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Art. 3 – Se é lícito dar e receber dinheiro em pagamento das obras espirituais.

O terceiro discute–se assim. – Parece lícito dar e receber dinheiro em pagamento das obras espirituais.

1. – Pois, o exercício da profecia é uma obra espiritual. Ora, por esse exercício se dava, outrora, um pagamento, como se lê na Escritura. Logo, parece lícito dar e receber dinheiro por uma obra espiritual.

2. Demais. – A oração, a predicação, o louvor a Deus são atos espirituais por excelência. Ora, para impetrar o sufrágio das suas orações, dava–se dinheiro aos varões santos, como se lê no Evangelho: Grangeai amigos com as riquezas da iniquidade. E também o Apóstolo diz que se devem dar bens temporais aos pregadores, que semeiam os bens espirituais. Também se dá aos que celebram os louvores divinos no ofício eclesiástico e fazem procissões; e às vezes há rendas anuais destinadas a esse fim. Logo, é lícito receber alguma coisa em paga das obras espirituais.

3. Demais. – A ciência não é menos espiritual que o poder. Ora, é lícito receber dinheiro pelo exercício da ciência. Assim, o advogado pode vender o justo patrocínio; o médico, o conselho para ter saúde; o mestre, o ensinamento da doutrina. Logo, pela mesma razão, parece lícito ao prelado receber alguma causa pelo exercício do seu poder espiritual, por exemplo, por uma correção, por uma dispensa ou por coisa semelhante.

4. Demais. – A religião é o estado da perfeição espiritual. Ora, certos mosteiros exigem um dote dos que neles são recebidos. Logo, é lícito receber dinheiro em paga dos bens espirituais.

Mas, em contrário, uma decretal: Tudo o que é dado pela munificência da graça invisível não deve absolutamente ser vendido por dinheiro ou por quaisquer outras recompensas. Ora, todos os bens espirituais referidos são dadas pela graça invisível. Logo, não é lícito vendê–los por dinheiro ou por quaisquer outras recompensas.

SOLUÇÃO. – Assim como os sacramentos se chamam espirituais por conferirem graças espirituais, assim também outras causas se chamam espirituais por procederem da graça espiritual e disporem para ela. Às quais contudo são feitas pelo ministério de homens que devem ser sustentados pelo povo, a quem eles as ministram, segundo as palavras do Apóstolo: Quem jamais vai à guerra à sua custa? Quem apascenta um rebanho e não come do leite do rebanho? Portanto, vender ou comprar a que esses atos tem de espiritual é simoníaco. Mas, receber ou dar dinheiro. para sustenta das que ministram as bens espirituais, segunda a ordenação da Igreja e as costumes aprovados, é lícita. Contanto que não haja a intenção de comprar nem de vender; e que não se exija nenhuma retribuição sob pena de se reterem os bens espirituais que se devem distribuir, porque do contrário haveria a aparência de venda. – Mas quando foram dispensados gratuitamente, pode–se licitamente, com a intervenção da autoridade superior, exigir dos que os recusam e podem pagá–los, as oblações prescritas e habituais, ou quaisquer outros proventos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz Jerônimo, davam–se espontaneamente certas espórtulas aos bons profetas, para sustento deles, e não para lhes comprar o exercício das profecias, do qual os pseudo profetas se serviam para ganhar dinheiro.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os que dão esmolas aos pobres, para lhes pedir o sufrágio das orações não lh'as dão com a título de lhes comprar essas orações; mas, pela beneficência gratuita, despertam na alma deles o desejo de orar gratuita e caridosamente pelos que lhes fizeram benefício. – Aos pregadores também são devidos os bens temporais para se sustentarem com eles, e não para, por meio desses bens, comprarmos a palavra da pregação. Por isso, aquilo do Apóstolo: ­ Os presbíteros que governam bem, etc. – diz a Glosa: A necessidade nos obriga a ganhar para viver, e a caridade, a dar, mas o Evangelho não pode ser vendido por tal preço; pois, do contrário, vender–se–ia um grande bem por preço vil. ­ Do mesmo modo, também se dão bens temporais aos que louvam a' Deus, recitando o ofício eclesiástico, quer pelos vivos, quer pelos mortos; não como paga, mas como estipêndio para o sustento. E ao mesmo título recebem–se esmolas para acompanhar um enterro. – Mas, se tais coisas se fizessem como cumprimento de contrato, ou ainda com a intenção de compra e venda, seria simoníaco. Portanto, seria uma ordenação ilícita o da Igreja que estipulasse que não se acompanharia o enterro em que não se fizesse o pagamento de uma certa quantia de dinheiro; porque tal ordenação impediria de se cumprir gratuitamente o dever de piedade para com outrem. Mas, seria, antes lícita, a ordenação, estabelecendo que a todos os doadores de uma certa esmola se prestariam tais ou tais honras, porque então não haveria impedimento de fazer aos outros a mesma pompa fúnebre. Demais, a primeira ordenação toma carácter de uma exacção; e a segunda, o de uma compensação gratuita.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Aquele a quem foi cometida uma autoridade espiritual esta obrigado, por dever, a exercê–la para dispensar os bens espirituais; e também, para o seu sustento, recebe os estipêndios estatuídos, das rendas da igreja. Portanto, se recebesse alguma coisa pelo exercício dessa autoridade, não significaria com isso que alugava os seus trabalhos, que por dever de ofício, deve prestar, mas que vendia o uso mesmo da graça espiritual. Por isso, não é lícito receber nada por qualquer dispensação de bens espirituais, nem por deixar que outros os substituam nas suas funções, nem por corrigir ou não os que lhes estão sujeitos. Mas, é–lhe lícito receber aprovisionamentos quando visitam os súditos, não como paga dos trabalhos mas, como estipêndio devido. – Quanto a quem tem ciência e não assumiu a obrigação de distribui–la aos outros, para que dela usem, pode licitamente receber pagamento pelo que ensinou ou pelo conselho dado; o que não é vender a ciência mas, alugar os seus trabalhos. Se, porém, tinha o dever de fazê–lo, seria considerado como vendedor da verdade e, assim, pecaria gravemente. Tal o que se dá com os encarregados, por certas igrejas, de lhes ensinar os clérigos e outros pobres, para o que recebem dela um benefício e portanto nada podem receber deles, nem para ensinarem nem para fazer ou omitir alguma solenidade.

RESPOSTA À QUARTA. – Pela entrada num mosteiro, não pode este exigir nem receber nada como pagamento. Mas, se o mosteiro não tiver meios suficientes para sustentar todos os que nele vivem, é lícito, depois de ter admitido gratuitamente a quem nele quiser entrar, receber dessa pessoa alguma coisa com que possa sustentá–la, se para tal não chegaram os recursos do mesmo. – Semelhantemente, também é lícito um mosteiro receber mais facilmente a quem, por devotamento que mostrou para com ele, fez–lhe largas esmolas. Assim como também é lícito, inversamente, provocar o devotamento de alguém para com o mosteiro, manifestado pela doação de bens temporais, para assim inclinar essa pessoa a entrar nele. Embora não seja lícito a ninguém dar nem receber nada pela entrada num mosteiro, por força de algum contrato, como determinam os cânones.

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