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Art. 2 – Se a obediência é uma virtude especial.

O segundo discute–se assim. – Parece que a obediência não é uma virtude especial.

1. – Pois, a obediência se opõe à desobediência. Ora, a desobediência é um pecado geral; pois, diz Ambrósio, que pecado é a desobediência à lei divina. Logo, a obediência não é uma virtude especial, mas, geral.

2. Demais. – Toda virtude especial é teologal ou moral. Ora, a obediência não é uma virtude teologal, por não estar incluída nem na fé, nem na esperança, nem na caridade. Também não é uma virtude moral, porque não é um meio termo entre um excesso e um defeito, pois, quanto mais obedientes formos, tanto mais dignos de louvor seremos. Logo, a obediência não é uma virtude especial.

3. Demais. – Gregório diz: A obediência é tanto mais meritória e louvável quanto menos tem do que lhe constitui a natureza; Ora, toda virtude especial é tanto mais digna de louvor quanto mais tem a plenitude da sua natureza, pois, a virtude há–de–ser, por essência, voluntária e eletiva, como diz Aristóteles, Logo, a obediência não é uma virtude especial.

4. Demais. – As virtudes se diferenciam especificamente pelos seus objetos. Ora o objeto da obediência é a ordem do superior, que multiplicadamente se diversifica, segundo os diversos graus de superioridade. Logo, a obediência é uma virtude geral, incluindo em si muitas virtudes especiais.

Mas, em contrário, a obediência certos a consideram como parte da justiça, conforme dissemos.

SOLUÇÃO. – Cada boa obra, que por natureza merece louvor especial, corresponde determinadamente a uma virtude especial; pois, à virtude cabe por essência tornar as nossas obras boas. Ora, obedecer ao superior nós o devemos, pela ordem divina imanente nas coisas, corno dissemos; e por consequência, é um bom ato, pois que o bem consiste no modo, na espécie e na ordem, como diz Agostinho. Mas, o ato de obediência, pelo seu objeto especial, é digno de louvor por uma razão especial. Pois, entre os muitos deveres dos inferiores para com os superiores, tem eles o de lhes obedecer às ordens. Por isso, a obediência é uma virtude especial e tem como objeto especial um preceito tácito ou expresso. Pois, a vontade do superior, de qualquer modo que se de a conhecer, é um preceito tácito; e tanto mais pronta é a obediência quanto mais previne o preceito expresso, uma vez compreendida a vontade do superior.

DONDE À RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nada impede duas noções especiais, correspondentes a duas virtudes especiais, terem um mesmo objeto material. Assim, um soldado, defendendo o acampamento do seu rei, tanto pratica um ato de coragem, não fugindo ao perigo da morte por causa do bem que tem em vista, como um ato de justiça, prestando ao seu senhor um serviço devido. Assim, pois, a noção de preceito a que atende a obediência, concorre com os atos de todas as virtudes, porque nem todos os atos de virtude são de preceito, como se estabeleceu. Semelhantemente, há certos atos que às vezes são de preceito sem, contudo, serem objeto de nenhuma virtude, como é o caso dos que são maus só por serem proibidos. Por onde, considerada a obediência no sentido próprio, enquanto que com ela temos a intenção de obedecermos a um preceito, na sua razão formal, será uma virtude especial, sendo então a desobediência um pecado especial. Pois, neste sentido, a obediência exige que pratiquemos um ato de justiça ou de outra virtude, com a intenção de cumprir o preceito; e para haver desobediência é preciso que desprezemos o preceito atualmente. Considerada, porém a obediência em sentido lato, como o cumprimento do que pode constituir objeto de preceito, e a desobediência como a omissão do cumprimento da ordem, qualquer que seja a intenção, nesse caso a obediência será uma virtude geral e a desobediência, um pecado geral.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A obediência não é uma virtude teologal. Pois, o seu objeto próprio não é Deus, mas a ordem de um superior qualquer, expressa ou interpretativa, quando obedecemos prontamente a uma simples palavra do superior, indicativa de sua vontade, conforme aquilo do Apóstolo: Obedecer às palavras. Mas, é virtude moral quando faz parte da justiça e é uma mediedade entre um excesso e um defeito; sendo o excesso considerado, não quantitativamente, mas, em relação a outras circunstâncias, isto é, conforme obedecemos a quem não o devemos ou em coisas em que não o devemos, segundo dissemos ao tratar da religião. Mas também se pode dizer que, assim como, em relação à justiça, o excesso está em retermos o bem alheio, e o defeito em não darmos a outrem o que lhe é devido, conforme diz o Filósofo; assim também a obediência é um termo médio entre um excesso, consistente em não cumprirmos para com o superior o dever de obedecer, por superabundarmos na satisfação à nossa vontade própria; e um defeito, relativamente ao superior, ao qual não obedecemos. Portanto, a esta luz, a obediência não será uma mediedade entre duas malícias, como dissemos a respeito da justiça.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A obediência, como qualquer virtude, infunde–nos na vontade uma inclinação pronta para o seu objeto e não, para o que lhe repugna. Ora, o objeto próprio da obediência é uma ordem procedente da vontade de outrem. Por isso ela nos torna a vontade pronta em cumprir a ordem de quem nos manda. Mas, se o que nos mandam já por nós mesmos o queremos, mesmo independentemente da ordem, como no caso do que nos favorece, então por nossa vontade própria nós o buscamos, cumprindo voluntariamente a ordem e não por nô–la ser imposta. Mas, quando o que nos mandam de nenhum modo está de acordo com a nossa vontade, antes, em si mesmo considerado, lhe repugna a ela, como no caso do que nos contraria, então é absolutamente claro que não o fazemos senão por ordem. Por isso, Gregório diz, que quando a obediência segue a sua inclinação no que nos favorece, ela é nula ou diminuta, pois, nesse caso, a nossa vontade própria não busca principalmente o cumprimento da ordem, mas, alcançar o objeto querido. Porém, no que nos repugna ou é difícil, ela é maior, porque não busca nenhuma outra cousa a não ser a obediência à ordem. O que deve entender–se segundo as aparências externas. Mas, segundo o juízo de Deus, que lê nos corações, pode acontecer que, mesmo nos casos que nos favorecem, a obediência, seguindo a sua inclinação própria, nem por isso seja menos louvável, por tender não menos prontamente a vontade ao cumprimento da ordem.

RESPOSTA À QUARTA. – O respeito atende diretamente à excelência da pessoa; por isso as suas espécies variam conforme a natureza da excelência. Ao passo que a obediência respeita à ordem de uma pessoa excelente e por isso tem uma só natureza. Mas, como pelo respeito a quem manda é que devemos obedecer–lhe à ordem, consequentemente toda obediência é da mesma espécie, embora procedente de causas diversas.

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