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Art. 6 — Se a morte e as demais misérias do corpo são naturais ao homem.

(IIª-IIªª, q. 164, a. 1, ad 1; II Sent., dist. XXX, q. 1, a. 1; III. Dist. XVI q. 1. a. 1; IV, dist. XXXVI, a. 1, ad 2; IV Cont. Gent., cap. LII; De Malo, q. 5. a. 5; Ad Rom., cap. V, lect III; Ad Hebr., cap. IX, lect. V).
 
O sexto discute-se assim. — Parece que a morte e as demais misérias do corpo são natu­rais ao homem.
 
1. — Pois, o corruptível difere genericamente do incorruptível, como diz Aristóteles. Ora, o homem é do mesmo gênero que os brutos, que são naturalmente corruptíveis. Logo, também ele é naturalmente corruptível.
 
2. Demais. — Tudo o que é composto de princípios contrários é corruptível, quase tendo em si mesmo a causa da corrupção própria. Ora, tal é o corpo humano. Logo ele é naturalmente corruptível.
 
3. Demais. — O quente naturalmente con­some o úmido. Ora, a vida humana se conserva pelo calor e pela umidade. E como as operações vitais se exercem pelo ato do calor natural, como diz Aristóteles, resulta que a morte e as demais misérias do corpo são naturais ao homem.
 
Mas, em contrário. — 1. Tudo o natu­ral ao homem foi Deus quem o fez. Ora, Deus não fez a morte, como diz a Escritura (Sb 1, 13). Logo, ela não é natural ao homem.
 
2. Demais.  — O conforme à natureza não pode ser considerado pena nem mal, a todo ser é conveniente o que lhe é natural. Ora, a morte e as demais misérias do corpo são a pena do pecado original, como já se disse (a. 5). Logo, não são naturais ao homem.
 
3. Demais. — A matéria se proporciona à forma, e todas as coisas, ao seu fim. Ora, o fim do homem é a beatitude perpétua, como já se disse (q. 2, 7; q. 5, a. 3-4). E também a forma do corpo humano é a alma racional, que é incorruptível, como já se demonstrou na Primeira Parte (q. 75, 6). Logo, o corpo humano é naturalmente incorruptível.
 
Solução. — De dois modos podemos con­siderar um ser corruptível: relativamente à na­tureza universal, e à particular. — A natureza particular é a virtude ativa e conservativa pró­pria do ser. E sendo assim, toda corrupção e deficiência é contra a natureza, como diz Aris­tóteles; pois, a virtude referida busca a exis­tência e a conservação do ser a que pertence.
 
Por outro lado, a natureza universal é a virtude ativa existente num princípio universal da natureza, p. ex., em algum dos corpos celes­tes ou em alguma substância superior, o que leva certos a darem a Deus a denominação de natureza naturante. E essa virtude busca o bem e a conservação do universo, exigindo esta últi­ma alternem-se a geração e a corrupção das coisas. E sendo assim, as corrupções e as defi­ciências dos seres são naturais; não certo pela inclinação da forma, princípio da existência e da perfeição; mas pela da matéria, atribuída pro­porcionalmente a uma determinada forma, con­forme a distribuição do agente universal. E em­bora toda forma tenda a perdurar no ser, o quanto possível perpetuamente, contudo ne­nhuma forma de ser corruptível pode conseguir a perpetuidade de existência. Exceto a alma racional, por não estar, como as outras formas, sujeita de modo nenhum à matéria corpórea; antes, é dotada da sua atividade imaterial pró­pria, como já demonstramos na Primeira Parte (q. 75, a. 2). Por onde, quanto à sua forma, é natural ao ho­mem, mais que aos outros seres corruptíveis, a incorrupção. Mas como essa forma está ligada à matéria, composta de princípios contrários, da inclinação da matéria resulta a corruptibili­dade do todo. E a esta luz, o homem é natural­mente corruptível, segundo a natureza da ma­téria, abandonada a si mesma, e não segundo a natureza da forma.
 
Ora, as três primeiras objeções se fundam na matéria; e as outras três, na forma. Por onde, para solvê-las, devemos considerar que a forma do homem, a alma racional, é, pela sua incorruptibilidade, proporcionada ao seu fim, que é a felicidade perpétua. O corpo humano porém, corruptível, considerado na sua natureza, é de certo modo proporcionado à sua forma, e de certo, outro, não. Pois, podemos levar em conta, em qualquer matéria, uma dupla condição: escolhida pelo agente, e a não escolhida, por se fundar na condição natural da matéria. Assim, o ferreiro, para fazer uma faca, escolhe matéria dura e ductil, capaz de adelgaçar-se e tornar-se apta à incisão. E nessascondições o ferro é matéria proporcionada à faca. Mas, pela sua natural disposição, o ferro é frágil e contrai a ferrugem; e essa disposição não a escolhe o artífice, antes a repudiaria, se pudesse. Por onde, tal disposição da matéria não é propor­cionada à intenção do artífice nem ao fim da arte. Semelhantemente, o corpo humano é pela sua compleição equilibrada, a matéria escolhida pela natureza para órgão convenientíssimo ao tato e às outras potências sensitivas e motoras. Mas é corruptível, por causa da condição da matéria. E essa corruptibilidade a natureza não a escolheu; antes, se pudesse, escolheria ma­téria incorruptível. Deus porém, a quem está sujeita toda a natureza, supriu, na instituição do homem, essa deficiência da natureza, dando ao corpo uma certa incorruptibilidade, pelo dom da justiça original, como dissemos na Primeira Parte (q. 97, a. 1). E por isso se diz que Deus não fez a morte, e que a morte é a pena do pecado.
 
Por onde é clara a resposta às objeções.

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