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Art. 4 – Se para cumprir os deveres de religião, é necessário omitirmos os deveres filiais para com os pais.

O quarto discute–se assim. Parece que, para cumprir os deveres de religião, é necessário omitirmos os de filhos, para com os pais.

1. – Pois, diz o Senhor: Se alguém vem a mim, e não aborrece a seu pai e mãe e mulher e filhos e irmãos e irmãs e ainda a sua mesma vida, não pode ser meu discípulo. E por isso, louvando a Jacó e a João, diz o Evangelho, que eles, deixando as redes e o pai, foram em seu seguimento. E, em louvor dos Levitas, diz a Escritura: Os que disseram a seu pai e a sua mãe – Eu não vos conheço; e a seus irmãos ­ eu não sei quem vós sois; e que não conheceram seus próprios filhos, estes são os que executam a tua palavra. Ora, quem ignora a existência dos pais e dos demais consanguíneos, ou mesmo os odeia, necessariamente omite os deveres da piedade filial. Logo, para cumprir os deveres de religião, devem omitir–se os da piedade filial.

2. Demais. – Segundo referem os Evangelhos, a um que lhe dizia – Permite–me que vá eu primeiro enterrar a meu pai – o Senhor respondeu: Deixa que os mortos enterrem os seus mortos; e tu, vai e anuncia o reino de Deus, o que é próprio da religião. Ora, dar sepultura aos pais é dever de piedade filial. Logo, para cumprir os deveres de religião, é necessário omitirmos os da piedade filial.

3. Demais. – Deus é por excelência chamado, nosso Pai. Ora, como, prestando os serviços de piedade filial, cultuamos aos pais, assim, pela religião, cultuamos a Deus. Logo, é necessário omitirmos a assistência da piedade filial, para praticarmos o culto religioso.

4. Demais. – Os religiosos estão obrigados, por um voto que não podem transgredir, a cumprir as regras da sua religião, em virtude das quais ficam impedidos de assistir aos pais. Quer, pelo voto de pobreza, pois, nada tem de seu; quer, por causa da obediência, pois, sem licença dos seus prelados, não podem sair do claustro. Logo, para cumprir os deveres de religião é necessário omitirmos os da piedade filial.

Mas, em contrário, o Senhor censurou aos Fariseus, que a pretexto de religião, ensinavam a não se prestarem aos pais as honras devidas.

SOLUÇÃO. – A religião e a piedade são duas virtudes. Ora, nenhuma virtude pode contrariar ou opôr–se a outra; pois, segundo o Filósofo, o bem não pode ser contrário ao bem. Por isso não é possível a piedade e a religião constituírem obstáculo uma para outra, de modo a o ato de uma excluir o da outra. Ora, os atos de toda virtude, como do sobredito se colhe, se delimitam pelas circunstâncias próprias, as quais, sendo preteridas, já não haverá ato de virtude, mas, de vício. Por onde, o dever de piedade filial manda honrar os pais, do modo devido. Ora, não é o modo devido querer cultuar os pais, mais que a Deus; mas, como diz Ambrósio, os deveres de religião, por natureza, divinos, necessariamente se antepõem aos da piedade filial. Se portanto os deveres para com os pais nos levarem a abandonar os de cultuar a Deus, já não seria piedade filial apegar–se aos deveres para com os pais, desprezando os para com Deus. Por isso diz Jerônimo: Calcando aos pés o amor paterno, calcando; aos pés o amor materno, corre, voa em demanda do pendão da cruz; a suma piedade, nesta matéria, é ser cruel. Portanto, em tal caso, devem–se preterir os deveres de piedade filial, por causa do culto religioso divino. Se porém, o cumprimento dos nossos deveres para com os pais não nos fizer abandonar os do culto divino, a piedade filial mantém os seus direitos. E então, não devemos abandoná–la por causa da religião,

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Gregório, explicando a palavra do Senhor, diz: Os pais, que surgem como nossos adversários, no caminharmos para Deus, devemos ignorá–los, odiando–os e fugindo–os. Pois, quando os pais nos excitam ao pecado e nos querem fazer preterir o culto divino, devemos, nesse ponto, abandoná–los e odiá–las. E nesse sentido é que refere a Escritura terem os Levitas ignorado os seus consanguíneos; porque não pouparam aos idólatras, para obedecer à ordem do Senhor. ­ Quanto a Jacó e a João, foram louvados por terem seguido o Senhor, separando–se dos pais; não por os excitarem ao mal, mas por pensarem que estes podiam passar bem a vida, seguindo eles a Cristo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O Senhor proibiu ao seu discípulo ir dar sepultura ao pai porque, como diz Crisóstomo, assim agindo livrou–o de muitos males; por exemplo, das lágrimas, das tristezas e do mais que daí resulta. E depois da sepultura era necessário examinar os testamentos, a divisão da herança e o mais. Sobretudo quando havia outros capazes de desempenhar o dever do sepultamento. Ou, segundo a exposição de Grilo, aquele discípulo não pedia para sepultar o pai já morto, mas para sustentá–lo na sua velhice, até que, morto, o sepultasse. O que o Senhor não permitiu, por haver outros, presos pelos laços de parentesco, que podiam se dar a esse cuidado.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A própria assistência que, por dever, prestamos aos pais carnais, a Deus a referimos; assim como as outras obras de misericórdia, que praticamos para com quaisquer outros próximos, consideram–se como feitas a Deus, segundo aquilo do Evangelho: O que vós fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim é que o fizestes. Portanto, se os nossos pais carnais precisam da nossa assistência, não podendo viver sem ela, nem nos induzirem a nada contra Deus, não devemos, a pretexto de religião, abandoná–los. Se porém não pudermos vacar ao serviço deles, sem que pequemos; ou se puderem viver sem a nossa assistência ; é lícito omiti–la para vacarmos mais completamente aos deveres da religião.

RESPOSTA À QUARTA. – Não podemos dizer do que ainda vive no século o mesmo do que professou numa religião. – Pois, quem vive no século, se tem parentes que não podem viver sem a sua assistência, não deve deixá–los ao abandono, para entrar em religião, porque transgrediria o mandamento que preceitua honrá–los. Embora certos digam que, mesmo nesse caso, pode licitamente abandoná–los, entregando a Deus o velar por ele. Mas, quem refletir atentamente verá que isso é tentar a Deus, porque tendo meios humanos de sustentá–los, entrega–os à esperança no socorro divino. Mas, se sem a sua assistência os pais puderem viver, é–lhe lícito, deixando–os, entrar em religião; porque os filhos só estão obrigados a sustentar os pais quando necessitados, segundo dissemos. – Mas, quem já professou em religião é considerado como tendo morrido para o mundo. Portanto não deve a pretexto de sustentar os pais, sair do claustro, onde foi sepultado com Cristo, e envolver–se de novo em negócios seculares. Está obrigado, porém, observada a obediência ao seu prelado e o estado da sua religião, empregar um piedoso esforço de modo a ir em auxílio dos pais.

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