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Art. 4 — Se a fé e a esperança podem, às vezes, existir sem a caridade.

(IIª. lIae, q. 23, a. 7, ad 1 ; III Sent., dist .. XXIII, q. 3, a. 1, qª 2; dist. XXVI, q. 2. a. 3, qª 2; I Cor., cap. XIII lect. 1).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que a fé e a esperança nunca existem sem a caridade.
 
1. — Pois sendo virtudes teologais, são mais dignas do que as virtudes morais, mesmo as infusas. Ora, estas não podem existir sem a caridade. Logo, nem a fé e a esperança.
 
2. Demais. — Só crê quem quer, diz S. Agostinho1. Ora, a caridade existe na vontade, da qual é, a perfeição, como já dissemos2. Logo, a fé não pode existir sem a caridade.
 
3. Demais. — Como diz Agostinho, a esperança não pode existir sem o amor3. Ora é a este, como caridade, que ele se refere. Logo, a esperança não pede existir sem a caridade.
 
Mas, em contrário, a propósito de Mateus 1, 2 a Glosa diz que a fé gera a esperança e esta, a caridade. Ora, o gerador é anterior ao gerado e pode existir sem este. Logo, a fé pode existir sem a esperança e esta, sem a caridade.
 
SOLUÇÃO. — A fé e a esperança, assim como as virtudes morais, podem ser consideradas à dupla luz: como de certo modo incoativas, e como virtudes perfeitas na sua essência. Pois, ordenando-se a virtude à prática das boas obras, é perfeita a conducente a obras perfeitamente boas. E para isto não só boas devem elas ser, mas também, bem feitas; do contrário não haverá bem perfeito se, por bem, se entende o que é feito, embora não o seja bem; e portanto, também o hábito, princípio do que obramos, não realizará perfeitamente a noção de virtude. Assim, quem pratica a justiça por certo que faz bem; mas a sua obra não será o de uma virtude perfeita, se não o praticar bem, i. é, segundo a eleição reta, que se inspira na prudência. Logo, sem esta a justiça não pode ser virtude perfeita.
 
Assim, pois, a fé e a esperança podem, por certo, existir de algum modo sem a caridade, mas, sem esta, não podem realizar a noção perfeita da virtude. Pois, como a fé tem por objeto crer em Deus, e como crer é assentir na opinião de outrem, por vontade própria, o ato da fé não será perfeito, se a vontade não quiser do modo devido. Ora, só influenciada pela caridade, que aperfeiçoa a vontade, pode esta querer do modo devido; porquanto, todo movimento reto dela procede do amor, no dizer de Agostinho4. Por onde, a fé pode, certamente, existir sem a caridade, mas não como virtude perfeita; assim como a temperança ou a fortaleza não podem existir sem a prudência. E o mesmo se deve dizer da esperança, cujo ato consiste em ter em expectativa a futura beatitude dada por Deus. Esse ato será perfeito se se fundar nos méritos que já temos, o que não pode ser sem a caridade. Mas, se essa expectativa se fundar nos méritos que ainda não temos, mas que nos propomos adquirir no futuro, o ato será imperfeito, e pode existir sem a caridade. E portanto, a fé e a esperança podem existir sem a caridade, mas, sem esta, propriamente falando, as virtudes não existem; porque, a virtude, por essência, exige não somente que obremos de acordo com ela, mas ainda, que obremos retamente, como se disse5.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — As virtudes morais dependem da prudência; ora, a prudência infusa, sem a caridade, não pode realizar a essência da prudência, por lhe faltar a relação devida com o primeiro princípio, que é o último fim. Ao passo que a fé e a esperança, por essência, não dependem da prudência nem da caridade; e, portanto, podem existir sem esta, embora então não sejam virtudes, como já se disse.
 
Resposta à segunda. — A objeção colhe quanto à fé, que realiza perfeitamente a essência da virtude.
 
Resposta à terceira. — Agostinho se refere, no lugar aduzido, à esperança pela qual temos em expectativa a futura beatitude, fundada nos méritos que já possuímos; o que não pode ser sem a caridade.

  1. 1. Super Ioan. (tract. XXVI).
  2. 2. Q. 62, a. 3.
  3. 3. Enchir. (cap. VIII).
  4. 4. XIV De civitate Dei (cap. IX).
  5. 5. II Ethic. (lect. VI).
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