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OBSESSÃO
"Qual é a natureza da obsessão? Quanto ao objeto, ela consiste em afirmar "que existe uma coisa e só uma a temer". Quanto ao sujeito, consiste em supor que todas as virtudes devem ser concentradas na direção daquele perigo único. Ora, tanto uma idéia como outra é contrária à noção de vigilância que a Igreja não se cansa de nos inculcar. O vigilante é o homem que, de certo modo, não sabe de onde virá o perigo. Não sabe a hora e o dia. Ou melhor, sabe que ele poderá vir a cada instante (o perigo e a salvação) e de cada direção. O obsedado, ao contrário, é o homem que se gaba de saber precisamente a hora e o azimute do perigo. Ora, essa é a mentalidade do homem técnico, do tático, e não do homem que consulta a prudência propriamente moral. Nas guerras nós sabemos, com certa nitidez, de que lado está o adversário; na vida a Igreja nos ensina que ele está em torno de nós, "ao redor de nós, a rugir como um leão". E não à frente; e não à direita; e não à esquerda.
 
"Ainda mais, convém notar que o mesmo indivíduo pode ser vítima de muitas obsessões. Melhor do que acima dissemos, a obsessão consiste, não tanto na idéia de um objeto único, detestável ou apetecível, mas na idéia da decomposição em partes do domínio moral. O mesmo sujeito pode sofrer a obsessão do pecado contra a castidade e do comunismo. Pode ter mil obsessões sem que o número, por mais elevado que seja, restaure a fundamental unidade do ato moral radicada na razão. Basta uma zona obscura para estar completamente perdida a integridade moral.
 
"A obsessão é uma paixão desgovernada, tornada má por falta da inteireza, e, pelo medo ou pela concupiscência, conduzirá o indivíduo, por caminhos tortuosos, levando-o infalivelmente a perder o que busca alcançar e a abraçar com o espectro que o apavora. [...]
 
"Revista-se embora de aspectos virtuosos, nunca é virtude; seja um mal o que evita, acaba por atraí-lo; seja um bem que procura, só consegue perdê-lo."
(Editorial não Assinado de A Ordem, Março de 1947)
 
OBEDIÊNCIA
"Sim, o Crime da Obediência. Será preciso lembrar que a virtude da obediência é a que exige o mais fino e intransigente dos discernimentos?"
("Remember", artigo sobre o Nazismo, in Patriotismo e Nacionalismo)
 
"(...) diante de uma hierarquia tornada quase invisível, aqueles que mais amam obedecer, são levados por um indizível sentimento de orfandade, e se embaraçam numa invencível dificuldade de obedecer..."
(Editorial de Permanência, no. 52)
 
"Quando Santa Tereza (para obedecer ao confessor) fazia caretas à visão que lhe aparecia, ouviu do Senhor Jesus: "filha, agrada-me a tua obediência".  Mas quando porém se trata da salvação das almas, como silenciar sem desobedecer? Para fingir que obedecemos, desobedeceremos àquele que nos deixou dito: "... sereis minhas testemunhas..." (At 1,8)"
(Editorial de Permanência, no. 52)
 
"E não se diga que o clero e o laicato "progressista" quebraram a disciplina. É pouco. Diga-se que quebraram uma coisa mais profunda e mais preciosa. De um jovem que acha indispensável esbofetear a mãe para afirmar sua maioridade não diríamos que quebra a disciplina. Antes diremos que quis quebrar tudo, céus e terra, e só feriu a autoridade próxima por não ter à mão a Face de um Deus que se encarnou para ser esbofeteado, cuspido e depois crucificado.
 
"Salta aos olhos do mais desatento habitante do século que o espetáculo da morte da autoridade é sinal do desejo da morte de Deus. Andam por aí os padres que não obedecem aos bispos, os bispos que não obedecem ao Papa, e enchem o mundo os filhos que não obedecem aos pais.
 
"Mas não haveria crise de autoridade se o fenômeno se limitasse à desobediência ou se a falha estivesse só do lado dos revoltosos. Não haveria a calamidade de dimensões planetárias sem a outra metade do problema, isto é, sem a omissão dos que deviam exercer e não exercem a autoridade, não apenas por fraqueza ou covardia, mas por uma espécie de simpatia e conivência, ou por uma espécie de descrença profunda."
(A Crise de Autoridade e o Democratismo, Permanência, junho de 1969)
 
OFÍCIOS
"Sempre que medito na variedade dos ofícios humanos sinto uma espécie de vertigem, como se essa multiplicidade separasse e dividisse a espécie humana em miríades de subespécies; e preciso agarrar-me à metafísica para lembrar que essa pluralidade espantosa de habilidades prova a unidade do gênero humano no nível da racionalidade. Somente poderia dominar os seres corpóreos com tal universalidade um ser, embora corpóreo, animado por uma substância ontologicamente superior à substâncias materiais. É a espiritualidade da nossa alma que nos proporciona essa espantosa multiplicidade de ofícios. Mas essa mesma capacidade que glorifica o homem tem seu lado de miséria, porque cada ofício é uma gaiola onde o homem canta sua humanidade à custa da prisão que lhe assegura o alpiste de cada dia, como dizia o Bilac de minha infância."
("A Profissão dos outros e a minha", in Conversa em Sol Menor)
 
"Dias há em que a gente fica triste com o ofício que tem. Imagino como não deve ser enervante para as cozinheiras, nesses dias, a atmosfera das frituras e a companhia das caçarolas; como não deve ser monótono para o ferreiro o gemido das bigornas; como não deve ser triste, muito triste, o vai-e-vem da agulha na mão picada da velha costureira. Cada ofício é uma prisão. Se a gente tem o espírito largo dos santos, a prisão vira clausura de amor e torna-se recanto de paz; mas onde falta a largueza de coração, o ofício é ofício, e a prisão é prisão: as coisas ficam sendo o que são pelo bagaço. E o cárcere do ofício é duro, asfixiante, enervante."
("Não matar", A Ordem, Novembro de 1953)
 
OTIMISMO
"De início quero registrar a chocante impropriedade dessa mistura de confiança em Deus com otimismo. O termo otimismo não tem lugar, a não ser em serviços muito subalternos, no léxico cristão. É em nome da divina Esperança que repilo o otimismo, e que não posso ser otimista diante do tal Homem Moderno. Esse termo foi inventado e posto em circulação para designar uma espécie de bobagem muito humana, humana demais, e não para substituir os termos com que há dois mil anos sabemos exprimir nossa confiança em Deus. "
(O GLOBO 11 de abril de 1974)
 
"Não se trata porém de pessimismo como me escreve um leitor querendo colocar minha posição em termos de pessimismo ou otimismo. Em primeiro lugar, chamo a atenção do leitor para uma esquisita contradição que esses termos produzem na mente dos que os escrevem: o escritor que passou sua vida tomando posições, combatendo sem tréguas poderá parecer realmente pessimista, no sentido vulgar do termo, pelo simples fato de estar quase sempre em defesa de uma causa e contra os adversários. Serão então otimistas, positivos, construtivos aqueles que tudo aceitaram, tudo engoliram e só produzem atos reticentes?
 
"Neste caso prefiro ser pessimista e desde logo digo que, no caso atual da crise da Igreja, não tenho a menor esperança humana. Só espero em Deus."
(Apelos e súplicas sem resposta, O Globo, 10/6/78)
 
OS DESESPERADOS
"Morto o Papa Pio X reorganizaram-se os inimigos da Igreja; e terminada a Guerra Mundial I com a vitória de ninguém, surgiu no mundo um frenesi de viver que era uma réplica nervosa ao frenesi de matar. E começa nosso pobre bravo século de tantas invenções e de conquista da lua (!!!) a percorrer suas derrisórias oscilações entre tempos de depressão e tempos de exaltação. Século ciclotímico. Já em 30 cansa-se o planeta de seu frenesi de viver e entra em crise de depressão que atinge os alicerces econômicos. Logo depois surge nova forma de exaltação. Com nostalgia da guerra, da camaradagem viril, da comunhão do perigo, surgem os "ativistas desesperados" de Malraux que em lugar de sentido da vida, e de doutrinas de verdade só procuram combates, sim, combates que por si mesmos bastem para provar e sentir a coragem como um engajamento sem retorno, ou para satisfazer aquele anseio de fraternidade viril, ou combate puro onde não se quer mais do que desforrar-se da obscuridade da vida... Ativistas desesperados, Malraux, Drieu La Rochelle, Brasillach. Exaltação, procura de heroísmo. Ou procura desesperada de uma exaltação de ventura. "Une grande action quelconque...", "... un mot: bonheur!".
[...]
E com a infiltração do marxismo nos meios católicos franceses, nas revistas Sept, Esprit, Témoignages Chrétiens, Études etc., a heresia do século cresce, incha, torna-se gigantesca, planetária. Agora não é a Razão que se ergue contra a fé, não é a Ciência que julga a Igreja, agora o que reclamam da velha Madre ineficiente é a sua incapacidade de fazer um mundo feliz. Já não é o valor-verdade, para afirmar ou para negar, o que mais se discute, o que mais importa é o valor-vital, é a felicidade, o bem-estar, o paraíso, já, aqui, agora, exigido pelos tempos modernos, imperiosamente reclamado pelos impacientes credores de Deus! Transforme-se a Igreja em eficiente instituição filantrópica, ou em divertido clube de jovens, casem-se ou não se casem os padres, exista ou não exista outro mundo: o que importa soberanamente é comer, beber e coroarmo-nos de rosas, porque amanhã morreremos. Os credores de Deus protestam as sagradas escrituras e penhoram a Casa de Deus. Faliu a Igreja dos santos, a Igreja que prometia uma festa no céu como nas histórias de crianças: cabe agora ao homem libertado de tais alienações a edificação de um novo mundo... E aqui temos o traço principal de todo esse movimento de apostasias que, por eufemismo, chamam de progressismo; é a heresia do século, ou melhor, o somatório, o compêndio, a concentração de todas as heresias do século — com uma orientação dominante: contra a Esperança. Sabemos, pelas especulações teológicas dos melhores doutores, que no ato de dar as costas a Deus e de converter-se às criaturas, a primeira virtude mais diretamente afligida é a da Esperança.
 
"Todo este vendaval de insânias, toda esta tormenta de blasfêmias, de sacrilégio, de profanações que temos diante de nossos olhos — e para os quais contribuímos com a tristeza de nossos pecados, mesmo quando combatemos com argumentos de boa doutrina — todo esse emaranhado de malícia e de estupidez dos católicos que se deixam enlear pelos mais brutais inimigos de todas as transcendências de nossa sorte não é mais do que isto: um imenso e ensurdecedor gemido de desesperança.
"Os imbecis, que se guiam pelo ruído que as palavras fazem, dizem que os progressistas têm confiança no homem e no mundo; dizem que os progressistas são otimistas.
 
Não duvidamos que o sejam; mas sabemos que não há nada mais lúgubre do que o otimismo dos desesperados." 
(Editorial, Permanência no. 27, Dez de 1970)
 
"E ousando imitar o tom do grande papa santo, ouso eu dizer-vos, "aos amigos católicos": bem sabeis qual é a grave e profunda causa desse desespero em que se debate essa geração. Para cúmulo de seus males perderam a estrela que sempre, de algum modo tinham como guia e como última esperança. Onde está ela? Onde a Casa de Ouro que anunciava um Reino que não é deste mundo? Onde a luz sobrenatural? Onde a tradição que de boca para ouvido, pelos séculos e séculos, contava uma história de milagres que acabava na madrugada de um Deus ressuscitado?"
(Um texto singular, O Globo, 3/9/77)
 

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