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Art. 4 — Se, perdoada a culpa pela penitência permanece o reato da pena.

O quarto discute-se assim. — Parece que perdoada a culpa pela penitência, não permanece o reato da pena.
 
1. — Pois, removida a causa, removido fica o efeito. Ora, a culpa é a causa do reato da pena; pois, somos dignos da pena, porque come­temos a culpa. Logo, perdoada a culpa, não pode permanecer o reato da pena.
 
2. Demais. — Como diz o Apóstolo, o dom de Cristo é mais eficaz que o pecado. Ora, pecando, incorremos simultaneamente na culpa e no reato da pena. Logo e com maior razão, o dom da graça perdoa simultânea mente a culpa e dele o reato da pena.
 
3. Demais. — O perdão dos pecados se dá, na penitência, pela virtude da paixão, segundo aquilo do Apóstolo: Ao qual propôs Deus para ser vítima de propiciação pela fé no seu sangue, pela remissão dos delitos passados. Ora, a pai­xão de Cristo é suficientemente satisfatória por todos os pecados, como se disse. Logo, depois da remissão da culpa, não permanece nenhum reato da pena.
 
Mas, em contrário, a Escritura refere que, tendo Davi penitente dito a Natan - Pequei contra o Senhor, respondeu-lhe Natan: Também o Senhor transferiu o teu pecado - não morrerás; todavia morrerá certamente o filho que te nasceu. O que foi pena de um pecado precedente, como no mesmo lugar se diz. Logo, perdoada a culpa, permanece o reato de uma certa pena.
 
SOLUÇÃO. — Como estabelecemos na Segun­da Parte, dois elementos constituem o pecado mortal - a aversão do bem incomutável e a conversão desordenada para um bem mutável. Ora, da parte da aversão do bem incomutável, resulta para o pecado mortal o reato da pena eterna, que requere seja eternamente punido quem pecou contra o bem eterno. Da parte da conversão para o bem mutável, enquanto desor­denada, resulta para o pecado mortal o reato de alguma pena; porque a desordem da culpa não se reduz à ordem da justiça senão pela pena. Pois é justo que quem concedeu à sua vontade mais do que devia, sofra alguma pena contra a vontade; assim haverá igualdade. Don­de o dizer a Escritura: Quanto se tem glorificado e vivido em deleites, tanto lhe dai de tor­mento e pranto. Mas como a conversão ao bem comutável é finita, não é devida, por ai, ao pe­cado mortal uma pena eterna. Por onde, se a conversão desordenada para o bem mutável não for acompanhada da a versão de Deus, como se dá no caso dos pecados veniais, não é devida ao pecado uma pena eterna, mas só temporal. ­Quando, pois, pela graça se perdoa a culpa, de­saparece a versão de Deus, que tinha a alma, pois, pela graça ela se une com Deus. Portanto e conseqüentemente, fica simultaneamente eli­minado o reato da pena eterna. Mas pode per­manecer o reato de uma pena temporal.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A culpa mortal implica ao mesmo tempo a aver­são de Deus e a conversão a um bem criado. Ora, como estabelecemos na Segunda Parte, a aversão de Deus é como o elemento formal des­sa culpa; e a conversão ao bem criado, como o elemento material. Ora, removido de um ser o seu elemento formal, desaparece-lhe a espécie; assim, removido o racional, desaparece a espécie humana. Por onde, dizemos que é perdoada uma culpa mortal, por isso mesmo que a graça elimina a aversão que tem a alma de Deus, si­multaneamente com o reato da pena eterna. Mas permanece o elemento material, isto é, a con­versão desordenada para o bem criado, a que responde o reato da pena temporal.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como estabelecemos na Segunda Parte, é próprio da graça agir em nós para nos justificar do pecado e cooperar co­nosco para agirmos retamente. Por onde, é a graça operante que nos perdoa a culpa e o reato da pena eterna. Mas é a graça cooperante que nos perdoa o reato da pena temporal, enquanto que, sofrendo as penas pacientemente, com o auxilio da divina graça, somos absolvidos tam­bém do reato da pena temporal. Assim pois, o efeito da graça operante é anterior ao da graça cooperante; e por isso também a remissão da culpa e da pena eterna é anterior à plena absol­vição da pena temporal. É verdade que ambas são efeitos da graça, mas a primeira vem só da graça, ao passo que a segunda, da graça e do livre arbítrio.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A paixão de Cristo é por si mesma suficiente para delir totalmente o reato da pena, não só eterna, mas ainda tem­poral. E, segundo o modo por que participamos da virtude da paixão de Cristo, recebemos tam­bém a absolvição do reato da pena. Ora, no batismo participamos totalmente da virtude da paixão de Cristo, pois pela água e pelo Espírito morremos com Cristo para o pecado e renasce­mos para uma vida nova. Por isso, no batismo alcançamos a remissão total do reato da pena. Mas na penitência participamos da paixão de Cristo ao modo dos nossos atos próprios e que são a matéria desse sacramento, como a água é a matéria do batismo, conforme dissemos. E por isso não ficamos absolvidos totalmente do reato da pena, logo depois do primeiro ato de penitência; pelo qual somos perdoados da culpa, mas só depois de completos todos os atos de penitência.

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