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Art. 4 – Se a alegria é efeito da devoção.

O quarto discute–se assim. – Parece que a alegria não é efeito da devoção.

1. – Pois, como se disse, a paixão de Cristo excita soberanamente a devoção. Ora, de a considerarmos resulta em nossa alma uma certa aflição, conforme àquilo da Escritura: Lembra–te da, minha pobreza, do absintio e do fel, que são próprios da paixão. E depois acrescenta: Eu me lembrarei muito bem disto e a minha alma se definhará dentro de mim. Logo, a alegria ou o gáudio não é efeito da devoção.

2. Demais. – A devoção consiste principalmente no sacrifício interior. Ora, a Escritura diz: Sacrifício; para Deus é o espírito atribulado. Logo, a aflição é, mais do que a alegria ou o gáudio, efeito da devoção.

3. Demais. – Gregório Nisseno diz: Assim como o riso procede da alegria, assim, as lágrimas e os gemidos são sinais de tristeza. Ora, a certos a devoção os leva a verter lágrimas. Logo, a alegria ou o gáudio não é efeito da devoção.

Mas, em contrário, uma coleta diz: Os que se mortificam com o jejum, por devoção, a esses também a devoção santa os alegrará.

SOLUÇÃO. – A devoção, essencial e principalmente, causa a alegria espiritual da alma; mas, por consequência e por acidente, causa a tristeza. Pois, dissemos que a devoção procede de uma dupla consideração. – Principalmente, procede da consideração da divina bondade; pois, esta consideração constitui quase o termo da vontade que se entrega a Deus. E dela resulta essencialmente o prazer, conforme aquilo da escritura: Lembrei–me de Deus e me deleitei. Mas, por acidente, essa consideração causa uma certa tristeza naqueles que ainda não gozam plenamente de Deus, segundo a Escritura: A minha alma está ardendo de sede por Deus, fonte viva. E a seguir acrescenta: As minhas lágrimas foram o meu pão, etc. Em segundo lugar, a devoção é causada, como dissemos, pela consideração dos nossos próprios defeitos; pois, esta constitui o termo de que nos afastamos pelo movimento da vontade devota, de modo que a vontade não se afirme independente, mas, sujeita a Deus. E esta consideração se comporta inversamente à primeira: pois, por si mesma é de natureza a causar a tristeza, porque nos faz revolver na mente os nossos próprios defeitos; mas, por acidente, isto é, pela esperança no socorro divino, causa a alegria. – E fica assim, claro que da devoção resulta, primária e essencialmente, o prazer, e, secundária e acidentalmente, a tristeza que conduz a Deus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Na meditação da paixão de Cristo há algo de contristador, a saber, os defeitos humanos, para delir os quais Cristo teve que sofrer. Mas também há o que nos alegra, a saber, a benignidade de Deus para conosco, que nos livrou de tão grandes males.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O espírito que, por um lado, sofre tribulação com os defeitos da vida presente, por outro se compraz na meditação da bondade divina e na esperança no divino auxílio.

RESPOSTA À TERCEIRA. – As lágrimas brotam não só da tristeza, mas também de uma certa ternura do afeto, sobretudo quando consideramos algo de deleitável que vai, contudo, de mistura com uma certa tristeza. Assim, costumam os homens chorar, movidos de piedoso afeto, quando recobram os filhos ou amigos caros, que julgavam perdidos. E deste modo é que as lágrimas brotam da devoção.

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