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Art. 3 – Se a obediência é a máxima das virtudes.

O terceiro discute–se assim. Parece que a obediência é a máxima das virtudes.

1. – Pois, diz a Escritura: A obediência é melhor que as vítimas. Ora, oferecer vítimas é próprio da religião, a primeira de todas as virtudes morais, como do sobredito resulta. Logo, a obediência é a máxima de todas as virtudes,

2. Demais. – Gregório diz; que a obediência é a única virtude que nos infunde na alma as outras e aí as conserva infusas. Ora, a causa é superior ao efeito. Logo, a obediência é a máxima de todas as virtudes.

3. Demais. – Gregório diz: Nunca devemos fazer o mal por obediência; mas às vezes devemos, por ela, omitir o bem. Ora, só omitimos um ato para praticar outro melhor. Logo, a obediência, pelo qual omitimos o bem das outras virtudes, é a melhor de todas.

Mas, em contrário, a obediência é louvável por proceder da caridade; pois, como diz Gregório, devemos praticar a obediência, não por medo servil, mas pelo afeto da caridade; não pelo temor da pena, mas, por amor da justiça. Logo, a caridade é maior virtude que a obediência.

SOLUÇÃO. – Assim como o pecado consiste em nos apegarmos aos bens efêmeros desta vida, com desprezo de Deus, assim o mérito dos atos virtuosos, ao contrário, em nos unirmos a Deus, nosso fim, desprezando os bens criados. Ora, o fim prepondera sobre os meios. Se pois, desprezamos os bens criados para nos unirmos a Deus, maior louvor merece a virtude por unir a Deus que por nos fazer desprezar os bens terrenos. Por isso, as virtudes teologais, que nos unem diretamente a Deus, são mais excelentes que as morais, que nos levam ao desprezo dos bens terrenos para nos unirmos com Deus.

Mas, entre as virtudes morais, as maiores são as que nos fazem desprezar um maior bem, para nos unirmos a Deus. Ora, há três gêneros de bens humanos que poderemos desprezar por amor de Deus. Desses, os ínfimos são os externos; médios são os do corpo; e supremos os da alma, entre os quais, de certo modo, o principal é a vontade, porque por ela usamos de todos os outros bens. Portanto, propriamente falando, é mais digna de louvor a virtude da obediência, pela qual desprezamos por amor de Deus a nossa vontade própria, do que as outras virtudes morais, que nos levam a desprezar certos outros bens, por amor de Deus.

Por isso, Gregório diz que a obediência é, de direito, preferível à oferenda de ultimas, porque estas supõem a morte da carne alheia; ao passo que pela obediência mortificamos a nossa vontade própria. E também todas as outras obras virtuosas são meritórias perante Deus por as fazermos para obedecer à vontade divina. Pois, não poderiam ser obras meritórias as de quem, sofrendo o martírio ou distribuindo todos os bens aos pobres, não o fizesse para obedecer à vontade divina; assim como também se as fizesse sem caridade, que não pode existir fora da obediência. Por isso, diz a Escritura: Aquele que diz que conhece a Deus e não guarda Os seus mandamentos é um mentiroso e não há nele a verdade; mas se alguém guarda a sua palavra, é nele verdadeiramente perfeito o amor de Deus. E isto é assim porque a amizade faz os amigos quererem e não quererem as mesmas coisas.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A obediência procede da reverência, que presta culto e honra ao superior. E por isso ela está compreendida em diversas virtudes; embora, em si mesma considerada, enquanto referente à ideia de preceito, seja uma virtude especial. Mas, enquanto procedente da reverência devida aos prelados, está de certo modo compreendida no respeito. Enquanto procedente da reverência devida aos pais, na piedade filial. E enfim, enquanto procedente da reverência devida a Deus, na religião; e faz parte da devoção, que é o ato principal da religião. Por onde, a esta luz, é mais louvável obedecer a Deus, que oferecer sacrifícios; e também porque, como diz Gregório, no sacrifício é imolada a carne alheia  mas, pela obediência, imolamos a nossa vontade própria. Mas, no caso especial, de que fala Samuel, melhor teria sido a Saul obedecer a Deus, do que oferecer os melhores animais dos Amalecitas em sacrifício, contra a ordem de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Na obediência estão compreendidos os atos de todas as virtudes, enquanto são matéria de preceito. Mas, enquanto os atos virtuosos obram causal ou dispositivamente para a produção e a conservação dela, dizemos que a obediência infunde as virtudes no coração e as guarda. Nem daí se segue que a obediência seja, absolutamente falando, superior a todas as virtudes, por duas razões. Primeiro, porque, embora os atos virtuosos sejam matéria de preceito, podemos contudo praticá–los sem atender à ideia de preceito. Por onde, se houver uma virtude naturalmente superior, pelo seu objeto, ao preceito, essa é considerada por natureza como superior à obediência. E tal é o caso da fé, pela qual conhecemos a sublimidade da autoridade divina, em virtude da qual compete–lhe o poder de mandar. Segundo, porque a infusão da graça e das virtudes pode preceder, mesmo no tempo, todos os atos virtuosos. E, assim, nem temporal nem naturalmente a obediência é superior a nenhuma virtude.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Há duas sortes de bens. – Uns, estamos necessariamente obrigados a praticar, como amar a Deus e outros semelhantes. E esses bens de nenhum modo é lícito omiti–los, por obediência. – Mas, há outros bens que não estamos necessariamente obrigados a praticar. E esses podemos às vezes omitir, por obediência, à qual estamos necessariamente obrigados; pois, não devemos fazer nenhum bem incorrendo em culpa. E contudo, como diz Gregório no mesmo lugar, quando o superior proíbe uma boa obra, deve permitir muitas outras; pois, faria perecerem as almas de inanição, se as privasse de se alimentarem no bem. E assim. pela obediência e por outros bens, pode ser compensada a perda de um certo bem.

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