Trechos de artigos publicados em "O Globo" de 10 e 17 de Outubro de 1970.
Mês de ressonância revolucionária, mas para nós na PERMANÊNCIA, para nós na Igreja, mês de santos admiráveis, mês do Rosário, mês de Nossa Senhora. Ontem (escrevo no domingo) festejamos nosso terceiro aniversário de PERMANÊNCIA, que precisa permanecer, e ouvimos o Pe. D'Elboux falar-nos de Santa Teresinha do Menino Jesus, "mignone de Dieu, matrone du Christ", composição de magnanimidade e de humildade que só se encontra nas almas que se entregam incondicionalmente aos trabalhos de Deus e assim conseguem possuir o que o Pe. Petitot, a propósito da mesma Teresa de Lisieux, chamou de virtudes antinômicas. Em geral, nós outros, que mal e devagar caminhamos para a perfeição, temos as virtudes que se coadunam e se configuram pelas tendências naturais com que nascemos. E quando conseguimos o progresso de alguma virtude sobrenatural favorecida por inclinação natural, não conseguimos o mesmo progresso naquelas outras, simétricas, necessárias à integridade e à beleza do todo -- e não o conseguimos porque elas contrariam nossa índole natural.
Na alma dos santos, Deus consegue este belo triunfo, o de sua vontade sobre a vontade própria e o do padrão de Cristo sobre o nosso feitio natural. E assim consegue este primor da criação marcado de paradoxos provocantes. Santa Teresinha, tão "tinha", tão minúscula, pela humildade, e pelo gosto da pequenez, foi trabalhada, treinada e transformada numa atleta de tal força que o mundo inteiro, logo após sua morte, adivinhando sua santidade e sua força, ergueu súplicas de intercessão daquela, que na terra morreu esvaída em fraqueza. E a Igreja, para essa pequena Teresa, não achou título mais apropriado do que padroeira das missões. Notem bem a extravagância do paradoxo: a padroeira dos padres que correm mundo, que deixam casa, conforto, comunidade fraterna, para semear o Cristo nos lugares mais distantes, é uma menina carmelita que nunca saiu de seu convento e que aos vinte e quatro anos, sem obra nenhuma vistosa para as próprias irmãs, morre de fraqueza...
E hoje, no dia em que escrevo, peço a Francisco de Assis, o companheiro de Domingos de Guzmán no sonho de Inocêncio III, licença para falar de Catarina de Sena [...] Catarina, filha do tintureiro Benincasa, e vigésimo parto da gloriosa Mona Lapa, mãe que levou tempo a entender a filha, até tornar-se filha da dita filha, Catarina era moça do povo, simples e analfabeta. Mas, além dos dons naturais já muito acima do niveau de l'humanité, como diz Péguy, além da admirável lucidez natural e do prodigioso discernimento, Catarina recebeu ciência infusa das coisas de Deus. Era dominicana, terceira dominicana, e tudo o que aprendeu de ouvido vinha da fonte da doutrina de Santo Tomás.
Ao contrário de Santa Teresinha, Catarina de Sena teve uma vida movimentadíssima e influiu poderosamente no seu tempo, tempo de crises graves na Igreja. Foi conselheira, guia espiritual de papas vacilantes, foi testemunha do papado nos dias do grande Cisma, e foi também conselheira e guia espiritual de muita gente, de muitos padres, de muitos dominicanos, a começar por seu diretor espiritual Frei Raimundo Cápua. Deixou um enorme epistolário, que hoje enche seis grandes volumes; e deixou ditado em arroubo espiritual, nos últimos dias de vida o Diálogo em que fala na primeira pessoa a Divina Providência, em resposta às súplicas da santa que pede misericórdia para o mundo. Antes do pronunciamento da Igreja já muitos dominicanos se haviam sentado aos pés da Douce Mamma Catarina. Lembra-me entre outros um livro de Pe. Lamonier O.P.; e lembra-me também a influência de Santa Catarina no Pe. Garrigou-Lagrange e em Jacques Maritain que recomendou a Peirre Villar o Diálogo.
Catarina morreu com trinta e poucos anos, e nos últimos dias de vida, depois de ditar quase interruptamente o Diálogo a seus fiéis secretários, dizia sentir-se esmagada pelo peso da Igreja, da Navicella, e no último alento de vida elevou a súplica que inspirou toda a sua doutrina: Miserere, miserere...
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Amanhã, 5, é dia do menino São Plácido e seus companheiros. A austera ordem fundada por nosso pai São Bento comparece no mês de outubro com o mesmo espírito de infância espiritual, praticado por Plácido e ensinado quatorze séculos depois por Teresinha do Menino Jesus. E depois de amanhã [7 de Outubro] temos Nossa Senhora do Rosário, devoção trazida ao mundo por Domingos de Guzmán o fundador da gloriosa Ordem dos Dominicanos. Grande mês! a criançada, os jograis, os poetas brincam em torno de Nossa Senhora, que em outubro vejo sentada, não sei por que, aos pés do Cristo-Rei.
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Nossa ameaçada América Latina tem de agarrar-se à devoção do Rosário, e à força do Cristo-Rei. Aproveitemos o mês de outubro e a estratégia organizada pela Igreja para entrarmos nós na Revolução dos Santos comandada por Cristo-Rei. E assim confundiremos as manobras dos homens que cogitam coisas vãs, e de quem o Senhor se rirá.
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Quando o vigário, no sermão do domingo, aludiu à festa do dia Seguinte, Nossa Senhora de Aparecida. Padroeira do Brasil, tive o sobressalto de quem de repente se lembra de um esquecimento cometido. E que esquecimento! Escrevi sobre os gloriosos santos de outubro, discorri sobre o dia do Santo Rosário e sobre a proteção que todos esperamos da Senhora Rainha dos Céus e da Terra, e nada disse do dia 12, dia da Padroeira do Brasil.
Cheguei a tempo para a devoção e ainda ouço as ressonâncias da voz de abismo que anuncia: "Eis que apareceu no céu um grande sinal: uma senhora vestida de Sol, calçada de Lua e coroada com doze estrelas. Estava grávida e gritava no trabalho das dores do parto. Um outro sinal apareceu no céu: viu-se de repente um Dragão vermelho, com sete cabeças e dez cornos, e sete diademas nas cabeças. Sua cauda varreu um terço das estrelas do céu atirando-as por terra. E ergueu-se diante da Senhor para devorar o filho que ia nascer... Houve um combate no céu: Miguel e seus anjos guerrearam contra o Dragão... e então a serpente antiga lançou pela gorja a água de um rio, para que o rio arrastasse a mulher. Mas a terra veio em socorro da mulher..." (Apoc. XII).