O segundo discute–se assim. – Parece que a alma não tem o ser produzido por criação.
1. – Pois, o que tem em si algo de material é produzido da matéria. Ora, a alma tem em si algo de material, por não ser ato puro. Logo, é feita da matéria e, portanto, não é criada.
2. Demais. Todo ato de qualquer matéria é tirado da potência desta; pois, como a matéria é potencial em relação ao ato, qualquer ato preexiste potencialmente na matéria. Ora, a alma é o ato da matéria corpórea, como resulta da definição da mesma. Logo, a alma é tirada da potência da matéria.
3. Demais. – A alma é uma forma. Se, pois, é produzida por criação, pela mesma razão todas as outras formas também o são. E, assim, nenhuma forma vem ao ser pela geração. O que é inadmissível.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Deus criou o homem segundo a sua imagem. Logo, o homem é segundo a imagem de Deus, pela alma. Logo, a alma veio a existir por criação.
SOLUÇÃO. – A alma racional não pode ser produzida senão por criação, o que não é verdade das outras formas. E a razão é que, como o devir é via para o ser, a um ente convém o devir na mesma medida em que lhe convém o ser. Ora, propriamente, considera–se como sendo aquilo que tem o ser em si mesmo, e como subsistente nele, Por onde, só as substâncias são, própria e verdadeiramente, consideradas entes. Ao passo que o acidente não tem o ser, mas faz com que alguma cousa seja e, por isso, se chame ente; assim, a brancura chama–se ente porque faz alguma cousa ser branca. E por isso Aristóteles diz que o acidente é considerado mais como dependência do ente, do que ente. E o mesmo fundamento têm todas as outras formas não subsistentes. E, portanto, a nenhuma forma não subsistente convém, propriamente, o devir; mas se consideram como devindo, porque os seres compostos subsistentes devêm. Ora, a alma racional é uma forma subsistente, como antes já se estabeleceu; e por isso, propriamente, lhe convém o ser e o devir. E como não pode ser feita de matéria preexistente corpórea, porque então seria de natureza corpórea; nem espiritual, porque então as substâncias espirituais se transmutariam umas nas outras, necessário é concluir que a alma só pode devir por criação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A alma tem, como elemento material, a sua própria essência simples; e tem como elemento formal, o ser participado que, necessária e simultaneamente se implica na essência da alma, porque o ser em si é consecutivo à forma. E a doutrina seria a mesma se se considerasse a alma como composta de determinada matéria espiritual, como certos dizem; pois essa matéria não é potencial em relação à outra forma, semelhante, nisso, à matéria do corpo celeste; do contrário, a alma seria corruptível. Por onde, de nenhum modo a alma pode ser feita de uma matéria preexistente.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quando se diz que um ato é tirado da potência da matéria, não se quer dizer senão que é reduzido a ato o que antes existia em potência. Ora, como a alma racional não tem o ser dependente da matéria corpórea, mas sim, o ser subsistente, e excede a capacidade da matéria corpórea, como antes se disse por isso ela não é tirada da potência da matéria.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Não há símile entre a alma racional e as outras formas como já se disse.