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Art. 5 ― Se a alma intelectiva conhece as coisas materiais nas razões eternas.

 

(Supra, q. 12 a. 2 ad 3; De Verit., q. 8, a. 7, ad 13; q. 1a. 8 ).
 
O quinto discute-se assim. ― Parece que a alma intelectiva não conhece as coisas materiais nas razões eternas.
 
1. ― Aquilo, no que alguma coisa é conhecida, é objeto de conhecimento maior e anterior. Ora, a alma intelectiva do homem, no estado da vida presente, não conhece as razões eternas, porque não conhece a Deus, em quem existem tais razões e a quem está unido como a um ignoto, segundo diz Dionísio. Logo, a alma não conhece todas as coisas nas razões eternas.
 
2. Demais. ― A Escritura diz: as coisas invisíveis de Deus vêm-se por aquelas que foram feitas. Logo, entre as coisas invisíveis de Deus enumeram-se as razões eternas. Portanto, estas razões são conhecidas pelas criaturas materiais, e não inversamente.
 
3. Demais. ― As razões eternas não são senão as idéias. Pois, Agostinho diz, que as idéias são as razões estáveis das coisas existentes na mente divina. Se, portanto, se admite que a alma intelectiva conhece todas as coisas nas razões eternas, há-se de admitir a opinião de Platão, ensinando que toda ciência deriva das idéias.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: Se ambos vemos ser verdade o que dizes, e ambos vemos ser verdade o que digo, onde, pergunto, o vemos? Por certo não o vejo eu em ti, nem tu em mim, mas ambos o vemos na verdade incomutável superior às nossas mentes. Ora, a verdade incomutável está contida nas razões eternas. Logo, a alma intelectiva conhece todas as coisas verdadeiras, nas razões eternas.
 
Solução. ― Como diz Agostinho, os chamados filósofos, se porventura, disseram algumas coisas verdadeiras e acomodadas à nossa fé, devemos indicá-las a eles, como de possuidores injustos, para o nosso uso. Pois, as doutrinas dos gentios tem certas ficções simuladas e supersticiosas que cada um de nós, saindo da sociedade deles, deve evitar. E por isso Agostinho, que fora imbuído das doutrinas dos Platônicos, tomou o que encontrou de acomodado à verdade, nos ditos deles; porém o que achou contrário à nossa fé, mudou para melhor. Assim, como já se viu antes, Platão ensinava que as formas das coisas subsistem por si, separadas da matéria, e lhes chamava idéias, por participação das quais – dizia – o nosso intelecto conhece todas as coisas; pois, como a matéria corpórea, participando da idéia de pedra, faz-se pedra, assim o nosso intelecto, por participação da mesma idéia, conhece a pedra. Ora, é alheio à fé que as formas das coisas subsistam por si, fora delas, sem matéria, como queriam os Platônicos, dizendo que a vida em si ou a sapiência em si são certas substâncias criadoras, como refere Dionísio. Por onde, Agostinho ensinou, em lugar dessas idéias que Platão admitia, que as razões de todas as coisas existem na mente divina, de acordo com as quais todas as coisas são formadas, e segundo as quais também a alma humana conhece tudo.
 
Quando, pois, se pergunta se a alma humana conhece tudo nas razões eternas, deve-se responder que de duplo modo se pode dizer que uma coisa é conhecida em outra. ― De um modo, corno no objeto conhecido; como quando alguém vê num espelho as coisas cujas imagens nele se refletem. E deste modo, a alma, no estado da vida presente, não pode ver tudo nas razões eternas; pois esse é o conhecimento dos bem-aventurados que vêm a Deus e, nEle, tudo. ― De outro modo, diz-se que uma coisa é conhecida em outra, como no princípio da cognição; como quando dizemos que no sol se vêm as coisas vistas por meio do sol. E assim, necessário é admitir que a alma humana conhece tudo nas razões eternas, por cuja participação conhecemos todas as coisas. Pois, o mesmo lume intelectual existente em nós não é senão uma semelhança participada do lume incriado, no qual estão contidas as razões eternas. Por onde, diz a Escritura: Muitos dizem: Quem nos patenteará os bens? A cuja pergunta o Salmista dá a seguinte resposta: Gravada está sobre nós, Senhor, a luz do teu rosto; como se dissesse: pela sigilação mesma do divino lume em nós todas as coisas são reveladas.
 
Como, porém, além do lume intelectual, são necessárias, em nós, espécies inteligíveis derivadas das coisas, para que possamos ter ciência das coisas materiais, por isso, não é só pela participação das razões eternas que temos ciência destas, como ensinavam os Platônicos, dizendo que só a participação das idéias basta para a aquisição da ciência. Por onde, diz Agostinho: Pois, pelo fato de os filósofos terem persuadido, com ensinamentos certíssimos que, pelas razões eternas se fazem todas as coisas temporais, puderam, por isso, contemplar nessas razões ou delas coligir quantos são os gêneros dos animais e quais as origens de cada um? Pois, não indagaram todas estas coisas pela história dos Lugares e dos tempos?
 
E que Agostinho não era de opinião que todas as coisas são conhecidas nas razões eternas, ou na verdade incomutável, como se essas próprias razões fossem vistas, é claro pelo que diz em outro passo: assegura-se, que não toda e qualquer alma racional é idônea para essa visão; a saber, das razões eternas, mas a que for santa e pura; como são as almas dos bem-aventurados.
 
E daqui se deduzem as respostas às objeções.

 

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