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Art. 16 — Se Deus tem ciência especulativa das coisas.

(De Verit., q. 3, a. 3).
 
O décimo sexto discute-se assim. — Parece que. Deus não tem, das coisas, ciência especulativa.
 
1. — Pois, a ciência de Deus é a causa das coisas, como antes foi demonstrado1. Ora, a ciência especulativa não é a causa das coisas sabidas. Logo, a ciência de Deus não é especulativa.
 
2. Demais. — A ciência especulativa nasce da abstração das coisas, o que não convém à ciência divina. Logo, a ciência de Deus não é especulativa.
 
Mas, em contrário, tudo o que é mais nobre devemos atribuir a Deus. Ora, a ciência especulativa é mais nobre que a prática, como está claro no Filósofo2. Logo, Deus tem das coisas ciência especulativa.
 
SOLUÇÃO. — Há uma ciência, que é somente especulativa; outra, somente prática; outra, enfim, especulativa, num ponto de vista, e prática, em diverso.
 
Para evidenciá-lo devemos saber, que qualquer ciência pode ser considerada especulativa, de tríplice modo. Primeiro, quanto às coisas sabidas, que não são realizáveis por quem as conhece; tal a ciência humana das coisas naturais, ou das divinas. Segundo, quanto ao modo de conhecer; p. ex., se o construtor considerar uma casa, definindo e dividindo e considerando os predicados universais da mesma. O que é, por certo, considerar, de modo especulativo, o que é objeto de prática, e não, enquanto tal objeto. Pois, o praticável é tal, pela aplicação de uma forma à matéria, e não, pela resolução do composto aos princípios formais universais. Terceiro, quanto ao fim; pois, o intelecto prático difere, pelo fim, do especulativo, como diz Aristóteles3. Porque o intelecto prático ordena-se ao fim da operação, ao passo que o fim do intelecto especulativo é a consideração da verdade. Donde, o construtor que examinasse como uma casa possa ser feita, não a ordenando ao fim da operação, mas, somente ao do conhecimento, a examinaria especulativamente, quanto ao fim, e contudo, a respeito de um objeto de uma operação. Portanto, a ciência especulativa, em razão da própria coisa conhecida, é somente especulativa. A especulativa, porém, pelo modo ou pelo fim, é de certa maneira, especulativa, e de certa outra, prática. Quando porém, ordenada ao fim da operação, é prática, pura e simplesmente.
 
Segundo, pois, o que acaba de ser exposto, devemos concluir, que Deus tem, de si mesmo, somente a ciência especulativa, pois não é objeto de operação. Mas, de todos os outros seres, a tem especulativa e prática. Especulativa, quanto ao modo; pois, tudo o que nas coisas nós conhecemos especulativamente, definindo e dividindo, tudo isso Deus conhece muito mais perfeitamente. Daquelas coisas, porém, que pode certamente fazer, sem que as faça em tempo nenhum, não tem ciência prática, enquanto que tal ciência tira a sua denominação do fim. Assim, pois, tem ciência prática daquilo que faz num determinado tempo. Quanto ao mal, embora não possa praticá-lo, contudo tem dele conhecimento prático, como o tem do bem, permitindo-o, impedindo-o, ou ordenando-o. Assim, as doenças não compreende a ciência prática do médico, que as cura com a sua arte.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A ciência de Deus é causa, não certamente de si mesmo, mas dos outros seres. De uns, i. é, daqueles que são feitos, num tempo determinado, em ato; e doutros, i. é, daqueles que pode fazer, embora nunca venha a fazê-los, pelo seu poder.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O ser a ciência oriunda das coisas conhecidas não convém à ciência especulativa, como tal, mas, por acidente, enquanto humana.
 
RESPOSTA AO OBJETADO EM CONTRÁRIO. — Respondemos: não há ciência perfeita das coisas praticáveis, senão enquanto conhecidas como tais. Por onde, sendo a ciência de Deus, a todos os respeitos, perfeita, necessariamente conhece as coisas que pode fazer, como tais, e não somente, enquanto objeto de especulação. E contudo, nada perde da nobreza da ciência especulativa, porque vê todas as coisas diferentes de si, em si mesmo, a quem conhece especulativamente. Por onde, pela ciência especulativa de si mesmo, tem conhecimento especulativo e prático de todos os outros seres.
  1. 1. Q. 14, a. 8.
  2. 2. Metaph., lect. I.
  3. 3. De Anima, lib. III, lect. XV.
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