mas somente removem3. Outros, porém, dizem o contrário. Mas para esclarecer esta questão devemos considerar, que toda plurali­dade resulta de alguma divisão. E esta pode ser de duas espécies. Uma é a material, resul­tante da divisão do contínuo, e da qual provém o número, espécie de quantidade; e por isso tal número só é próprio às coisas materiais susceptíveis de quantidade. Outra é a divisão formal, que se faz por formas opostas ou diver­sas, e da qual resulta a multidão, que não se compreende em nenhum gênero, mas pertence aos transcendentais, que dividem o ser em unidade e multiplicidade. E tal multidão só pode existir nos seres imateriais.
 
Alguns, pois, só considerando a multidão, espécie da quantidade discreta, e vendo que esta não existe em Deus, ensinaram, que os termos numerais nada introduzem em Deus mas so­mente dele removem. — Outros, porém, considerando a mesma multidão, ensinaram, que assim como existe em Deus a ciência, na sua noção própria e não só na sua noção genérica, pois em Deus nenhuma qualidade existe; assim também o número existe em Deus na sua noção própria e não na sua noção genérica, que é a quantidade.
 
Nós, porém, dizemos que os termos nume­rais, quando predicados de Deus, não provém do número enquanto espécie de quantidade, porque então só se atribuíram a Deus metaforicamente, à semelhança das outras propriedades corporais, como a latitude, a longitude e semelhantes; mas provém da multidão enquanto transcendental. Ora, a multidão assim compreendida está para os seres múltiplos, dos quais se predica, como a unidade conversível com o ser, para o ser. Ora, tal unidade, como dissemos4, ao tratarmos da unidade de Deus, nada mais acrescenta ao ser do que a negação da divisão, pois uno significa o ser indiviso. E assim, dito de qualquer ser, uno o significa enquanto indiviso; p. ex., dito do homem significa-lhe a natureza ou a substância não dividida. E, pela mesma razão, quando dizemos de certas coisas, que são múltiplas, a multidão assim compreendida as significa com indivisão no tocante a cada uma delas. — Ao passo que o número, espécie de quantidade, acrescenta um acidente ao ser; bem como a unidade, princípio do número. Logo, os termos numerais significam, em Deus, as realidades das quais se predicam, e, além disto, nada mais acrescentam senão a negação, como se disse; e, neste ponto, o Mestre das Sentenças ensinou a verdade. Assim, quando dizemos — A essência é una — uno significa a essência indivisa; quando dizemos — A pessoa é una — significa a pessoa indivisa; quando dizemos — As pessoas são várias — exprimimos tais pessoas com a indivisão que cabe a cada uma delas, pois é da natureza da multidão constar de unidades.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A unidade sendo um transcendental, é mais geral que a substância e a relação; e o mesmo se dá com a multidão. Donde o poderem exis­tir, em Deus, em lugar delas, na medida con­veniente ao sujeito a que forem unidas. E con­tudo tais nomes, em virtude da significação própria, acrescentam à essência ou à relação uma certa negação de divisão, como se disse.
 
Resposta à segunda. — A multidão, que introduz uma realidade nas coisas criadas, é uma espécie de quantidade e se não aplica à divina predicação; senão somente a multidão transcendental, que às coisas das quais se predica nada mais acrescenta, salvo a indivisão de cada uma delas. E é essa a multidão, que se predica de Deus.
 
Resposta à terceira. — A unidade não re­move a multidão mas, a divisão, que tem prio­ridade racional sobre esta e aquela. A multi­dão porém remove, não a unidade, mas a divisão relativa a cada uma das coisas das quais ela consta. E isto já antes expusemos quando tratamos da unidade divina5.
 
E devemos também saber, que as autorida­des aduzidas, em sentido oposto, não provam suficientemente a tese. Pois embora a plurali­dade exclua a solidão; e a unidade, a plurali­dade dos deuses, todavia dai se não segue seja apenas essa a significação de tais nomes. Assim, a brancura, embora exclua a negrura, contudo não exprime somente essa exclusão.

  1. 1. IV de Trin., num. 17.
  2. 2. De Fide, lib. I, c. 2.
  3. 3. Lib. I, dist. 24.
  4. 4. Q. 11, a. 1.
  5. 5. Q. 11, a. 2 ad 4.
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