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Art. 4 — Se os corajosos são mais audazes antes dos perigos do que depois de estarem neles.

(III Ethic., lect. XV).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que os corajosos não o são mais antes dos perigos do que depois de neles estarem.
 
1. — Pois, o tremor é causado pelo temor, que é contrário à coragem, como do sobredito resulta1. Ora, os corajosos, a princípio tremem, às vezes, como diz o Filósofo2. Logo, não são mais corajosos antes dos perigos que depois de neles estarem.
 
2. Demais — A paixão se intensifica com o crescimento do seu objeto; assim, se o bom é amável, mais sê-lo-á o melhor. Ora, o árduo é o objeto de coragem. Logo, o crescimento daquele importa o desta. E como o perigo presente se torna mais árduo e difícil, há-de acarretar também o aumento da coragem.
 
3. Demais — Sofrimentos causados provocam a ira. Ora, esta causa a coragem; pois, como diz o Filósofo, a ira é corajosa3. Logo, parece que se tornam mais corajosos os que já estão nos perigos e feridos.
 
Mas, em contrário, diz Aristóteles, que os corajosos, antes dos perigos, correm-lhes veloz e ardentemente ao encontro; mas, quando neles se acham, recuam4.
 
SOLUÇÃO. — A coragem, sendo um movimento do apetite sensitivo, resulta da apreensão da potência sensitiva. E, esta não compara nem indaga circunstâncias particulares, mas julga subitamente. Ora, acontece às vezes que, por uma súbita apreensão, não pode ser conhecido tudo o que suscita dificuldade, num caso dado. Donde, os movimentos da coragem, que afrontam o perigo. Pelo que, quando entramos a experimentá-lo, sentimos maiores dificuldades do que a princípio pensávamos, e por isso recuamos.
 
Ao passo que a razão examina tudo o que, num caso dado, pode suscitar dificuldades. E isto explica que os fortes, que afrontam os perigos, depois de havê-los examinados, parecem remissos, a princípio, porque os afrontam não apaixonadamente, senão com a devida deliberação. Mas, quando já se acham metidos nos perigos, nenhuma surpresa experimentam; antes, eles lhes parecem menores do que a princípio pensaram. — Ou então é que os fortes afrontam os perigos movidos pelo bem da virtude, perseverando neles a vontade do bem, quaisquer que sejam aqueles. Ao passo que os corajosos, só pela impressão alimentam a esperança e excluem o temor, como já dissemos5.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Também aos corajosos pode sobrevir o tremor, pelo concentrar-se do calor, de fora para dentro, como se dá com os que temem, Ao passo, que aos corajosos o calor se lhes concentra no coração, aos que temem se lhes concentra nas partes inferiores.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O objeto do amor é o bem puro e simples; por isso, se este aumenta, aumenta pura e simplesmente aquele. Ao passo que o objeto da coragem é composto de bem e de mal; e o seu movimento contra o mal pressupõe o da esperança para o bem. Por onde, o tal movimento não cresce mas, antes, diminui, quando a dificuldade do perigo cresce a ponto de exceder a esperança. Se esse movimento, porém, se mantiver quanto maior for o perigo, tanto maior será julgada a coragem.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Um ferimento não causa a ira se não supusermos a existência da esperança, como a seguir se dirá6. Se pois, o perigo for tamanho, que excede a esperança da vitória, dele não resultará a ira. Mas é verdade que, da seqüência desta, resulta o aumento da coragem.

  1. 1. Q. 45, a. 1; q. 44, a. 3.
  2. 2. De problematibus (sect. XXVII, probl. 4).
  3. 3. II Rhetoric. (cap. V).
  4. 4. III Ethic. (lect. XV).
  5. 5. Q. 45, a. 3.
  6. 6. Q. 46, a. 1.
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