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Category: Pe. Emmanuel-AndréConteúdo sindicalizado

Grande espiritual do século XIX, restaurou a fé na sua pequena paróquia do Mesnil de Saint Loup, na França, tendo fundado em seguida um mosteiro beneditino, do qual foi o primeiro abade.

1. Traços do conhecimento do pecado original entre os antigos

Capítulo primeiro

Traços do conhecimento do pecado original entre os hindus, os persas, os assírios, os egípcios, os chineses, os nativos da América, os gregos e os romanos; entre os judeus e entre os muçulmanos.

 

Nós conhecemos uma família – diremos seu nome – uma família em que o pai errou miseravelmente; ele perdeu tudo que é possível perder, inclusive a honra: Cum in honore esset, non intellexit (Sl 48, 13).

O erro do chefe da família tornou-se a herança de seus filhos: ele os empobreceu e os envergonhou singularmente. Os filhos não podiam sequer olhar uns aos outros. Que digo eu? Eles não podiam sequer se olhar a si mesmos sem enrubescer. Os mais velhos da família sabiam: conheciam a causa da desonra, e da indigência e da vergonha; os mais novos nada sabiam da causa de sua desgraça, mas suspeitavam que uma grande tragédia havia acontecido, pois eles carregavam a vergonha. Se os primeiros tinham o conhecimento e a inteligência da situação, os outros dela tinham ao menos o sentimento, e o sentimento era a vergonha.

Expliquemos a parábola: a família é nossa família, é todo o gênero humano. Adão, nosso pai, cometeu um pecado, um pecado enorme, um pecado imenso. Ele perdeu seus bens, que deveriam ser nossos bens, e nos legou sua vergonha que se tornou nossa vergonha.

Os mais velhos da família são aqueles a quem Deus fez como tais, e lhes restituiu parte dos bens perdidos na origem; trata-se daqueles a quem Deus restituiu a fé.

Os mais novos são aqueles que permaneceram no estado em que a desgraça original os deixou.

Os primeiros lêem em sua fé, na fé que Deus lhes deu, lhes restituiu, a história completa da família, sua felicidade inicial, sua grande fortuna de origem, depois a queda e as conseqüências da queda. Eles sabem.

Os outros, os que não têm a fé, nem por isso sofrem menos as conseqüências da queda.  Eles têm o sentimento, a vergonha, e ainda que não saibam claramente o que se passou, conservam ao menos algumas lembranças da história da família.

Nosso propósito é recolher essas lembranças, e nos servir delas como um primeiro raio de luz, uma introdução ao conhecimento pleno e íntegro do pecado original, tal como o possuem, pela graça de Deus, os homens que têm a fé.

Em nosso primeiro contato com os deserdados da família, começaremos pelos hindus.

Os hindus, como provam seus livros mais antigos, consideravam a condição primeira da humanidade como um estado de felicidade e imortalidade. Yama, o primeiro homem, cedendo aos apelos de sua irmã Yami, cometeu uma falta que o lançou, a ele e à humanidade inteira, na imundície e na escravidão.

A grande falta fora aconselhada por seres superiores, divindades, assim como por Yami.

Em um de seus hinos, diz-se: “Nós buscamos com nossos sacrifícios ganhar a imortalidade que foi perdida por Yama”.

Os antigos persas possuíam conhecimentos preciosos sobre a unidade de Deus, a Santíssima Trindade, o Salvador futuro. Eles sabiam também do paraíso terrestre, que eles definiam como “um lugar de natureza agradável onde, contudo, nem tudo foi alegria”. Nesse lugar, Deus fizera crescer uma infinidade de árvores úteis, salutares, e no meio delas a árvore da vida. Lá habitava o homem chamado Yama, o primeiro homem, a quem, diziam, deus convidara a conversar com ele.

Porém o mais maligno de todos os espíritos, a serpente, o mentiroso, o enganador dos mortais, fez Yama cair na desobediência e, em seguida, na morte. A prerrogativa da imortalidade foi perdida para ele e para toda a humanidade.

Os babilônios e os assírios conheciam também a queda, inclusive a queda dos anjos, que chamavam de revolução dos anjos.

De acordo com seus monumentos mais antigos, eles sabiam que o homem fora criado num estado de perfeição, usufruindo da companhia de Deus; mas o dragão Tiamat levou o homem ao pecado: ao saber disso Deus irou-se, porque o homem corrompera sua pureza. O homem foi então punido com a morte, e por causa do pecado todos os males irromperam no homem.

Recentemente, foi encontrado um desenho da mais alta Antigüidade, onde estão representados dois personagens sentados de cada lado de uma árvore e que estendem suas mãos para o fruto dessa árvore, enquanto uma serpente se ergue atrás da mulher.

O Egito só se tornou mais conhecido há pouco tempo, mas entre os monumentos de sua religião primitiva destaca-se o papiro de Turim chamado Ritual Fúnebre. Nele se lê: “Existe um que é santíssimo, que criou tudo que há na terra, que governa os dias”.

Entre os egipícios encontramos também a noção da serpente inimiga de Deus, a noção de um cordeiro imolado para a remissão dos pecados, assim como a esperança num salvador, o que implica a queda original da humanidade[1].

Os chineses são mais explícitos. Em hebraico, o nome ‘Adão’ significa “terra roxa”: ora, os chineses chamam o primeiro homem de Hoang-Chi. Hoang significa “terra roxa”, e Chi, “senhor” ou “patriarca”. A primeira mulher é chamada de Louy-Tsou. Tsou significa a matriarca, a avó ou bisavó, e louy, aquela que arrasta os outros para o mal.

Em chinês, Kong-Hong significa o arquiteto de todo o mal; e é representado pela cabeça de um homem com os cabelos cor de fogo e o corpo de uma serpente. Em um livro muito antigo é dito: homem e não-homem, serpente e não-serpente, ele não passa de mentira e engano.

Um autor chinês, Lopi, diz ainda que ele (Kong-Hong) foi o primeiro dos rebeldes, que ele destruiu os laços que uniam o céu e a terra, e que, orgulhoso da sua sabedoria, atribuía a si só todas as virtudes.

Os chineses sabiam também de um jardim maravilhoso situado, diziam, ao pé da porta fechada do céu. No meio do jardim está a fonte da imortalidade, e ela jorra de quatro rios. Eles falam também da Grande Era da natureza perfeita. Não havia nem calamidades, nem doenças, nem morte. A mulher, diziam, levou o gênero humano à perdição, foi ela a causa de todos os males.

A respeitos dos índios da América, M. de Humbolt escreveu: “… o grupo representa a mulher da serpente. Os mexicanos a vêem como a mãe do gênero humano. Sempre a vemos representada relacionada com uma grande serpente.” Outro autor conta que, na Pensilvânia, um violento temporal derrubou um enorme carvalho e sob suas raízes descobriu-se uma grande pedra, onde estavam gravadas diversas figuras, entre elas, duas formas humanas separadas por uma árvore, uma delas tendo à mão umas frutas. Esses mesmos mexicanos mergulhavam na água a criança recém-nascida, dizendo: “Que este banho possa purificar teu coração!” Desse modo, eles seguem uma prática universal, como já vimos ao tratar do Batismo[2].

Os gregos e os romanos, povos mais próximos de nós, mas que receberam de seus ancestrais as doutrinas primitivas, tinham noção da mancha original; por isso também mergulhavam os bebês na água. Platão diz claramente que aquele que morrer sem se purificar pelos ritos expiatórios (Teletai) será precipitado no abismo do inferno; em contrapartida, o homem purificado será recebido na morada dos deuses (Phédon).

Fiel à mesma doutrina, Virgílio representa, chorando no inferno, os bebês que a morte levou deste mundo em suas primeiras horas, isto é, antes que recebessem a purificação. Entre os romanos, a purificação acontecia no nono dia para os meninos e no oitavo para as meninas (Eneida, VI).

Acabamos de percorrer rapidamente o mundo antigo e em toda parte constatamos a lembrança da queda original. Ferida no coração, a humanidade sente seu ferimento e em toda parte sofre as conseqüências formidáveis.

Herdeiros das promessas de Deus, portadores das revelações divinas e de todas as esperanças do mundo, os judeus tinham sobre esse ponto uma doutrina mais luminosa, e noções mais exatas: eles sabiam.

Os doutores da Sinagoga nos transmitiram os ensinamentos de seus pais, e estão em todos os aspectos em perfeito acordo com a doutrina católica. Aliás, sabemos que a doutrina da Igreja se diz católica exatamente porque pertence a todos os tempos e a todos os lugares.

Drachi, uma rabino convertido à fé católica, em seu livro “Harmonia entre a Igreja e a Sinagoga”, nos legou em suas páginas um tratado do pecado original segundo os rabinos. Vamos resumi-lo rapidamente.

O Tentador, segundo eles, é o anjo decaído: a serpente e o anjo caído são um só, e causaram a morte do mundo inteiro.

A Sinagoga sempre ensinou que o pecado de Adão e Eva foi ligado à sua posteridade, a qual existia virtualmente nos primeiros pais. Tal doutrina é transmitida pelo seguinte mito: “No momento em que a serpente se juntou à Eva, lançou nela uma sujeira que continua a infectar seus filhos.” Freqüentemente os livros rabínicos falam da sujeira com que a serpente conspurcou Eva. Tal sujeira é também chamada de veneno.

Em um comentário místico sobre o Livro de Ruth, lê-se: “A sujeira foi jogada em Adão e Eva pela velha serpente: essa sujeira é pois a verdadeira origem das gerações saídas de Adão e Eva. É o que ouvimos dos nossos doutores, que o receberam de seus predecessores, que já o receberam de outros e outros remontando até à boca do profeta Elias.”

O Rabi Menahhem de Recanati explica como se dá a transmissão do pecado original: “No dia em que o primeiro homem foi criado, toda a Criação foi consumada; Adão foi portanto a conclusão do sistema do mundo, e a súmula do gênero humano, que ele contém em germe. Desse modo, quando ele pecou, todo o gênero humano pecou com ele; é assim que nós carregamos a pena de sua iniqüidade.”

Segundo os mesmos rabinos, o pecado original está indicado nas seguintes passagens das Escrituras:

I. No Gênesis (Gn 6, 5), ele é chamado de o mal: “Deus, vendo que era grande a malícia dos homens sobre a terra, e que todos os pensamentos do seu coração estavam continuamente aplicados ao mal (…)”. É daí que os judeus tomaram o nome de pecado original: eles o chamavam simplesmente: o mal, hará, ou ainda inclinação ao mal: Yetser hará. Como mais adiante se lê no mesmo livro (Gn 8, 21)[3].

II. Os judeus também chamavam o pecado original de um nome tomado do Deuteronômio (10, 16): Circumcidite igitur praeputium cordis vestri… Isto é, a incircuncisão do coração: expressão bastante enérgica e significativa, indicando, à maneira judaica, que a natureza do mal que o gênero humano traz no coração é uma sujeira.

III. Os filhos de Israel chamavam ainda o pecado original de coração de pedra, seguindo as palavras do profeta Ezequiel: “Derramarei sobre vós uma água pura, e sereis purificados de todas as vossas imundícies; purificar-vos-ei de todos os vossos ídolos. Dar-vos-ei um coração novo e porei um novo espírito no meio de vós; tirarei da vossa carne o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne” (Ez 36, 25-26). O coração de carne é um coração dotado de vida e de sentimento; o coração de pedra é insensível, é a própria morte: é o estado dos homens que não receberam a água pura e purificadora do batismo.

IV. Os antigos, como nós mesmos, também encontravam nestas palavras de Jó a doutrina do pecado original: “Quem pode fazer sair o puro do impuro? Ninguém” (Jó 14, 4). Impuro é o homem tal como o fez Adão, é o homem caído.

V. Uma passagem do profeta Joel era explicada pelo pecado original. Diz o profeta: “Afastarei de vós aquele que vem da parte do Aquilão” (Jl, 2, 20). No estilo dos profetas, o Norte ou o Aquilão é o mal, assim como o Sul ou o Noto é o bem. Também os doutores da Sinagoga entendiam a palavra de Joel como se referindo ao pecado original. O sábio rabino David Kimhhi diz sobre o tema: “Nossos mestres, de feliz lembrança, expõem esse versículo sobre o tempo do Cristo da seguinte maneira: ‘Afastarei de vós aquele que vem da parte do Aquilão’ - O lugar do mal se oculta e reside no coração do homem.”

Os doutores da Sinagoga determinaram de modo muito preciso a doutrina sobre o pecado original. Eis algumas passagens do Talmude[4] sobre o tema: “A partir de que momento a maldosa concupiscência (ou o pecado original) domina o homem? É depois do seu nascimento ou desde o tempo de sua formação (ietsira)? Resposta: Desde o tempo de sua formação.” “Enquanto viverem os justos terão de combater sua concupiscência.” “No mundo futuro, não haverá concupiscência.” Com freqüência, o “mundo futuro” designa o tempo do Messias; então não haverá mais pecado original por causa da água pura anunciada por Ezequiel. Se, por mundo futuro, entende-se a vida eterna, é certo que toda concupiscência será destruída. “No tempo que virá, diz ainda o Talmude, Deus fará vir a maldosa concupiscência e a matará diante dos olhos dos justos e diante dos olhos dos ímpios.”

VI. Os antigos viam também a doutrina do pecado original no versículo 7 do salmo Miserere, quando Davi diz: “Eis que nasci na culpa, e minha mãe concebeu-me no pecado”. Nada se poderia dizer de mais claro: a Sinagoga entende esse versículo assim como o compreende a Igreja.

Essas doutrinas tão profundamente enraizadas na consciência humana, solidamente apoiadas na tradição mosaica, penetraram até ao fundo o Islamismo. Maomé, seu pretenso profeta, escreveu a respeito da Virgem, em seu Corão: “Os anjos disseram à Maria: Certamente Deus vos escolheu e vos fez pura.” E o grande comentador do Corão Djelal-Eddin, dá em suas próprias palavras a seguinte explicação: “É da Tradição que ninguém vem ao mundo sem que Satã o toque no momento do nascimento. É o que os faz cair num choro cheio de lágrimas. Porém Maria e seu Filho permaneceram isentos.”

 


[1] Para mais detalhes sobre todos os povos que mencionamos acima, ver Paganisme et Revelation, do Dr. Fisscher.

[2] Bulletin de la Sainte Esperance, t. I, pp. 414-415.

[3] O autor refere-se certamente à passagem seguinte das Escrituras: “[...] os sentidos e os pensamentos do coração do homem são inclinados para o mal desde a sua mocidade” [N. do E.]

[4] O Talmude é uma compilação em 10 volumes in-fólio contendo os ensinamentos dos rabinos. Para eles, a Bíblia é como a água, o Talmude como o vinho.

Breve introdução

Breve introdução

O Naturalismo é a grande heresia do presente. Nós a temos combatido sem pena, sem descanso, sem misericórdia. É a negação completa de todo o Cristianismo, de tudo em que cremos, de tudo que esperamos, de tudo que amamos. E como não há nada mais atacado pelo naturalismo contemporâneo do que o pecado original, é nosso propósito oferecer um tratado sobre o pecado original.[1]

Devemos advertir nossos leitores que não lhes daremos verdades diminuídas. Diremos a verdade sem fraquejar e sem nada esconder. Diminuir as verdades sob o pretexto de torná-las mais fáceis e aceitáveis, nos parece simplesmente uma traição: que Deus nos poupe de tamanha desgraça!

 

[1] Veja “O Naturalismo” na Revista Permanência 280, p. 56. [N. do E.]

O Pecado Original

O Pecado Original

Pe. Emmanuel-André, OSB

[seguido de uma nota sobre o limbo]

 

Quarta parte: das virtudes necessárias para o exercício do ministério

 CAPÍTULO I

 A Grandeza do Ministério é a Medida das Virtudes que Ele Requer

O ministério é uma obra divina: Hoc est opus Dei ut credatis in eum quem misit ille (A obra de Deus é esta: que creiais nAquele que Ele enviou — Jo 6,29). São Paulo o denomina obra do Senhor: Opus Domini.

Com efeito, Deus é o primeiro autor da salvação dos homens; o primeiro que a quis, determinando-lhe as condições e instituindo-lhe os meios; e o primeiro que por ela se empenhou em Jesus Cristo Nosso Senhor: Deus erat in Christo mundum reconcilians sibi (Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo — 2 Cor 5,19).

Tendo convocado homens para seus colaboradores na obra da salvação dos homens, Deus, entretanto, não deixa de ser o principal agente na execução da obra divina: Possuit in nobis verbum reconciliationis; pro Christo ergo legatione fungimur, tanquam Deo exhortante per nos (Deus nos confiou a palavra de reconciliação. Desempenhamos, pois, o encargo de representantes de Cristo, como se fosse Deus a exortar por nosso intermédio —2 Cor 5,19-20).

Daí se segue que o padre é verdadeiramente o embaixador, o encarregado de negócios, o ministro de Deus, e, como diz São Paulo: o homem de Deus, homo Dei (1 Tim 6,11).

São Paulo deduz em conseqüência disso que o homem de Deus deve ser perfeito: Perfectus sit homo Dei (2 Tim 3,17).

Essa perfeição deve tornar o homem de Deus preparado, disposto e, quase diríamos, equipado para toda boa obra: Perfectus sit homo Dei ad omne opus bonum instructus (que o homem de Deus seja perfeito e adestrado para toda boa obra — Ib.).

Em outros termos, o homem de Deus, que de certa forma vem a tornar-se homem-Deus em razão dos poderes divinos que exerce, deve ser ornado de todas as virtudes. Deve ser perfeito, como o Pai celeste é perfeito (Mt 5,48).

Assim, temos muito que nos esforçar antes de poder dizer como São Paulo: Idoneos nos fecit ministros novi Testamenti (Ele nos tornou capazes de ser ministros da Nova Aliança — 2 Cor 3,6).

Dentre todas as virtudes necessárias ao padre, ao ministro da salvação das almas, ao pastor, São Gregório Magno nos aponta principalmente dez. E a respeito delas falou admiravelmente bem na segunda parte de sua Pastoral. Perdoe-nos ele se, depois do que nos ensinou, ousamos também escrever alguma coisa sobre essas belas virtudes que ele possuía e que nós não possuímos.

CAPÍTULO II

A Castidade

Deus é santo, é a própria santidade. E por causa disso pede a seus ministros que sejam santos. O caráter marcante da santidade do padre é a castidade.

O Bispo ao ordenar os diáconos diz-lhes:

Estote assumptis a carnalibus desideriis, a terrenis concupiscentiis; estote nitidi, mundi, puri, casti, sicut decet ministros Christi et dispensatores mysteriorum Dei (Sede libertos dos desejos carnais e das concupiscências terrenas; sede limpos, imaculados, puros, castos, como convém a ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus (Pontifical romano).

Se tal mistério de sublimação se deve realizar no diácono, mais resplendente terá ele de ser no padre. O homem de Deus não poderia ser homem carnal, pois Deus é só espírito.

Se o padre meditar sobre si próprio perante Deus, perante Nosso Senhor, há de ver que deve a Deus, a Nosso Senhor, a homenagem da mais perfeita castidade. Para com os fiéis, tem a obrigação de ser casto a fim de nunca deixar de ser para eles o homem de Deus, pronto para administrar os sacramentos, pronto a trabalhar para a cura da ferida das almas.

A castidade do padre deve ser uma excelsa castidade. Do contrário ele estará em culpa perante Deus por causa da celebração cotidiana do santo sacrifício e da comunhão cotidiana; e em culpa perante os fiéis, para os quais não poderia ser um médico capaz, se se tornasse um homem culpado.

A pureza do padre exige dele uma vida séria, regular, mortificada, alheia às dissi-pações mundanas; exige uma vida de oração, de recolhimento, de estudo.

Só a esse preço, o padre conseguirá ser homem de Deus e manter-se acima das contingências terrenas, no estado de sublimação que o Bispo lhe propôs ao fazê-lo diácono; assim poderá ouvir a voz de Deus na oração; assim poderá ver do alto e com nitidez o estado das almas peregrinantes na terra; e poderá trabalhar para curá-las sem se expor a contaminar-se.

Em suma, a castidade é uma virtude tão indispensável ao padre que se pode seguramente afirmar o seguinte: à força do padre está em razão direta com sua castidade.

Isto bem se percebe confrontando-se de um lado os santos e do outro lado um padre decaído ou em vias de decair. Aos santos é dado poder in opere et sermone. Os decaídos ou em via de decair para nada mais têm poder, e a si próprios são testemunho de que nada podem fazer e de que não têm direito de dizer coisa alguma.

CAPÍTULO III

O Bom Exemplo

Exemplo esto fidelium (sê um exemplo para os fiéis — 1 Tim 4,12), diz São Paulo a seu estimado Timóteo. In omnibus te ipsum praebe exemplum (em todas as coisas dá um bom exemplo — Tito 2,7), diz ele a Tito.

A alma do padre, diz São João Crisóstomo, deve ser mais pura do que os raios do sol 1. E diz ainda que os vícios de um padre não têm possibilidade de permanecerem escondidos, mas, por pequenos que sejam, depressa se tornam conhecidos: Neutiquam possunt sacerdotum vitia latere, sed etiam exigua cito conspicua sun (De modo algum podem permanecer escondidos os vícios dos padres e mesmo pequenos logo se tornam manifestos2.

Sem o bom exemplo, o padre nem pode agir nem falar com utilidade para as almas. Pois deve praticar o bem para que mereça ser considerado pelas almas um homem de Deus; e só praticando o bem terá autoridade para ensiná-lo aos outros.

São Gregório de Nazianzo não pensava diferentemente dizendo:

Antes de purificar é preciso estar puro; antes de ensinar a sabedoria é preciso tê-la adquirido; antes de iluminar é preciso tornar-se luminoso; antes de encaminhar os outros a Deus é preciso aproximar-se a si próprio d’Ele; e antes de santificar é preciso que se seja santo3.

Um padre jamais poderá ensinar uma virtude que não possua ou levar alguém à prática de um bem que ele nunca tenha praticado.

O exemplo é a primeira das pregações; sem ele de nada servirá toda a eloqüência do mundo: Aes sonans, cymbalum tinniens (Um bronze que soa, um címbalo que tine).

São Jerônimo faz a hipótese de um padre que tivesse em torno de si fiéis virtuosos sem que ele próprio o fosse ou que o fosse menos do que aqueles a quem devesse ensinar a virtude. Um tal estado de coisas causaria funesta ruína na Igreja, segundo este incisivo pronunciamento do santo:

Vehementer enim Ecclesiam Dei destruit meliores esse laicos quam clericos (quando os leigos são melhores do que os clérigos, advém veemente ruína na Igreja de Deus)

A razão dessa sentença é fácil de perceber. Os fiéis, não encontrando em seu pastor o que lhes é necessário para progredir na virtude ou mesmo para nela se manterem, irão decaindo, e a queda será tanto mais rápida quanto menos esteja o pastor em estado de sustentá-los no estágio em que já se encontravam.

Portanto, é necessário o exemplo, que tanto mais perfeito deverá ser quanto mais perfeitas forem as almas a instruir.

CAPÍTULO IV

A Discrição no Silêncio

O padre deve saber guardar um silêncio discreto. O respeito que ele deve ter a Deus e a Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento bem como às almas de que ele é pastor fazem desse silêncio discreto uma lei indispensável.

Uma palavra de mais que saia de seus lábios poderá comprometer seu ministério, e causar prejuízo à própria palavra de Deus quando for por ele anunciada.

O padre não deveria falar senão quando tendo ordem de Deus para fazê-lo, pois faz parte das obrigações de um ministro só abrir a boca de conformidade com as intenções do soberano que o envia.

Sendo homem de oração, o padre não terá dificuldade em observar esta lei da discrição e do silêncio. Quando se tem a honra de privar habitualmente com Deus na oração, com Nosso Senhor no Santo Sacrifício, não se tem tendência para ir conversar com os homens.

O padre muito falador nunca será julgado pelas almas como um homem de Deus, pois nisso as almas jamais se enganam.

CAPÍTULO V

A Utilidade no Uso da Palavra

Há tempo para calar e tempo para falar, diz o Espírito Santo. O homem de Deus deve saber discernir esses tempos. E, quando chegar o tempo de falar, é preciso que cuide de dizer o que Deus quer que ele diga, ou o que as almas têm direito de esperar de um enviado de Deus.

São Pedro, ensinando a todos os cristãos, dizia: Si quis loquitur, quase sermones Dei (Se alguém falar, que seja como palavra de Deus — 1 Ped 4,11). Mas, se tivesse escrito especialmente para os padres, ele certamente teria dito: Si sacerdos loquitur, sermones Dei (Se o padre falar, que sejam palavras de Deus). Excluiria o termo quase (como).

No púlpito, o padre deve falar como o próprio Deus. Fora dele, como um homem de Deus.

É conhecido o dito de São Bernardo a respeito de palavras jocosas:

In ore saecularium nugae, nugae sunt; in ore sacerdotum, blasphemiae (na boca de homens do mundo, os gracejos são gracejos; na boca de sacerdotes, são blasfêmias).

A palavra do padre deve ser sempre digna sem afetação, afável sem trivialidade, doce sem lisonja, grave sem dureza, de forma que lembre às almas o pensamento de Nosso Senhor do qual foi dito: Nunquam sic locutus est homo, sicut hic homo (Nunca homem algum falou como este homem — Jo 7,46).

CAPÍTULO VI

A Caridade Compassiva para com Todo Mundo

O padre deve dedicar-se a Deus e ao próximo; a Deus pela oração; ao próximo por uma terna e compassiva  caridade.

Nosso Senhor, — que nos deu, no Evangelho, tantas divinas lições de ternura para com os pecadores, que nos contou as parábolas tão tocantes do filho pródigo e da ovelha desgarrada, e a história da mulher adúltera —, é Ele próprio o modelo dessa terna caridade de um pastor de almas.

Que o pastor — diz São Gregório — seja unido a todos os fiéis pela compaixão; que pelas entranhas de sua misericórdia atraia a si e tome a si, para carregá-las, as enfermidades de todos. Que um pastor se mostre de forma tal que os fiéis não sintam vergonha alguma de lhe revelar  o que tenham de mais secreto, e, quando agitados pelas ondas das tentações, que encontrem acolhida na alma do pastor como em um seio materno. Quase ad matris sinum! (como em um seio de mãe)”.

CAPÍTULO VII

A União a Deus na Oração 

Da mesma forma que a caridade compassiva, a ternura paternal e mesmo maternal devem aproximar o pastor dos seus fiéis, assim também a constância na oração deve mantê-lo unido a Deus.

O pastor é homem de Deus, sem cuja graça nada pode; é de Deus que deve receber instruções; é a Deus que deve solicitar as graças necessárias seja para si seja para seu rebanho. Como poderá ele então haver-se, se antes que tudo não for homem de oração?

São Paulo diz: Nós somos os embaixadores de Jesus Cristo - Pro Christo legatione fungimur (Somos embaixadores de Cristo — 2 Cor 5,20). Ora, todo embaixador deve receber instruções daquele que o envia, a fim de trabalhar por seus interesses. Como poderá então o padre trabalhar pelos interesses de Deus junto aos fiéis se não tiver recebido orientação de Deus? E como poderá ser orientado por Deus não sendo pela oração?

Cabe aqui novamente a palavra de São Pedro, que tantas vezes já recordamos: Nos vero orationi et ministerio Verbi instantes erimus (At 6,4). Por onde se vê que o Apóstolo põe em primeiro lugar a oração, na qual receberá as luzes de Deus que transmitirá aos fiéis pela pregação: Orationi et ministerio Verbi. A palavra que não provém da oração não é senão um som vazio, pois será impotente, infecunda; e, em vez de ser palavra de Deus, não passará de palavra de homem.

Portanto, antes de tudo e acima de tudo, é necessário rezar.

CAPÍTULO VIII

A Humildade

O padre tem duplamente necessidade da graça de Deus, pois tem necessidade dela para si mesmo e tem necessidade dela para seu rebanho. E como Deus, segundo a muito sábia lei de sua misericórdia e de sua justiça, resiste aos soberbos e dá sua graça aos humildes, segue-se então que o padre tem uma necessidade dupla, quer dizer, uma necessidade mais imperiosa que seus fiéis de ser verdadeiramente humilde.

Ele tem necessidade de conhecer os caminhos de Deus e seus planos; ele tem necessidade de atrair para si a graça do alto e de granjeá-la também para as asmas de que é pastor. Como poderá ele ser um mediador aceito por Deus se não for humilde? Deus confiará no homem que quer entrar em seus segredos para arrebatar sua glória e atribuí-la a si próprio? Tornará canal de sua graça o homem que, por orgulho, se comporta como inimigo da graça? Como poderá tratar perante Deus da reconciliação das almas culpadas, aquele que por seu orgulho procede como revoltado contra Deus?

Sem humildade não é possível ministério. Deus quer dar-nos sua graça, mas não quer que lhe tomemos sua glória. E quando um padre quer para si mesmo a glória, deixa de ser o mediador da graça. Deus superbis resistit et gratiam praestat humilibus (Deus se opõe aos orgulhosos e dá a sua graça aos humildes — Tgo 4,6).

CAPÍTULO IX

Zelo pela Justiça

O zelo pela justiça é o devotamento perfeito aos interesses de Deus. Nos interesses de Deus estão necessariamente compreendidos os interesses das almas. Pois Deus quer a salvação da alma, e o quer com particular interesse, por ser isto a sua maior glória.

Os interesses de Deus são freqüentemente comprometidos pelos homens. Colocado entre Deus e os homens, vê-se então o pastor muitas vezes em luta com os homens por causa dos interesses de Deus.

Essa luta não deixa de apresentar dificuldades, pois se o pastor sendo homem de Deus deve servi-lo, também deve servir às almas das quais é pastor, e pastor responsável. Se vir os interesses de Deus por um olho só, por assim dizer, trabalhará por eles prova-velmente de maneira imperfeita, comprometendo as almas. Por outro lado, se pretender não melindrar as almas, poderá desatender aos interesses de Deus.

A dificuldade é grande e às vezes chega a ser extrema. Há perigo de ambos os lados, e o pastor tem que temer de um lado vir a ficar em falta com Deus, de outro lado a ficar em falta com as almas.

Em tal estado de coisas, o zelo não é conselheiro suficiente, e poderá, por si só, levar a excessos e até a comprometer o próprio bem almejado.

Ao lado do zelo é necessária a ciência; e com esta a humildade, a pureza de vistas e de intenção, isto é, coisas que o pastor jamais encontrará se antes de tudo não for homem de oração: Orationi ... instantes erimus.

CAPÍTULO X

O Padre Deve Ser Homem Interior

A multiplicidade de ocupações que se propõem à solicitude de um pastor é muito grande. As pessoas e as coisas, os corpos e as almas, os interesses espirituais dos fiéis e os interesses temporais da Igreja, tudo recai ao mesmo tempo sobre o pastor.

Todo acontecimento pode ter alguma influência sobre os interesses das almas, e, portanto, o pastor deve necessariamente estar um pouco atento a tudo. Todas as idades, todas as condições, todos os bons e todos os demais devem ser para ele objeto de incessante solicitude.

Há, por causa disso, um verdadeiro perigo de deixar-se absorver por solicitudes exteriores, por preocupações com pessoas e coisas.

A caridade que o pastor deve a seu rebanho corre o risco de tornar-se ela própria uma causa, um pretexto, uma ocasião para ele de deixar-se absorver no cuidado das coisas exteriores, da saúde, dos interesses temporais, de quaisquer negócios.

Um pastor deve pensar um pouco em tudo, levar em conta tudo, estender sua caridade a tudo, mas, entretanto, esse tudo não o deve absorver. Acima de tudo o que concerne ao rebanho há o infinito que é Deus; e o padre se deve a Deus mais que a tudo e não poderá ser realmente útil em tudo senão sendo todo de Deus.

É em Deus que o pastor encontrará a luz, a medida, o verdadeiro zelo, a discrição, todas as virtudes necessárias para poder passar por entre as solicitudes exteriores do ministério, sendo útil ao rebanho sem diminuição de sua vida interior, prestando-se a cuidados materiais sem neles se absorver, sendo devotado ao próximo sem cessar de estar unido a Deus.

CAPÍTULO XI

O Padre Deve Ser Desinteressado

Avaro nihil est celestus (nada há mais perverso do que o avarento — Eclo 10,9), diz o Espírito Santo. Pode-se também dizer que nada é mais contrário ao espírito do Evangelho do que o amor ao dinheiro.

Deus não é ouro nem prata; e o homem de dinheiro não poderá ser homem de Deus.

O padre, se possível fosse, não deveria pousar na terra, quia Angelus Domini exercitum est (pois ele é o Anjo do Senhor dos exércitos — Mal 2,7).

Mensageiro celeste, embaixador de Deus, o pastor não deve aspirar senão o Céu, não desejar senão Deus, herança que escolheu quando se ordenou: Dominus pars haereditatis meae (O Senhor é o quinhão da minha herança — Sl 15,5).

Um pastor ocupado com Deus e com as almas não deve ter solicitude com o beber e o comer: Nollite solliciti esse dicentes: Quid manducabimus aut quid bibemus (Não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos ou que beberemos? — Mt 6,31). Ao pastor que para tais coisas se confiasse pura e simplesmente aos cuidados da Providência nada de necessário lhe faltaria.

É o que vemos muito claramente pelo que sucedeu aos Apóstolos. Nosso Senhor os enviou a pregar; enviou-os sem nada, mas nada lhes faltou. Quando misi vos sine sacculo et pera et calceamentis, nunquid aliquid defuit vobis? At illi dixerunt: Nihil! (Quando vos mandei sem bolsa, sem alforje, sem sandálias, faltou-vos alguma coisa? Eles disseram: Nada! — Lc 22,35-36).

O pastor receberá de Deus seu pão de cada dia, mas não só para si como também para seus pobres. Receberá em uma das mãos e dará com a outra; e tanto mais terá para dar quanto mais somente de Deus espere o que lhe for necessário. Esse é o testemunho de São Vicente de Paulo, o homem que mais deu neste mundo.

  1. 1. De Sacerdotio, Livro VI, cap.2.
  2. 2. Obra citada, Livro III, cap.14.
  3. 3. Oratio 1 e 2.

Terceira parte: o campo do ministério

CAPÍTULO I

Por que a Necessidade de um Ministério Eclesiástico? 

A autoridade civil, como a autoridade eclesiástica e, conseqüentemente, toda a economia do santo ministério tornaram-se necessárias por causa do pecado original.

Se Adão não tivesse pecado, a Humanidade fiel a Deus teria gozado de felicidade tão grande que maior não haveria, senão a felicidade da vida eterna.

O homem submisso a Deus teria haurido diretamente Dele a vida da graça, não teria havido necessidade de guia para encontrar Deus e, com Sua santa e divina graça, teria podido ir a Ele sem tropeços e vacilações.

Mas a Humanidade não se encontra mais nesse estado; o pecado penetrou no mundo e transformou de maneira espantosa todas as condições em que ele foi criado.

Para defender-nos contra os maus, quis Deus que na sociedade houvesse a autori-dade civil. Para reconduzir-nos ao bem e à vida eterna, Deus desejou uma autoridade eclesiástica, um ministério eclesiástico. Deus quis que Suas graças alcancem os homens por meios proporcionados à indigência de criaturas decaídas que são.

Esquecendo o que devia a Deus, aprouve Adão obedecer a Eva, assim como Eva aprouve obedecer a Satã; e Deus, querendo que o remédio correspondesse à natureza da falta, achou bom então que o homem fosse submisso a uma migalha de pão, a uma gota d’água.

Deus, portanto, humilhou sua criatura orgulhosa e isto é a razão de ser de nosso ministério: para sermos ministros da salvação dos homens, somos ministros da humilhação dos homens.

Estas considerações devem humilhar-nos profundamente, se tivermos sensibilidade para perceber a profundidade da queda e a natureza verdadeira dos remédios de que somos os ministros, e, portanto, a verdadeira natureza de nosso ministério.

Mas não temos por que nos gloriar da autoridade que Deus nos deu, pois que esta autoridade é uma prova sempre manifesta, um testemunho sempre irrecusável da queda da humanidade, de nossa própria queda com ela e nela. Pecadores que somos, temos dupla obrigação: de converter-nos e de trabalhar para converter os outros.

A primeira dessas obrigações está acima das forças humanas. Que diremos e que faremos, então, nós, que além dessa temos ainda o encargo da segunda obrigação?

A condição atual da humanidade, depois da queda original, eis a razão do ministério eclesiástico.

CAPÍTULO II

Natureza do Mal Presente

O mal presente é pura e simplesmente o pecado original e suas conseqüências.

Com qualquer nome por que seja chamado, o mal presente não é nem pode ser outra coisa.

O pecado entrou no mundo por Adão. O pecado de Adão tornou-se o pecado de todo o gênero humano e dessa fonte única, mas muito fecunda, por demais fecunda, de-correm todas as desgraças das almas.

O pecado original, mesmo onde limpo pelo batismo, deixa remanescente tríplice concupiscência: orgulho, avareza, sensualidade.

Pior é que essas lamentáveis concupiscências geralmente vêm a prevalecer nos batizados; e então dominam tão poderosamente que o batismo, a confirmação e a comunhão parecem hoje sem ação nas almas.

De muitos cristãos, lastimavelmente, tem-se impressão de que só foram batizados para virem a ser apóstatas; muitos parecem ter sido batizados para renunciar ao Espírito Santo, em vez de para recebê-lo, e há os que participam da Eucaristia para de fato desdenhar do Filho de Deus.

Assim, os remédios que deveriam salvar são transformados em venenos que produ-zem a morte; os sacramentos, que são os canais da graça, tornam-se freqüentemente ensejos de pecado.

Em muitos lugares, o estado comum das almas é a apostasia; freqüentemente, porém, uma apostasia antes insensata do que calculada: vive-se afastado de Deus, de Nosso Senhor, do Espírito Santo, longe de tudo que é sobrenatural.

E, no entanto, são almas batizadas. Que ultraje à graça divina! Que ultraje ao Espírito Santo! Que ingratidão para com Deus Pai, para com a adorável pessoa do Salvador, para com o Espírito Santo!

CAPÍTULO III

Como se Gera o Mal Presente

A fonte do mal, já dissemos, é o pecado original. Ora, essa fonte é muito secreta, e, em virtude do próprio segredo em que se oculta, ela tem mais facilidade de disseminar seus venenos.

O pecado original é pouco conhecido; e, freqüentemente, mal conhecido.

Como ele lançou as almas na ignorância, parece que deliberadamente se empenhou em ocultar sua própria malícia, a qual consiste essencialmente em duas coisas:

1) a perda da justiça original;

2) a deterioração da natureza.

Hoje, entretanto, ainda que se admita a perda da justiça original, busca-se não reconhecer que a natureza tenha sido deteriorada.

Este conhecimento assim truncado do pecado original deixa campo livre para uma multidão de erros e em todo caso ele é ineficaz para a salvação, segundo a máxima bem conhecida: Bonum ex integra causa; malum exquocumque defecta (o bem provém de uma causa sem falhas; o mal provém de qualquer falha).

Do fato de não se saber mais, de não mais se querer reconhecer a deterioração da natureza pelo pecado original decorrem as mais funestas conseqüências.

A natureza sente-se orgulhosa de si mesma, não obstante a palavra tão solene do Apóstolo: Quid habes quod non accepisti? Si autem accepisti, quid gloriaris quasi non acceperis? (O que tens que não tenhas recebido? E, se recebeste, por que te glorias, como se não tivesses recebido? — 1 Cor 4,7).

Deixando de perceber seu próprio mal, a natureza é levada a abusar dos bens que lhe foram dados, empregando-os como arma contra Deus; e, assim, produz em si própria novas chagas.

Ela possui razão, liberdade e os sentidos, mas de tudo abusa. Sua revolta insolente contra Deus precipitou-a no naturalismo; e por uma série de conseqüências inevitáveis, a razão caiu no racionalismo, a liberdade no liberalismo e os sentidos no sensualismo.

Depois de todas essas incursões espantosas no domínio do mal, a natureza, ainda insatisfeita, voltou-se contra o próprio Salvador, negando Sua divindade e negando Sua humanidade. Negou Sua graça. Negou Sua Igreja. Negou tudo. E depois disse de si própria, tal como a Babilônia de outrora: Ego sum, et nom est praeter me amplius (Eu sou, e somente eu sou — Is 47,8).

O mal não é tão grave assim em todas almas; mas nos próprios fiéis as verdades foram singularmente diminuídas. Há para eles um naturalismo atenuado que não pretende ser erigido em dogma, mas que se contenta perfeitamente em ser aceito como doutrina prática. Há um racionalismo mitigado que não condena a fé, mas que comumente se reserva o direito de julgá-la; há também um liberalismo católico; e se ainda não se ousou falar em sensualismo católico, somos entretanto obrigados a convir que o sensualismo se instalou em muitas almas católicas de tal sorte que a vida sensual chegou a extinguir nelas o conhecimento da mortificação cristã, sem a qual porém, segundo o testemunho do Apóstolo, não se vive na presença de Deus: Si secundum carnem vixeritis moriemini; si autem spiritu facta carnis mortificaveritis, vivetis (Se viverdes segundo a carne, morrereis; mas se, pelo espírito, fizerdes morrer as obras da carne, vivereis — Rom 8,13).

Deve-se notar aqui um ponto capital a respeito do qual o naturalismo falseou singularmente as idéias, mesmo dos bons. Estudando os Autores que até os séculos XV ou XVI trataram da graça e cotejando-os com os autores modernos, pode-se notar entre eles uma diferença considerável.

Os primeiros reconhecem a graça salvífica do Redentor, sua gratuidade, sua eficácia.

Hoje, a eficácia da graça é freqüentemente atribuída à vontade da criatura; outrora, ela era considerada como um dom da própria graça.

É de se afirmar que os homens de nossos dias, mesmo os cristãos, não estão aptos para ler o tratado de São Bernardo - De gratia et libero arbitrio - sem se pasmar ou mesmo talvez sem se escandalizar. Pois não é que o padre Rohrbacher chegou a escrever que São Bernardo não soube estabelecer distinção entre a natureza e a graça? Ó pigmeu do século XIX, dissestes isso de São Bernardo; e até de Santo Agostinho dissestes coisa semelhante!

Como os homens sem grandeza dos tempos presentes não possuem sobre a graça os sentimentos que lhe devotaram os antigos, conseqüentemente não consideram mais neces-sário rezar para pedi-la, obtê-la e conservá-la. O que é hoje a oração? Onde estão as almas que rezam? Não é verdade que a oração da maioria dos cristãos consiste apenas na recitação de fórmulas? Como estão longe do cristianismo de Nosso Senhor e de seus Apóstolos, o qual é espírito e vida!

CAPÍTULO IV

Como Pode Ser Curado o Mal Presente

Nosso Senhor é o único Salvador dos homens, portanto, fora Dele não se poderá  encontrar remédio para os males que nos afligem:

Non est in alio aliquo salus, nec enim aliud nomen est sub coelo datum hominibus in quo aporteat nos salvos fieri (Não há salvação em nenhum outro, porque, sob o céu, nenhum outro nome foi dado aos homens, pelo qual devamos ser salvos — At 4,12).

Se, portanto, a natureza está enferma desse mal chamado naturalismo, para ser curada, ela deverá submeter-se a Jesus; se não, conservará seu mal, que a perderá fatalmente e para sempre.

E note-se que a submissão necessária para a cura deve ser completa, total e do fundo do coração. É preciso entregar-se ao médico celeste para receber toda a virtude de seus remédios divinos e qualquer reserva na submissão não somente compromete a cura, mas geralmente a torna impossível. “Quero ser batizado”, dizia o eunuco da rainha da Etiópia. — “Sim, diz-lhe São Felipe, se tu crês de todo teu coração” (si credes ex toto cordo licet — se crês de todo teu coração, é possível — At 8,37). A salvação depende dessa condição.

A razão tem seu mal que é o racionalismo. Ela, também, para ser curada, deve submeter-se a fé. Nada mais justo! A razão criada deve-se inteiramente à razão incriada; a razão humana deve-se à razão divina. Se a razão humana julga que cresce ostentando independência, engana-se e tão completamente como o filho pródigo ao deixar a casa paterna. Que encontrou ele quando longe de seu pai? Só indigência e vergonha. A razão que se afasta da fé não tem outra coisa a esperar. Sua salvação está nesta palavra do filho desgarrado: Surgam et ibo ad Patrem meum (Levantar-me-ei e irei para meu Pai — Lc 15,18).

Cabe assinalar aqui uma ilusão extremamente funesta em que caíram muitos ho-mens apesar de estimáveis. Como é necessário que a razão humana não se desvie da fé, esses homens julgaram ser bom procedimento rebaixar a fé perante a razão, atenuando as divinas exigências da fé, diminuindo seus direitos imprescritíveis, a fim, segundo dizem, de torná-la mais facilmente aceitável. Mas por que querem fazer com as almas aquilo que jamais fariam, com os corpos, os médicos dignos desse nome? Estes sabem qual a dose necessária para que um medicamento seja eficaz; será que prescreverão uma dose mais fraca, a pretexto de tornar o remédio fácil de tomar? Eles sabem, porém, que por esse preço não haveria cura, e então não farão tal coisa. Por que nós, médicos das almas, haveremos de ser menos sábios do que os médicos do corpo? Filii hujus saeculo prudentiores filiis lucis in generatione sua sun (Os filhos deste mundo são mais hábeis no trato com os seus semelhantes que os filhos da luz — Lc16,8).

A liberdade tem sua doença, que é o liberalismo. A liberdade é uma bela e digna faculdade da alma. O liberalismo é um estado anormal dessa liberdade: estado falso e forçado. Pois a liberdade nos é dada para o bem e para o mérito, enquanto que o liberalismo é o estado de uma liberdade descomprometida com o bem e com o mérito. Assim como o racionalismo é um abuso da razão, o liberalismo é um abuso da liberdade: abuso que consiste em fazer da própria liberdade a regra da liberdade. Mas somente Deus é sua própria regra, e toda criatura que nisso quer imitar Deus não faz senão imitar Satanás, pioneiro dos revoltados. A razão tem por regra a razão de Deus, isto é, a fé. E a liberdade tem por regra a vontade de Deus, que é a caridade.

A caridade ilumina, dirige, contém, sustenta, fortifica a liberdade e a torna capaz de progressos maravilhosos, pois, quanto mais o homem progride no bem e no mérito, mais livre se torna. Ouçamos a grande voz da Igreja na Oração da segunda-feira de Páscoa:

Populum tuum, quaesumus Domine, coelésti dono proséquere; ut et perféctam libertátem cónsequi mereátur et ad vitam proficiat sempitérnam (Nós vos pedimos, Senhor, que continueis a cumular de dons celestes o vosso povo, para que ele mereça alcançar a liberdade perfeita e progrida no caminho da vida eterna).

Isto nos faz compreender melhor a sublime expressão de Santo Agostinho, já citada: Libertas est charitas.

Prosseguindo o estudo do mal presente, encontra-se o sensualismo, o amor do bem-estar material, o amor da satisfação dos sentidos, como o movimento de Eva em direção ao fruto que lhe parecia belo de ser visto e saboroso para comer.

O remédio para esse mal tão comum, tão profundamente enraizado na natureza, é a penitência.

Fazei penitência, eram as primeiras palavras de Nosso Senhor em suas pregações; pois a penitência é tão necessária que Ele um dia disse: Nisi poenitentiam habueritis omnes similiter peribitis (Se não fizerdes penitência, perecereis todos do mesmo modo — Lc 13,3).

A palavra penitência tornou-se desagradável de ouvir; há uma espécie de cons-trangimento de novo tipo em pronunciá-la. Nesse caminho já se chega a ir longe, tanto assim que um homem religioso do novo tipo saiu-se gravemente com esta sentença:

O jejum não está mais no espírito da Igreja; hoje é a oração, é a oração.

Sim, a pretexto de espiritualidade faz-se tábua rasa de uma boa parte do Evangelho e com isso ganhou, evidentemente, o sensualismo.

CAPÍTULO V

O Verdadeiro Estado das Almas

A Humanidade passou por três estados sucessivos:

o primeiro, desde a queda de Adão até Moisés, chamado estado da lei da natureza;
o segundo, desde Moisés até Nosso Senhor, é o estado da lei escrita;
o terceiro, desde Nosso Senhor até nós, é o estado da lei da graça, que durará até o fim dos tempos.

Santo Agostinho  resume todo o estado do mundo nessas épocas sucessivas em três itens: Ante legem, sub lege, sub gratia (antes da lei, sob a lei, sob a graça).

· Uma alma se acha ante legem quando se encontra na ignorância, seja porque não lhe foi ministrada instrução, seja por tê-la negligenciado não sabendo seu valor.

· Uma alma está sub lege quando tem conhecimento do bem a praticar e do mal a evitar; não obstante, seja por ainda não ter recebido a fé, seja por negligenciar viver segundo a fé, ela permanece em pecado que sabe ser pecado.

· Uma alma esta sub gratia quando, junto com o conhecimento, ela recebeu também o dom da fé e a graça de viver segundo essa fé que opera a caridade: Fides quae per dilectionem operatur (a fé que opera pelo amor — Gal 5,6). Nesse feliz estado, a alma caminha em paz na via dos santos mandamentos; ela ama as leis de Deus, e Deus acima de tudo; ela é livre no bem que ama e caminha com confiança em direção à recompensa prometida por Deus.

É necessário fazer-se esse discernimento das almas a fim de proporcionar as instruções às suas particulares necessidades e não exigir delas o que seria superior a suas forças. Assim:

· uma alma que se encontra ainda ante legem tem muito mais necessidade de receber do que aptidão para dar. Para ela a boa vontade consiste em receber a luz à medida que esta lhe é apresentada, e não se lhe deve pedir mais, porque mais não é possível;

· uma alma que está sub lege precisa ser esclarecida sobre a natureza da fé, sobre os mistérios da Encarnação e da Redenção; ela tem necessidade de ser encaminhada à oração e sobretudo ao desejo de uma graça maior e mais abundante;

· uma alma que está sub gratia requer ser bem instruída sobre a natureza da graça, sobre sua gratuidade, sobre sua necessidade, sobre suas operações maravilhosas, a fim de que, a elas se entregando com amor, caminhe na trilha de todas as boas obras. Essa alma tem também necessidade de ser instruída sobre a humildade e de nela firmar-se, a fim de não se expor ao pecado: Quid se existimat stare videat ne cadat (quem se presume estar firme tenha cuidado para não cair — 1 Cor 10,12). Tu autem fides stas: Noli altum sapere, sed time (Se estás firme é por causa da fé. Mas não te sintas superior, antes teme — Rom 11.20).

Importa, por isso, necessariamente, que a instrução seja adequada ao estado da alma, e que, por sua vez, esta venha a agir de acordo com a instrução recebida. Seria desastroso exigir-se de uma alma mais do que lhe é possível perante Deus, como, por exemplo, pretender-se levar à comunhão uma alma que nem mesmo esteja ainda sub lege, uma alma que ainda se encontre talvez ante legem, em estado de deplorável ignorância.

O mal que se tem feito e que ainda se faz procedendo de tal forma, é incalculável. Especialmente lastimável nessa circunstância é fazer-se uso dos sacramentos, porque então eles são recebidos sem conhecimento, sem preparação, e, portanto, sem fruto e sem o desejo de serem novamente recebidos; em muitos casos o são por uma única e última vez.

CAPÍTULO VI

Ainda o Verdadeiro Estado das Almas

Na França, o ministério é exercido exclusivamente perante pessoas batizadas (assim se podia dizer em 1863, época em que estas palavras foram originalmente escritas), as quais poderiam então supor que deveriam ser consideradas como estando sub gratia ou ao menos sub lege. Tal suposição seria, porém, um grosseiro equívoco.

Pois existem muitíssimas almas que perderam a graça, que muitas vezes chegaram até a perder a fé. A estas seria prejudicial tratá-las como fiéis, procurando-se de imediato levá-las às práticas religiosas antes de fazer-se com que a fé nasça ou renasça nelas. Tal proceder poderia induzir a crer que a religião consiste puramente em regras e cerimônias; e, então, as faríamos cair em um estado pior que o anterior.

O Padre Faber dizia que os ingleses devem ser tratados com os mesmos cuidados que os Padres outrora empregavam para os pagãos. Entretanto, esses ingleses são batizados; e, embora protestantes, são muitas vezes mais religiosos do que os católicos franceses. Não teríamos dúvida em pedir para estes o que o Padre Faber pedia para seus compatriotas. Certamente lhes prestaríamos um grande serviço ensinando-lhes a fé, se a ensinarmos de tal modo que nunca sejam levados a crer que Deus se satisfaz com formalidades, e que a religião é apenas um conjunto de cerimônias.

O que está acima se aplica às almas desviadas.

Mas há outras. As que servem a Deus nem sempre dispõem dos socorros espirituais de que necessitam. Precisariam de luzes, precisariam ser ajudadas no discernimento de seus caminhos, nas operações de Deus nelas próprias; estas almas, porém, raramente encontram o que necessitam. Por falta de socorro, muitas almas, por exemplo, se afogam em escrúpulos, muitas perdem a coragem diante das dificuldades, muitas se estiolam por falta de instrução baseada na fé. Bem poderiam elas dizer, como o paralítico do Evangelho: Hominem non habes! (Não tenho quem me valha! — Jo 5,7).

Os padres facilmente imaginam que estão sempre suficientemente preparados para confessar os homens do campo. Enganam-se, porém; as almas dessa gente humilde se equivalem às almas dos que habitam nas cidades, e não são necessárias menos luzes e menos discernimento para ajudar uma alma de aldeão que a de um cidadão de grande metrópole. Uma alma é sempre uma alma em qualquer lugar que seja; as necessidades das almas são grandes em toda parte, e o Espírito Santo tanto opera nas maiores cidades quanto nos mais humildes rincões.

Muitas vezes, tivemos ocasião de constatar o abatimento de que padecem as almas carentes de auxílio, de luzes, de direção segura.

Há padres que julgam dar remédio a tudo isso assumindo sobre as almas um tom de autoridade: “Faça isto, eu ordeno; obedeça...”. Tais meios, porém, não constituem a luz, nem a produzem. A autocracia do sacerdote não tem cabimento quando o Espírito Santo quer ter a palavra.

Excetuado o caso, que é bastante raro, de escrúpulo proveniente de timidez, a autoridade não é um meio salutar de direção. Non dominamur fidei vestrae (Não somos donos de vossa fé — 2 Cor 1,24).

O verdadeiro meio consiste antes no cuidado de aclarar o caminho, de instruir solidamente a fé sobre as operações do Espírito de Deus, do espírito próprio e do espírito do maligno.

CAPÍTULO VII

Adoração em Espírito e em Verdade

Como já dissemos, há um imenso perigo em fazer-se consistir a religião em apenas observâncias e atos exteriores. Se a isso se reduzisse, a religião dos cristãos pouco se diferenciaria do antigo paganismo, pois seria então mero exercício corporal em vez de empenho da alma.

Nosso Senhor, tendo ensinado aos homens que Deus é espírito, quer que Ele seja adorado pelo espírito ou em espírito, e chama isso de adorar Deus em verdade.

Portanto, se o culto que prestamos a Deus não lhe for prestado em espírito ou pelo espírito, também não lhe será prestado em verdade.

Considerado desse ponto de vista, o mal atual é muito grande; e entre os cristãos de hoje é o fruto lastimável de uma funesta ignorância.

Os cristãos já não conhecem mais, ou ao menos suficientemente, três coisas que constituem o culto de Deus pelo espírito, a saber:

a fé,
a graça de Deus, e
o grande mandamento.

Embora conhecendo o objeto da fé, não sabem o que é a fé. Ainda lhes resta algum conhecimento a respeito das verdades da fé, mas não têm noção do que seja o próprio dom da fé: dom gratuito de Deus pelo qual nosso espírito adere à verdade revelada por Deus e é então posto no caminho da vida sobrenatural. Há muitíssimo que fazer para restabelecer a fé, a fé completa, entre os cristãos de nosso tempo.

Eles também não conhecem o que é a graça de Deus. Essa é para eles uma palavra muito vaga sem significação precisa, sem sentido determinado. Têm necessidade de serem instruídos sobre a natureza da graça e sobre sua gratuidade (freqüentemente imaginam que Deus seria injusto se não a distribuísse indiscriminadamente a todos). Aliás, tem-se que reconhecer que grandes doutores em Israel tinham necessidade, também eles, de aprender o que é a graça de Deus. E se com os mestres é assim, o que será então com os discípulos?

Os cristãos da época atual têm ainda a premente necessidade de serem instruídos sobre o grande mandamento de amar a Deus. Há hoje a tendência de substituir-se a fé pelo sentimento religioso (muitas vezes nossos doutores, quando deveriam mencionar a palavra fé, dizem ou escrevem “sentimento religioso”), embora haja entre esse e aquela uma distância incomensurável, pois o sentimento religioso é uma disposição natural enquanto que a fé é um dom sobrenatural. Equívoco não menor cometem os que crêem ter encontrado um meio de praticar o amor de Deus no exercício de uma certa sensibilidade ou pieguice devota, que nos faria acreditar que verdadeiramente ainda temos alguma coisa para o “bom Deus”. Há, porém, uma grande distância entre tal disposição e o amor de Deus como Deus o entende: amor que faz com que todos os nossos afetos se desliguem das coisas do mundo para se dedicarem integralmente a Deus, amor que liberta a alma das três concupiscências, amor que governa inteiramente a vida e a ordena integralmente segundo o propósito único de agradar a Deus.

Ó! Como há tanto que fazer para ensinar aos cristãos a fé, a graça e o amor de Deus!

Primeira parte: natureza do ministério eclesiástico

 CAPÍTULO I

Origem do Ministério

Deus amou de tal maneira o mundo que lhe deu Seu Filho Único. E enviando ao mundo Seu Filho Único, Deus lhe confiou um grande ministério a cumprir perante a humanidade decaída.
Ao Filho de Deus, como nosso Redentor, coube primordialmente satisfazer à Justiça de seu Pai. Além disso, coube a Ele não só merecer para nós todas as graças necessárias à nossa salvação, como ainda criar uma instituição encarregada de, haurindo incessantemente do tesouro de Seus méritos, dispensar a todos os eleitos as graças necessárias para conduzi-los à vida eterna.

Nosso Senhor cumpriu integralmente o ofício que seu pai lhe atribuiu, e, na véspera de sua morte, podia dizer com toda verdade:
Opus consummavi quod dedisdi mihi ut faciam (Cumpri o que mandaste que Eu fizesse — Jo 17,4).

 E, um instante antes de morrer, mais expressivamente ainda o disse na cruz:
Consummatum est (Está consumado — Jo 19,30).

Nosso Senhor tinha formado seus Apóstolos para o ministério; tinha-lhes ensinado toda a verdade; tinha-lhes revelado todas as coisas; e confiou-lhes os sacramentos. Antes, porém, de pô-los em ação para exercer o ministério, infundiu-lhes o Espírito Santo. A obra que eles tinham de levar avante, sendo uma obra divina, não poderia se bem executada senão pelo próprio Espírito de Deus. O espírito do homem não seria suficiente para uma tarefa de tal porte. E, então, o Espírito de Deus lhes foi dado.

CAPÍTULO II

O Ministério no Tempo dos Apóstolos 

Nosso Senhor, depois de ter Ele próprio criado e exercido o santo ministério, confiou-o a seus Apóstolos, como continuadores de Sua obra.

Para esse fim, deu-lhes os poderes de ordem e de jurisdição e ao mesmo tempo as virtudes necessárias para o bom uso desses atemorizantes poderes. Onus angelicis humeris formidandum (Uma carga aterradora para ombros angélicos), diz o Concílio de Trento.

Instituindo os Apóstolos, Nosso Senhor os fez ministros perfeitos, Idoneos nos fecit ministros Novi Testamenti (Ele nos constituiu aptos servidores do Novo Testamento — 2 Cor 3,6), pois que tinha faculdade tanto para dar-lhes virtudes como para dar-lhes poderes. Os Apóstolos transmitiram facilmente os poderes, pois para isso tinham os sacramentos; mas não podiam dar as virtudes1. Isto explica porque o ministério pôde ter fracassos; e constitui a razão da fraqueza que afeta os herdeiros dos Apóstolos.

Não nos antecipemos, porém, e vejamos o que era o ministério nas mãos dos Apóstolos.

São Pedro o diz em uma palavra: Nos vero orationi et ministério Verbi instantes erimus (Nós nos consagraremos inteiramente à oração e ao ministério do Verbo — At 6,4).

Para São Pedro, o ministério consiste, em primeiro lugar, na oração; em seguida, na pregação; a administração dos sacramentos vem depois, como coisa secundária, ou parte por assim dizer material, que freqüentemente os Apóstolos confiavam aos diáconos quanto ao batismo, ou aos padres quanto ao batismo e demais sacramentos.

São Paulo, que havia convertido grande número de habitantes de Corinto, só batizou, entretanto, nessa cidade, muito poucas pessoas, pois habitualmente os fiéis eram batizados por Apolo e por Cefas. Ele dizia claramente que Nosso Senhor não o mandara batizar, mas sim pregar o Evangelho: Non enim misit me Christus baptizare sed evangelizare (Eis que o Cristo não me mandou batizar, mas evangelizar — 1 Cor 1,17).

Isto é de extrema importância, pois hoje as idéias são inteiramente diversas das dos Apóstolos. Os Bispos e os Padres, uma vez tendo administrado os sacramentos, crêem tranqüilamente que cumpriram o seu ministério, mas, de fato, executaram a parte material, em que não está contido o essencial.

CAPÍTULO III

O Corpo e a Alma do Ministério

No ministério compete distinguir, como na Igreja, o corpo e a alma, tal como nas coisas se distingue a matéria e a forma.

O corpo do ministério é a parte exterior, ritual; é a administração dos sacramentos.

A alma do ministério é, certamente, a oração, união interior com Nosso Senhor, e é essa união que nos deve fazer buscar em Deus o espírito interior, capaz, só ele, de fecundar as obras exteriores.

A pregação pertence em parte ao corpo e em parte à alma do ministério, pois considerada como uma função exterior, por certo é operação do corpo do ministério; mas, se considerada como devendo ser inspirada, vivificada, animada na oração para dela colher sua virtude e sua eficácia, então pertencerá à alma do ministério.

E isto faz com que se entenda a profundidade da palavra de São Pedro, citada mais acima: Nos vero orationi et ministério Verbi instantes erimus.

CAPÍTULO IV 

A Verdadeira Ordem das Três Grandes Funções do Ministério

O ministério compreendendo principalmente, portanto, segundo Nosso Senhor e os Apóstolos, estas três funções: oração, pregação e administração dos sacramentos, importa observar-se que São Pedro colocou antes de tudo a oração, em seguida a pregação e por fim, como uma espécie de resultante, a administração dos sacramentos.

Esta é a verdadeira ordem das santas funções.

De início, deve-se buscar a convivência com Deus, pois aí está o ponto capital; é necessário captar sua graça, tornar-se familiar com ela, como diz São Gregório; e em seguida atraí-la para as almas junto às quais terá que ser exercido o ministério.

Depois de se ter rezado, é preciso pregar, é preciso instruir, e a pregação, tornada poderosa pela oração que a precedeu, leva as almas a desejar em seguida a receber os sacramentos.

Esta é a economia da obra de salvação das almas; é nessa ordem que Nosso Senhor deseja que as santas funções sejam cumpridas.

Será que é esta a idéia que hoje se tem do ministério e da ordem a seguir para bem exercê-lo? Muito duvidamos disso. Pois, se não estamos enganados, parece-nos que a grande preocupação é a administração dos sacramentos e em seguida a pregação; quanto à oração, considera-se como uma obra pessoal do padre, não mais como sendo a obra principal do ministério, o que significa pura e simplesmente uma inversão da ordem estabelecida por Deus.

CAPÍTULO V

Primeira Função do Ministério: A Oração 

Nosso senhor ensina que é preciso rezar sempre:  Oportet semper orare (Luc 18,1).

O cumprimento deste preceito, tomado ao pé da letra, seria impossível para nós. Eis por que os Santos Padres o explicaram como tendo o sentido de que é preciso rezar com bastante freqüência para que a alma esteja continuamente sob a ação, sob a proteção da oração feita precedentemente2.

Para esse fim, o Espírito Santo inspirou à Igreja a fixação de horas de oração, e se tem considerado como estando em permanente oração aqueles que rezam fielmente nos tempos prescritos para oração, nas horas fixadas, ou melhor, nas “horas canônicas”. Semper orat qui statuta tempora non pratetermittit oranda (reza sempre aquele que não deixa de rezar nos tempos determinados, dizia Beda, o Venerável).

Essas “horas” são bem conhecidas.

Os Apóstolos deram o exemplo da oração feita nas “horas canônicas”.

Media nocte Paulus et Silas orantes laudabant Deum et audiebant eos qui in custodia errante (Pelo meio da noite, Paulo e Silas rezando louvavam a Deus e eram ouvidos pelos que estavam na prisão — At 16,25). Era uma oração vocal, pois que era ouvida pelos que estavam presos com os Apóstolos.

No dia de Pentecostes, a Igreja nascente estava reunida para a oração de terça, quando veio o Espírito Santo: Erant omnes pariter in eodem loco... hora diei tertia (estavam todos então reunidos ... na hora terça do dia — At 2,1-15).

São Pedro sobe para rezar em um quarto no alto da casa; era a hora Sexta: Ascendit... ut oraret circa horam Sextam (subiu... para rezar por volta da hora Sexta — At 10,9).

São Pedro e São João sobem ao Templo para a oração da hora Nona: Petrum autem et Joannes ascendebant in templum ad horam orationis Nonam (At 3,1). Esta palavra é especialmente digna de nota: os Apóstolos tinham horas determinadas para rezar: Horam orationis. “Nona” era uma dessas horas.

O centurião Cornélio, mesmo antes de ser cristão, rezava na hora Nona, e foi então que recebeu a visita do anjo que o encaminhou a São Pedro: Orans eram, in domo mea hora Nona (estava rezando em minha casa na hora Nona — At 10,30).

A Tradição da Igreja é constante quanto a este ponto tão importante da oração nas “horas canônicas”. Os exemplos dos santos são idênticos em todos os séculos. E vemos que todos sempre fazem da oração nas “horas canônicas” o seu primeiro dever. São Pedro dizia: Non est aequum nos derelinquere Verbum Dei et ministrare mensis (não é justo que descuidemos da palavra de Deus para servir às mesas — At 6,2), ensinando assim que não se deve sacrificar a pregação em favor de uma obra exterior de caridade; nem tampouco admitiria ele que se sacrificasse a oração, pois a esta dava proeminência sobre a pregação e sobre todas as coisas, conforme se depreende das seguintes palavras, já citadas: Nos vero orationi et ministerio Verbi instantes erimus (At 6,4).

CAPÍTULO VI

Segunda Função do Ministério: A Pregação

A pregação da palavra de Deus não é obra humana. A ciência, por maior que seja, a eloqüência, por mais poderosa que seja, não são a pregação da palavra de Deus.

A ciência pode ser útil, a eloqüência pode ser útil; mas na pregação da palavra de Deus há mais que ciência e há algo melhor que eloqüência.

Note-se bem esta expressão: palavra de Deus. Para pronunciar-se esta palavra é preciso tê-la recebido, e se é verdade que ela se recebe da Igreja, não é menos verdade que ela se torna palavra de vida graças ao Espírito de Deus infundido em nós na oração.

A palavra que temos de pregar deve, pois, vir de Deus e além disso é preciso que ela seja anunciada pelo Espírito de Deus. Em Pentecostes é que os Apóstolos pregaram pela primeira vez: Repleti sunt Spiritu Sancto et coeperunt loqui (foram repletos do Espírito Santo e começaram a falar — At 2,4).

Há, pois, uma distância infinita entre nosso ensino e os ensinamentos humanos. Os homens anunciam a palavra do homem, nós a palavra de Deus; os homens falam com seu espírito, a nós é dado o Espírito de Deus; os homens querem comunicar a ciência a quem os escuta, nós a fé. Que diferença!

Ora, como para propagar a ciência é necessário possuir-se a ciência; assim também para gerar a fé nas almas é preciso estar-se pessoalmente imbuído da fé. A palavra que nós anunciamos deve ser a própria palavra da fé: Verbis fidei, diz São Paulo (Rom 10,8) e Fides ex auditu (a fé vem pelo que é ouvido — Rom 10,17).

Nós, portanto, não somos professores de religião; somos instrumentos de Deus para fazer que a fé penetre nas almas: Tanquam Deo exhortante per nos (Como se Deus exortasse por nós), diz ainda São Paulo (2 Cor 5,20).

Precisamos, pois, não somente pedir a Deus pela oração que nossa palavra seja realmente sua palavra; não somente estar repletos do Espírito de Deus para anunciar a palavra divina. Precisamos, — bem sabendo que nessa atemorizante função executamos uma obra inteiramente divina —, ser humildes, piedosos, suplicantes, despojados não só de nós mesmos como também despojados em alguma forma de toda nossa humanidade, a fim de que nossa obra seja verdadeiramente a obra de Deus e faça brotar a fé em quem nos ouvir. Hoc est opus Dei ut credatis (a obra de Deus consiste em que creiais — Jo 6,29)3.

CAPÍTULO VII

Terceira Função do Ministério: Os Sacramentos

Após ter rezado e pregado, o homem de Deus,  Homo Dei (1 Tim 6,11), — vendo que a fé nasceu na alma de seus ouvintes e nela opera as obras necessárias à justificação —, ministrará então os sacramentos.

Os sacramentos, que conferem tantas graças, não dão as disposições necessárias para recebê-los. Eis aí um ponto capital da doutrina cristã, e isto mostra quanto se enganam os que crêem que tudo está salvo quando se recebe os sacramentos.

Os sacramentos são sinais visíveis de graças invisíveis. E o padre que administra os sacramentos, além de estar atento ao rito exterior, deve aplicar-se interiormente em pedir a graça interior; ele deve agir em comunhão com Deus que concede a graça4, com Nosso senhor Jesus Cristo que a mereceu5 e com a alma que a recebe6.

Não há nada na religião que seja puramente exterior. Deus é Espírito, e tudo que vem Dele, como tudo o que vai para Ele, deve ser espírito.

Nós somos corpo e alma; Nosso Senhor é Deus e homem; os sacramentos têm matéria e forma. Em tudo isso há harmonia entre os dois termos e seria perturbar essa harmonia esquecer-se ou omitir-se em nossa Religião qualquer das coisas que Deus quis que nela fossem guardadas.

O homem que esquecesse sua alma para apenas dar atenção a seu corpo; o homem em que Nosso Senhor não visse senão sua humanidade, imitando por assim dizer os Antigos Antropomorfitas; o padre que nos sacramentos tão somente considerasse o rito exterior: estariam uns e outros fora da Verdade. Ora, só a Verdade salva: Veritas liberabit nos (a Verdade nos libertará — Jo 8,32).

CAPÍTULO VIII

O Ministério Eclesiástico é um Ministério Interior

Se bem que no ministério haja diversas funções exteriores, é, entretanto, certo dizer-se que, considerado em seu conjunto, o ministério é uma coisa interior.

Com efeito, pedir a graça, contribuir para que ela conquiste as almas, nelas se conserve e aumente, é por certo o essencial e a bem dizer o escopo final do ministério. E quem não percebe que todas essas coisas são coisas interiores?

E sendo isso fora de dúvida, cada vez mais vai se percebendo quanto é profunda a palavra do príncipe dos Apóstolos quando diz:  Nos vero orationi er ministério Verbi instantes erimus. Ele dá primazia à oração e o faz porque o ministério, que atua nos homens, desenvolve sobre eles sua eficácia na medida em que o ministro se mantém em relação com Deus pela oração.

Somente Deus dá sem ter recebido, porque sendo Deus tem em si mesmo todos os bens; nós, que não somos Deus, não podemos dar senão depois de termos recebido. Quando se trata dos meios de santificar as almas, de quem os poderíamos receber senão de Deus? E como Deus nô-los daria com plena eficácia, se não lhe rogássemos com humildade, confiança e perseverança?

Quão admiráveis neste ponto são nossos Pais, os antigos missionários beneditinos! Eles chegavam num país idólatra; procuravam um lugar solitário, um recanto ermo; lá punham-se a rezar, lutavam contra os demônios, contra os animais selvagens, construindo uma simples cabana para se abrigarem, cantando os Salmos nas Horas Canônicas do dia e da noite ... Nos vero in orationi instantes erimus.

Tendo permanecido em oração, muitas vezes durante anos, afinal alguns pastores vinham vê-los, perguntavam-lhes quem eram e o que faziam; daí às primeiras lições de catecismo era apenas um passo; com o tempo haviam catecúmenos ... Orationi et ministerio Verbi instantes erimus.

Assim brotava uma cristandade. A perseguição podia vir, mas seria vencida; e a fé, triunfante, era plantada nas almas.

Tudo isso bem provinha de uma ação interior: a oração, a união a Deus. Nesta união, nessa comunicação (conversatia) incessante, os santos recebiam de Deus as graças de luz, de conversão para as almas; e assim era o seu ministério abençoado por Deus.

  1. 1. Não obstante, os Apóstolos as exigiam daqueles a quem ordenavam (2 Tim 2,2). Ver At 6,3.
  2. 2. E essa é a razão da oração: Divinum auxilium maneat semper nobiscum (sempre conosco permaneça o auxílio divino), que recitamos no final de todas as Horas Canônicas, almejando e pedindo que depois de terminada a Oração Canônica não nos falte, um só instante, a proteção de Deus, a assistência de sua graça, até que uma nova oração nos ponha novamente sob a ação imediata da graça de se estar rezando.
  3. 3. Aqui o Pe. Emmanuel para completar seu pensamento cita o seguinte texto de São Paulo (2 Cor 4,13): “Possuindo esse mesmo espírito de fé segundo está escrito: ‘Eu cri, por isso falei’: nós também cremos e por isso, então falamos”. Em seguida, ele adverte, em conformidade com outros textos (1 Tess 3,10-12 ; At 13,46-48), que nós não conseguiremos abrir à fé todas as almas.
  4. 4. Adorar a caridade de Deus, que desejou a salvação dos filhos de Adão por gratuita misericórdia.
  5. 5. Adorar a caridade do Filho de Deus que se fez vítima por nós.
  6. 6. Ver o estado interior da alma perante Deus e almejar-lhe a graça.

Segunda parte: o ministério desnaturado

CAPÍTULO I  
O Ministério pode ser Desnaturado

O ministério eclesiástico é uma criação de Nosso Senhor. Mas como ele é confiado aos homens, pode acontecer, — em conseqüência de ser a natureza humana sujeita a fraquezas — que o ministério não seja por eles mantido na completa integridade de sua natureza.

Nosso Senhor é Deus e homem. Tem havido homens empenhados em afirmar que n’Ele não há unidade de divindade e humanidade; em negar uma e outra; e por conseguinte em destruir, como se tal fosse possível, esse grande mistério, e estancar a torrente de graças das quais Ele é a fonte.

Diz São João que isso é obra do Anticristo: Omnis qui solvit Jesum Antichristus est (Todo aquele que não professa Jesus é do Anticristo — 1 Jo 4,3).

Se o mistério da Encarnação pode ser assim mutilado, desagregado e aniquilado quanto a seus efeitos, não é de admirar que o mesmo possa acontecer com o ministério, pois este é uma conseqüência e uma limitação da divina Encarnação.

CAPÍTULO II 

Como o Ministério pode ser Desnaturado

O ministério consistindo essencialmente em três coisas, — oração, pregação e sacramentos —, é evidente que sua natureza seria mudada, alterada, destruída, caso uma dessas três coisas fosse ou suprimida ou alterada.

Quem aliás não vê que a obra de salvação dos homens seria paralisada se a oração cessasse, se a pregação emudecesse, se os sacramentos não fossem mais administrados?

Isto aconteceria não somente se as três coisas desaparecessem ao mesmo tempo, como também se apenas uma qualquer delas viesse a faltar.

Mas, mesmo que subsistam todas as três partes essenciais do ministério, este seria infrutuoso se essas três partes não mantivessem à disposição desejada por Deus, se a ordem estabelecida por Ele não fosse exatamente conservada e observada.

A quem serão ministrados os sacramentos e com que proveito serão eles minis-trados, se não forem precedidos pela pregação capaz de fazer nascer nas almas a fé, princípio animador das obras necessárias à salvação?

E a pregação terá, para tal fim, a eficácia que Deus lhe quer dar, se não for precedida pela oração, que atrai a graça do alto quer para o pregador quer para quem o ouve?

CAPÍTULO III

Continuação do Precedente

No ministério há corpo e alma. Faltando-lhe seja uma seja outra dessas duas coisas, ele fica desnaturado.

O corpo do ministério é coisa bem conhecida, sendo, ele próprio, composto de coisas santas e muito santas. Mas a alma, o espírito interior que deve vivificar esse corpo, é coisa bem pouco conhecida.

Há aqueles que crêem ter cumprido o ministério quando desempenharam todas as obras exteriores. Mas a parte do ministério denominada oração é freqüentemente conside-rada como sendo obra particular da pessoa do padre, conquanto seja obra não da pessoa, mas do próprio ministério, conforme já acentuamos (Livro I, cap. IV).

Isto é muito importante. Quando um padre chega a persuadir-se de que poderá cumprir seu ministério, apenas exercendo perante os fiéis tudo aquilo que estes podem cristãmente desejar e requerer dele, acabará então dizendo a si próprio: se não sou um homem interior, um homem de oração, isso é coisa que só a mim concerne e que não tem conseqüência senão para mim próprio. Esse padre, porém, está gravemente enganado. E esse erro é bastante comum, atualmente.

O ministério será, dessa forma, um ministério sem alma, um ministério sem vida e muito freqüentemente um ministério de morte, ministratio mortis (2 Cor 3,7).

CAPÍTULO IV  

O Ministério  Desnaturado na sua Primeira Parte: A Oração

Acabamos de dizer como o padre prejudicaria seu ministério se considerasse a oração como uma obrigação não do ministério da Igreja, mas obrigação particular de cristão que é.

O padre não deve nem pode dissociar em si o cristão do padre ou o padre do cristão. Embora seja certo dizer-se que ele é cristão para si e padre para os outros, não menos verdade é isto: ele de fato é um cristão que se fez padre.

Os deveres do cristão e os deveres do padre são uma coisa só, assim como o cristão e o padre são em si apenas uma única pessoa.

Seria, pois, grande engano não reconhecer na oração a maior, a mais importante, a mais indispensável das obrigações do padre. Obrigação que é devida a Deus, à Igreja, às almas e a ele próprio: a Deus do qual é criatura; à Igreja, da qual é ministro; às almas, das quais é servidor; à sua própria alma, da qual, depois de Deus, deve ser o salvador.

É obrigação que jamais cessa: Oportet semper orare (Convém rezar sempre — Lc 18,1).

Segundo a forma canônica, isso todos hão de convir, porque é de obrigação grave, já que comete pecado mortal quem omite uma só das horas do Ofício Divino.

Mas o que geralmente não se considera é que as Horas Canônicas devem ser rezadas nas próprias horas canônicas.

No entanto, é bem claro o sentido das palavras do Breviário:  Ad Matutinum, ad Primam, ad Terciam, ad Sextam, ad Nonam, ad Vésperas, ad Completorium (em Matinas, em Prima, em Terça, em Sexta, em Nona, em Vésperas, em Completas).

Dir-se-á: sim, outrora era assim. Por certo; mas por que já não o é mais?

Hoje, reza-se Matinas em dia antecipado, isto é, faz-se da oração da noite e da manhã uma oração do fim do dia, isto é, uma oração fora de hora.

E isto, por que se terá achado mais fácil despertar tarde, em vez de cedo?

Diz-se: é para haver tempo para a meditação. Mas acaso nossos pais não praticavam a meditação? Será que somos nós mais dados a meditação do que nossos pais?

Não há dúvida, porém, de que nós meditamos menos que nossos pais; e possuímos uma dose de preguiça e de imortificação que certamente nossos pais não conceberiam.

As horas do dia, — que nossos pais espaçavam tão sabiamente com intervalos de três horas para lembrar-nos, sem cessar, a adoração da Santíssima Trindade —, são hoje recitadas de contínuo, como se fossem uma só peça. Isto, ao que dizem, a fim de que se fique mais livre.

Mais livre! Mas que liberdade é esta, que despreza a pontualidade na oração? Em que será empregada essa liberdade? Será para vagar e divagar? Para rir e para brincar?

Ah! A liberdade! Nossos pais tinham sobre ela uma idéia diferente da nossa. Pois admiravam a definição de Santo Agostinho: Libertas est charitas! (liberdade é caridade!1 Livro I, cap. LXV).

A caridade! Amar a Deus e ao próximo; amar a Deus e rezar; amar ao próximo e trabalhar para a sua salvação. Segundo nossos pais, isso seria a liberdade.

Não há dúvida de que hoje se entende de forma diferente da deles o que seja a liberdade e o dever de rezar.

A oração canônica quase não é mais recitada em lugar algum nas horas canônicas. Não será porventura esta uma das causas pelas quais o ministério frutifica tão pouco, e isto em toda parte?

Ora, se o ministério se mostra assim impotente para salvar aquilo para cuja salvação foi instituído, é caso de concluir-se então que ele deve ser considerado como uma instituição lastimavelmente viciada, ou usando o termo próprio, desnaturada.

CAPÍTULO V  

O Ministério Desnaturado na sua Segunda Parte: A Pregação 

Há mais de um modo de desnaturar o ministério, no que concerne à pregação da palavra de Deus.

Antes de mais nada, desnatura-se o ministério quando simplesmente se deixa de pregar, merecendo-se então as palavras que o Espírito Santo aplicava a pastores por demais negligentes aos quais chamava de: canes muti, non valentes latrare (cães mudos, incapazes de ladrar — Is 56,10).

O Senhor se referia assim às sentinelas de Israel, homens desatentos e ignorantes,, cães que não sabem latir, homens cujos olhos só estão abertos para a vaidade, homens sempre adormecidos que só amam seus próprios sonhos: Speculatores ejus coeco omnes, nesciarunt universi: Canes muti, non valentes latrare, videntes vana, dormientes, amantes somnia (Esses vigias são todos cegos, ignoram tudo; são cães mudos, incapazes de ladrar, interessados em coisas vãs, dorminhocos, amantes do sonho — Is 56,10).

A tais palavras do Espírito Santo nada há que acrescentar.

Em seguida, desnatura-se o ministério quando se prega como palavra de Deus o que não é palavra de Deus. Eis o que o Senhor diz a Jeremias:

Falso prophetae vaticinantur in nomine meo; non misi esos et non praecepi eis, neque locutus sum ad eos; visionem mendacem et divinationem et fraudulentiam cordis sui prophetant vobis(profetas que falsamente profetizam em meu nome; não os enviei, não os instruí, nem lhes falei; visão mentirosa, fantasia, fraude, ilusão de seu próprio coração, eis o que eles profetizam —  Jer 14,14).

Enfim, mesmo pregando a palavra de Deus, poder-se-á fazê-la sofrer certas alterações como as que São Paulo tinha em mente quando chamava certos pregadores de corruptores, falsificadores, adulteradores da palavra de deus: Adulterantes verbum Dei (2 Cor 2,17 e 4,2)2.

Adulteram a palavra de Deus, manejando-a dolosamente, todos quantos não a professam tal como lhes foi transmitida, íntegra, pura e sincera, mas de mistura com sabedoria profana ou com doutrina judaica, isto é, com deturpações e erros. Ou então se transmitindo a palavra de Deus deixam de visar à glória de Deus para buscar vantagens pessoais, e querendo agradar os homens acomodam às suas terrenas paixões a palavra de Deus.

Para concluir este capítulo, lembramos que a palavra de Deus deve ser pregada com o Espírito de Deus; e o Espírito de Deus não estará conosco se não formos homens de oração. Isso faz-nos ver mais uma vez como todo ministério está na dependência da oração, que São Pedro colocou antes de tudo mais: Nos vero orationi et ministério Verbi instantes erimus (At 6,4).

CAPÍTULO VI  

O Ministério Desnaturado na Administração dos Sacramentos

Dissemos mais acima (Livro I, cap. VII) qual é o papel dos sacramentos na economia da religião e, conseqüentemente, no ministério eclesiástico.

Uma vez que os sacramentos não dão as disposições necessárias para sua frutuosa recepção, é evidente que o ministério será desnaturado se aquele que administra os sacra-mentos não tiver toda a solicitude necessária para fazer nascer essas disposições, toda indispensável atenção para percebê-las quando efetivamente existentes, e toda firmeza para negar os sacramentos quando não existirem as disposições requeridas pelo próprio Deus.

Quão facilmente as pessoas imaginam hoje que têm as disposições para recepção de um sacramento, desde que sintam vontade de recebê-lo, ou tenham a complacência de aceitá-lo!

Não sei se esta norma é aceita por muitos. Mas é fora de dúvida que, onde ela se pratica, o ministério é de todo carente das condições imprescindíveis para que produza frutos.

CAPÍTULO VII

Em que se transforma o Ministério  Desnaturado

O ministério pode desatender à sua finalidade por muitas causas diversas, conforme mostramos nos capítulos precedentes. Tornar-se-á, então, mera rotina, empirismo ou uma espécie de trabalho maquinal, como se explica a seguir.

A rotina é um tipo de ministério eclesiástico que apenas se ocupa em atender ao que lhe é solicitado ou aos casos que se apresentam. Faz-se o que deve ser feito em virtude de uma certa ordem material, de um costume estabelecido que em si mesmo não merece censura. A semelhante ministério falta apenas aquilo, que também os cadáveres não têm: a alma, o espírito.

O empirismo é palavra chocante, quando aplicada à matéria em consideração. Faz lembrar, com desagrado, aqueles homens — chamados charlatães — que se proclamam detentores de um remédio infalível, capaz de curar todos os males. Quando no exercício do ministério o método seguido se assemelha ao desse tipo de homens, pode-se agir com vontade de obter bom êxito (não confundir com a boa vontade no sentido teologal), com desejo do bem, com empenho no sentido do bem; mas esse empenho é guiado por uma vontade pouco ou mal esclarecida. Pode-se caminhar largos passos esperando chegar, por fim, ao bom caminho, contudo, não se tem clara noção nem do que seja o bom caminho nem das condições requeridas para trilhá-lo com segurança.

Chamamos engenhosidade uma forma de ministério eclesiástico, na qual se faz grande aplicação de raciocínio, pois inventam-se mil meios, põem-se em cena mil estímu-los, empregam-se múltiplos recursos de imaginação. Mobiliza-se, em suma, o nosso espírito, mas é esquecido o Espírito de Deus.

Temos em mão um livro mui recentemente escrito, que foi muito promovido e até premiado em concurso. Esse livro é um verdadeiro método de engenhosidade em questão de ministério. Há nele cem tipos de expedientes, indicados seja para um executivo seja para seu adjunto, para o castelão como para a castelã, para o tabelião, para o médico, para o professor, para o guarda-florestal, etc., etc. Terminada a leitura desse livro, imaginamos: eis aí coisas que São Pedro e São Paulo não sabiam! Mas depois veio-nos à mente esta reflexão: melhor é saber o que sabiam São Pedro e São Paulo.

CAPÍTULO VIII  

As Conseqüências do Ministério Desnaturado

Quando o ministério é assim desnaturado, o padre que não consegue converter as almas é levado a queixar-se do ministério antes que de si próprio. Não lhe acode dizer: não sou um homem de oração; não trato a palavra de Deus como sendo ela de Deus; não cuido que os sacramentos que são santos sejam santamente recebidos. Mas, ao em vez, pronta mente dirá a si mesmo que os meios à nossa disposição são ineficazes, e que por conseguinte nada podemos e nada há que fazer.

Então, o padre poderá cair numa espécie de torpor espiritual que não lhe permitirá mais perceber (?????) para que seu ministério se torne útil, não só ao próximo como a si mesmo.

Se o mal se agrava, poderão surgir dúvidas no espírito do padre sobre a própria razão de ser do ministério; e o fato de, em suas mãos, o ministério se ter verificado inoperante, pode ser por ele atribuído a inoperância intrínseca ao próprio ministério instituído por Nosso Senhor.

Com mais um passo, o padre a princípio desencorajado, em seguida hesitante na fé, cairá na desesperança; poderá perder a fé e deixar-se cair em faltas que não têm mais nome, já que cometidas por um padre. Non peccata, sed monstra (mais que pecados, são monstruosidades) diz Tertuliano.

Queremos dizer que nessa gradação há uma seqüência lógica, não uma inevitável fatalidade, e que uma queda é possível. Queira Deus, porém, que o padre seja dela preservado.

  1. 1.De natura et Gratia”, livro I, cap.LXV.
  2. 2. Na primeira dessas passagens, São Paulo diz: Kapeleuontes, e na segunda: dolountes. A primeira designa o trabalho dos mercadores que introduzem substân cias estranhas em suas mercadorias (p. exp. os mercadores de vinho). A segunda palavra, dolountes, designa toda espécie de falsificação ou adulteração.

Tratado do ministério eclesiástico

TRATADO DO MINISTÉRIO ECLESIÁSTICO (escrito em 1863)

Padre Emmanuel Marie André (Abade do Mosteiro de Nossa Senhora da Santa Esperança)

 Mesnil-Saint Loup — França

 

 

[Nota da Permanência: O Padre Emmanuel-André já é conhecido dos nossos leitores e fiéis, pelos livros editados pela nossa editora. Agora apresentamos um curto, porém denso Tratado sobre a vida sacerdotal, seu fundamento, sua santidade, e também seus desvios. Que todos os nossos leitores possam aproveitar de tão belo texto e pedir muito à Virgem Maria que nos envie muitos santos padres, fiéis à Tradição, fiéis à Santa Igreja, fiéis ao Sangue derramado por Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a Cruz.]

5. A Oração mental

A Oração Mental
 
1. Da oração mental
 
Depois de tratarmos da oração vocal, o que vai nos ensinar sobre a oração mental?
A oração mental é a que se faz no interior da alma, sem se pronunciar as formulas das orações.
 
Qual é a excelência da oração mental?
Ela é o fundamento de toda oração, consistindo principalmente no desejo da alma, sem o qual não há nenhuma oração.
 
Como se chama essa oração interior que é toda da alma?
É chamada algumas vezes de meditação, e outras vezes simplesmente oração.
 
O que quer dizer a palavra meditação?
A palavra meditação significa o trabalho do espírito que considera, aprofunda avalia, por assim dizer, um assunto, em todos os sentidos, para achar os motivos para fugir do mal, procurar o bem e chegar a Deus.
 
O que quer dizer a palavra oração?
É a palavra que designa todo tipo de prece e que nos faz compreender que ela seja vocal ou mental, é uma obra da alma que aplica sua inteligência para conhecer o bem e a sua vontade para procurá-lo.
 
2. A oração mental segundo são Francisco de Sales
 
O que ensina são Francisco de Sales sobre a oração mental?
Ele diz: “A oração pondo nosso entendimento na claridade e na luz divina, expondo nossa vontade ao calor do amor celeste, nada há que purgue tanto o nosso entendimento de suas ignorâncias, e a nossa vontade de suas afeições depravadas.”
 
O que é que o Santo chama de nosso entendimento?
O entendimento é a mesma coisa que a inteligência ou a faculdade que nossa alma possui de conhecer a verdade, de entender a verdade, de ler na verdade.
 
E nossa vontade?
É a faculdade que a alma possui pela qual procura a verdade para  amá-la e dela fazer a regra de sua conduta.
 
E isso não é, então, toda a alma?
Certamente, pois nossa alma não é outra coisa que a inteligência ou entendimento, e a vontade ou amor.
 
Assim, a oração mental toma toda a alma?
Sim, toda a alma, se bem que às vezes a oração se faça mais na inteligência que medita, outras vezes mais na vontade que goza, saboreia, abraça a verdade que medita.
 
3. Do trabalho do entendimento na oração mental
 
Explique essa palavra de são Francisco: A oração pondo nosso entendimento na claridade e na luz divina...
Isso significa que para rezar mentalmente é necessário que nosso espírito se alimente com alguma verdade da fé, como uma lâmpada se alimenta do óleo para clarear.
 
Como se chama essa verdade?
É chamada de assunto ou tema da oração.
 
Quais são as operações do espírito em torno desse tema?
O espírito o considera, examina,  mede, como já dissemos, a fim de o compreender tanto quanto possível em toda sua extensão, para dele recolher os frutos.
 
Quais são esses frutos?
Quando a luz aumenta na inteligência, a alma se compraz na claridade e luz divina, e daí é levada mais facilmente a fugir do mal e a procurar o bem.
 
Por exemplo?
Se eu medito na bondade, na doçura  e na suavidade de Deus vai ser mais fácil amá-lo e chegar até ele.
 
4. Do trabalho da vontade na oração mental
 
O que diz são Francisco sobre isso?
Ele diz que a oração expõe nossa vontade ao calor do amor celeste.
 
Ele faz alguma comparação?
Certamente e muito bonita.
 
Qual é?
Imagine um homem que, hirto de frio, se encontra diante de um bom fogo, e que saboreia o bem de sentir que o frio se vai e que o calor penetra em seus membros, reanimando a vida.
 
O que representa esse homem?
Nossa pobre vontade entorpecida pelo pecado e muitas vezes gelada para o bem.
 
E esse grande fogo?
É a própria bondade de Deus, que por mil benefícios, vem a nós e nos penetra para nos sarar, nos torna bons e enfim felizes.
 
5. Das vantagens da oração mental
 
Relate a palavra de são Francisco sobre essas vantagens?
“Nada há, diz ele, que purgue tanto nosso entendimento de suas ignorâncias, e nossa vontade de suas afeiçoes depravadas”.
 
De onde vêm essas nossas ignorâncias e essas afeições depravadas?
Do pecado original
 
Mas não foi remido pelo batismo?
Foi remido, certamente, mas ficaram as seqüelas; como  ficam num doente depois de uma enfermidade.
 
Então, a oração mental nos ajuda muito a nos levantar?
Ela nos ajuda tão bem que nisso nada a supera, segundo são Francisco de Sales.
 
Então será preciso nos ensinar longamente a oração mental.
Esse será o assunto de nossas próximas lições.
 
6. De que se compõe a oração mental
 
A oração mental é composta de muitos atos?
Assim como a oração vocal se compõe de muitas palavras sucessivas, assim como o Pai Nosso é formado de sete pedidos, a oração mental se compõe de vários atos da alma, que se seguem e se encadeiam para formar um todo cheio de harmonia.
 
Quais são esses atos?
Há os atos preliminares ou a preparação, os atos essenciais que fazem como um corpo ou melhor o coração da oração, enfim há os atos de conclusão nos quais se recolhe os frutos da oração.
 
Assim se distingue três partes na oração mental?
Sim, as chamamos preparação, corpo da oração e conclusão.
 
Dê uma comparação?
O Reino do céu é semelhante a um campo, diz Nosso Senhor. Essa comparação de um campo convém muito bem ao assunto.
 
Explique  a comparação?
O lavrador prepara o campo para a sementeira, depois semeia e recolhe, enfim goza dos frutos de seu trabalho. Aí está a imagem das três partes da oração mental.
 
7. Primeira parte: a preparação
 
O que deve fazer uma alma para se preparar para a oração mental?
Primeiramente, deve se recolher, quer dizer, deve concentrar todas as suas potências a fim de estar inteiramente voltada para a obra santa que se propõe fazer.
 
E depois?
A alma deve se colocar atentamente na presença de Deus: quer dizer, se lembrar do que a fé nos ensina sobre a imensidade de Deus presente em toda parte, de seu amor infinito por nós, e sobretudo da assistência misericordiosa que nos dá quando rezamos.
 
Não há algum outro modo que seja muito útil para  pôr-se na presença de Deus?
Será utilíssimo nos lembrar que Deus está não somente em toda parte mas que está presente dentro de nós, nos dando, como diz são Paulo, o ser, o movimento e a vida, nos dando sobretudo a graça de rezar e nos ajudar particularmente nessa obra tão doce e tão salutar.
 
Essa é toda a preparação necessária?
Não, é preciso ainda implorar o socorro divino, a misericórdia de Nosso Senhor, a assistência do Espírito Santo, a proteção da Santíssima Virgem e dos santos Anjos.
 
E então?
Depois desses atos preliminares, a alma está em estado de rezar, e precisa avançar como iremos lhe ensinar.
 
8. Segunda parte: os atos essenciais da oração mental
 
Quais são os atos essenciais da oração mental?
Alguns são atos da inteligência, outros atos da vontade.
 
Quais são os atos da inteligência?
É preciso primeiro penetrar profundamente na verdade que deve formar o fundo da oração, seja um artigo da fé, um mistério de Nosso Senhor, um ato da Santíssima Virgem ou de um santo.
 
E para se penetrar bem no assunto que se deve fazer?
É o que se chama considerações. Por exemplo: quando se vai estudar um grande e belo monumento, se leva em conta seu conjunto e suas partes, a harmonia das linhas, a beleza da decoração, etc. Do mesmo modo, diante de um assunto de oração, considera-se o que Deus fez por nós, o amor com que fez, o bem que nos preparou; diante disso o espírito será arrebatado de alegria em Deus seu Salvador.
 
É preciso fazer muitas considerações?
Depende da necessidade da alma, e da atração da graça que nos faz rezar. Pode-se fazer apenas uma consideração que alimenta a alma durante muito tempo, e então é inútil procurar outra coisa. De outras vezes será preciso multiplicar as considerações até que a alma se sinta vivamente tocada e que possa dizer como Davi: “Encontrei meu coração para fazer minha oração para meu Deus (II Sam. VII,27)”
 
Qual a faculdade da alma que principalmente age nas considerações?
É a inteligência, que se compraz “na claridade e nas luz divina”, como nos dizia são Francisco de Sales.
 
Quais os atos que resultam desses atos da inteligência na oração mental?
São os atos da vontade.
 
Quais são esses atos da vontade?
Podem se resumir em quatro: atos de amor ou de ódio, atos de confiança ou de temor.
 
Como se compreende esses atos?
Dissemos que são a conseqüência dos atos de inteligência: se considero a infinita bondade de Deus, serei levado a fazer atos de amor e de confiança; se meço a enormidade do pecado, farei atos de ódio, de detestação, de contrição; à vista do inferno e dos temíveis julgamentos de Deus, farei atos de temor; é assim que os atos da vontade são comandados pelos atos da inteligência.
 
Quais são os mais saudáveis desses atos da vontade?
São os que nos fazem detestar o pecado e amar a Deus.
 
Não é isso o principal na oração mental?
Certamente, são nesses atos que mais devemos insistir.
 
9. A conclusão da oração mental
 
Como se deve terminar a oração mental?
Sempre com alguma salutar resolução inspirada pelo desejo de nos afastar do pecado e de nos unirmos a Deus.
 
Essa não é uma resolução muito geral?
Certamente, a essa devemos juntar uma resolução de evitar determinado pecado, ou fazer um determinado bem em conformidade com a resolução geral.
 
Qual deve ser o caráter da resolução particular?
Que ela seja prática, e imediatamente prática, nos ajudando a vencer o defeito dominante ou a adquirir a virtude de que temos mais necessidade.
 
Como é preciso terminar a oração mental?
Por um movimento piedoso e cordial de agradecimento para com Deus, o inspirador de toda oração e a única fonte de nossos bens.
 
E como terminar essa lição?
Com o compromisso de rezar mentalmente, ao menos alguns instantes todas as manhãs e sobretudo antes da santa comunhão. Que Deus nos dê essa graça.
 
10. A oração mental é difícil
 
Há quem se queixe algumas vezes das dificuldades da oração mental?
Algumas vezes; mas, na verdade, a oração mental não é mais difícil do que qualquer outra forma de oração.
 
Isso espanta!
Não se espantará mais se lembrar que a oração é um desejo da alma, e que sem desejo não há oração. Ora, o desejo, que seja exprimido por palavras ou dito interiormente a Deus sem palavras é a mesma coisa, não haverá mais dificuldade de um lado que do outro.
 
No entanto se escuta sempre dizer: Não posso meditar!
Há aí um mal entendido, pois não há alma que não medite. Logo, a meditação é possível já que todo mundo a faz.
 
Como é isso?
Não é verdade que todo mundo pensa em seus negócios, examina sua situação, considera as possibilidades de sucesso, os perigos e enfim toma suas providências para que as coisas corram o melhor possível?
 
Nada mais verdadeiro, e o que concluir?
Conclui-se que se cada um pode meditar nos seus negócios, pode igualmente meditar no grande negócio de sua salvação; pode ainda melhor porque a graça do Espírito Santo ajuda as almas a rezar, as leva à oração, em uma palavra, as faz rezar quando são dóceis.
 
11. O mal entendido
 
O que é esse mal entendido que foi mencionado?
Esse mal entendido vem do que se chama métodos de oração.
 
Mas o que são esses métodos de oração?
São teorias verdadeiramente bastante engenhosas pelas quais os autores modernos querem ensinar às almas uma espécie de ginástica espiritual onde se encontram habilmente sistematizados todos os atos possíveis da meditação.
 
Mas então de onde vem o mal entendido?
Do fato de que tendo lido esses métodos, alguns acreditam que não há outros meios de meditar que não sejam esses.
 
E se pode rezar sem eles?
Os antigos não os conheciam, e achamos que suas orações valiam bem mais do que as meditações artísticas, compassadas, certinhas dos orantes de nossos dias. Pode-se, pois rezar sem métodos racionais.
 
12. As distrações
 
E o que dizer das distrações?
As distrações são uma miséria da qual não podemos escapar. Somente no céu há quem reze sem distrações.
 
Essa miséria não é muito miserável?
Ela é miserável, sem dúvida, mas se vem sem nos darmos conta, é preciso ficarmos em paz, deixá-la passar sem nada lhe dizer e continuar sua oração como se nada tivesse acontecido. É inofensiva como uma mosca que passa.
 
Mas não há distrações nocivas?
Há, e muito nocivas: são as que nós mesmos provocamos quando não é hora de rezar.
 
Como isso?
Se, durante o dia, damos livre curso aos pensamentos de vaidade, de curiosidade, afeição às coisas do mundo; se nossa alma se deixa levar pelas armadilhas de alguma das três concupiscências, podemos estar certos de que estamos nos preparando para funestas distrações quando formos rezar.
 
Por onde elas chegam?
Pela via que nós mesmos traçamos. Pois se, durante o dia, os desejos de nossas almas são levados para as coisas baixas contra a vontade de Deus, essas coisas de baixo voltarão durante nossas orações, contra nossa vontade;  é isso que se chama oração funesta.
 
13. Um certo segredo relacionado à oração
 
O que nos promete com o nome de um certo segredo?
Uma belíssima história.
 
Conte-nos!!
Havia uma menina coxa, que só podia andar com o auxílio de muletas. Mas sua alma não claudicava indo no caminho do céu.
 
Então como ela andava nesse caminho?
Reta; ia para Deus, e nada mais lhe importava. Todos os dias dava graças a Deus por ele ter quebrado suas pernas. Quantos pecados teria cometido, dizia ela, se pudesse andar como os outros!
 
E sua oração?
Era uma maravilha. Ela não sabia ler, não tinha idéia de métodos. Rezava com seu coração, suas meditações eram muito elevadas, e sobretudo universais, envolvendo todas as almas, como Nosso Senhor nos ensinou a rezar no Pai Nosso.
 
Onde encontrava os assuntos de suas meditações?
No Santíssimo Sacramento, na Paixão de Nosso Senhor e nos seus outros mistérios, e nas dores da Santíssima Virgem: para ela estava tudo aí.
 
Então como ela rezava?
Praticamente não tinha dúvidas, justificava muito bem o que dizia Bossuet: “A melhor oração é a oração da alma que se conforma inteiramente com a disposição que o Espírito Santo lhe dá”.
 
Quem foi seu mestre na ciência da oração?
O Espírito Santo; não há ninguém que  não possa ou não deva ir à sua escola.
 
E ela tinha distrações?
Quase nada: além do mais não lhes dava a mínima atenção, ia reta em seu caminho sem cuidar do que podia acontecer à direita ou à esquerda.
 
E ela rezava sempre assim?
Não, alguns dias ela dizia: “Tiraram minha oração”.
 
E o que fazia então?
Dizia simplesmente: “Vou esperar!” quer dizer que ela se punha pacificamente diante de Deus, pedindo com toda a humildade a graça de rezar; quando já tinha esperado bastante, a oração voltava. “Tornaram a me dar a oração”, dizia, e sua alma mergulhava em piedosos desejos diante de Deus, de Nosso Senhor e da Santíssima Virgem.
 
14. O espírito de oração
 
O que é a oração para a alma do cristão?
A oração é para a alma o que a respiração é para o corpo: como um corpo não poderia continuar vivo se não respirasse a todo instante, assim a alma não poderia permanecer na graça, se não rezar ao menos de tempos em tempos.
 
Como a alma é levada a rezar assim?
O corpo é levado a respirar por uma necessidade incessante e pelo movimento natural de sua conservação; a alma é levada a rezar por um movimento sobrenatural, obra da graça de Nosso Senhor.
 
Como se chama esse movimento sobrenatural na alma cristã?
Chama-se espírito de oração. Deus disse em Zacarias: Estenderei sobre a casa de David e sobre os habitantes de Jerusalém, o espírito de graça e de oração: Spiritum gratiæ et precum (Zc 12,10).
 
O que é a casa de Davi?
É a casa de Nosso Senhor, filho de Deus e filho de Davi.
 
O que é Jerusalém?
É a Igreja, a sociedade dos filhos de Deus, os herdeiros da graça de Nosso Senhor.
 
O que é o espírito de oração?
É o espírito que faz rezar, é a graça da oração distribuída pelo Espírito Santo aos corações dos filhos de Deus.
 
15. O que faz o espírito de oração
 
O que produz nas almas o espírito de oração?
Ensina interiormente a necessidade que a alma tem de rezar; move eficazmente a alma para  a oração, onde encontra um gosto sobrenatural na própria oração.
 
E então o que faz a alma sob a ação desse espírito?
Então a alma aspira realizar essa palavra adorável, esse mandamento sagrado de nosso amável Salvador: “É preciso rezar sempre, rezar sem cessar: Oportet semper orare et numquam deficere (Lc 18,1).”
 
Porque disse mandamento?
Porque Nosso Senhor disse: “É preciso, Oportet”; não podemos nem acrescentar nem diminuir a palavra de Nosso Senhor.
 
Como compreender esse mandamento?
É como se Nosso Senhor nos dissesse: é preciso sempre amar a Deus, é preciso sempre se conservar em estado de graça, é preciso sempre evitar o pecado.
 
Como podemos realizar esse mandamento?
Nunca o realizaremos perfeitamente aqui em baixo; mas devemos fazer tudo para o realizarmos o melhor possível.
 
16. Como é preciso rezar para rezar sempre
 
Como obedecer bem a esse mandamento de Nosso Senhor?
Primeiro é preciso querer realizá-lo; ora, essa vontade implica para nós o dever de nos afastarmos de todo pecado e de nos orientarmos sempre ao que agrada a Deus.
 
E depois?
Depois prestar atenção para não perder as boas ocasiões de rezar.
 
Quais são elas?
Antes de tudo, a hora das orações da manhã e a hora das orações da noite; a hora do Ângelus, as orações antes e depois das refeições, são circunstâncias em que o católico não deixa nunca de elevar seu coração a Deus, de respirar sua divina graça e de rezar.
 
17. As ocasiões de rezar
 
Não há ainda outras circunstâncias em que é bom elevar a alma a Deus?
Há ainda muitas outras, como por exemplo, ao levantar e antes de adormecer, ao nascer do sol e ao poente.
 
Como é preciso rezar ao levantar?
Dando graças a Deus por nos ter guardado durante o sono, lhe oferecer o primeiro pensamento de nosso espírito, a primeira batida de nosso coração, e oferecer nosso dia.
 
Como é preciso rezar antes de adormecer?
Não adormecer jamais com um pecado mortal na consciência, mas ao contrário, ter a consciência em paz e adormecer sob o olhar de Deus, nos recomendando à Santíssima Virgem e a nosso anjo da Guarda.
 
O nascer do sol pode também nos fazer rezar?
Sim, pois nos lembra como Deus é criador da luz, como a distribui às criaturas segundo a sua vontade; é preciso querer usá-la, assim como todos os benefícios de Deus para a glória de nosso Criador.
 
Quais os bons pensamentos que nos pode fornecer o poente?
O fim do dia deve nos fazer pensar no fim de nossa vida, a hora em que nossos olhos se fecharem à luz daqui de baixo, e quando nossa alma deverá ir para Deus e entrar em sua luz eterna.
 
18. As orações jaculatórias
 
Será que poderemos rezar ainda em outros momentos?
Sim, certamente: a qualquer momento podemos dirigir a Deus alguma oração jaculatória.
 
O que são orações jaculatórias?
Uma oração muito curta, mas, o mais ardente possível, que dirigimos a Deus.
 
Porque se chama jaculatória?
Porque parece um jato (jaculum, em latim quer dizerjato) um jato que lançamos para Deus do fundo de nosso coração.
 
O que devemos dizer a Deus nessas orações?
Tudo o que nos pode inspirar a fé, a esperança, a caridade e a contrição.
 
E onde encontrar a matéria dessas orações?
Na ordem das coisas da natureza, para admirar, louvar e agradecer o poder, a sabedoria e a bondade de Deus; na ordem da graça para admirar, louvar e agradecer o que Deus fez na Encarnação de Nosso Senhor, o que faz na Eucaristia e os outros sacramentos; enfim na ordem da glória para admirar, louvar, agradecer a Deus pela glória de Nosso Senhor, da Santíssima Virgem e dos santos.
 
Haverá uma oração jaculatória que gostaria de nos ensinar?
Entre outras gostamos dessa:
 
JESUS, MEU DEUS, VOS AMO ACIMA DE TUDO.
 

4. O Confiteor

1. Confiteor (Eu me confesso)
 
O que é o Confiteor?
Uma oração na qual nos reconhecemos diante de Deus como pecadores.
 
É uma ciência se saber pecador?
É uma ciência rara e preciosa, a qual só podemos alcançar por uma  graça gratuita de Deus.
 
A que nos conduz essa tão rara ciência?
Pedir e obter de Deus o perdão de nossos pecados.
 
E o que é o Confiteor nessa ciência?
É como o resumo dessa ciência, é a penitência em prática, ou melhor, é o ato de contrição dramatizado.
 
Porque dramatizado?
Porque nele está a constituição de um grande tribunal, a instrução da causa, a defesa dos advogados e enfim uma sentença que não é nunca uma condenação. Isso pede uma explicação.
 
2. O tribunal
 
Qual é esse tribunal mencionado no Confiteor?
É o tribunal do próprio Deus, o soberano Juiz, tendo como assessores toda a corte celeste.
 
Porque razão pomos no papel de juízes todos os santos do céu?
Porque Deus nos assegura que os santos julgarão com ele e também por uma razão que descobriremos depois.
 
Quais são os santos designados no Confiteor?
Primeiramente a Santíssima Virgem, depois são Miguel, o primeiro dos Anjos, são João Batista, o primeiro dos santos, são Pedro o primeiro dos apóstolos e dos Papas, são  Paulo seu companheiro de apostolado e de martírio, depois todos os santos do céu.
 
Mas não se nomeia também o padre?
Sim, o padre é nomeado depois de Deus e dos santos.
 
Porque?
Porque no sacramento da Penitência ele é o ministro de Deus para pronunciar a sentença que é a do próprio Deus.
 
3. A instrução da causa
 
Como se faz a instrução da causa nos tribunais humanos?
Ouvindo as testemunhas e a confrontação das testemunhas com o que diz o acusado.
 
É a mesma coisa no tribunal de Deus?
Não, porque aqui toda a instrução consiste na acusação do culpado, confissão que está significada desde o começo pelas palavras: Eu me confesso, Confiteor.
 
Quais são as acusações do culpado?
Ele confessa seus pecados de pensamento, palavras e atos.
 
Quais são as conseqüências dessas acusações?
Estando o tribunal suficientemente instruído, segue em frente e  ouve a  defesa.
 
Mas como encontrar defensores se o pecador já confessou tudo?
É precisamente a confissão do culpado que vai se tornar o grande meio da defesa. Assim quis a eterna bondade do Deus de misericórdia.
 
4. A defesa
 
Quais serão os defensores do culpado?
Todos os assessores do soberano Juiz.
 
Como podem os juizes se transformarem em advogados?
Ao pedido da oração do pecador, todos os santos se voltarão para Deus e pedirão misericórdia.
 
Como o pecador os incita a lhe prestarem tão bom oficio?
Como os nomeou na primeira vez para juízes, nomeia todos na mesma ordem, lhes suplicando que sejam seus intercessores junto ao Senhor nosso Deus.
 
E os santos aceitarão esse convite?
Sem dúvida, sua caridade para conosco os levarão a isso e acolherão sempre nossos pedidos com tanto mais empenho quanto mais completa nossa confissão.
 
E Deus, escutará sua defesa em nosso favor?
Sim, porque está escrito que ele não quer a morte do pecador, mas que ele viva (Ez 30,11)
 
5. A sentença
 
Depois disso, qual será a sentença?
O pecador que se confessa, que põe sua confiança na bondade de Deus e na intercessão dos santos, indica por si mesmo a fórmula.
 
Como ele concebe a sentença?
Ele reclama para si mesmo uma sentença de perdão, e a pede ao Deus todo poderoso e misericordioso.
 
E o próprio Deus julga assim?
Sim, porque Nele, todo homem penitente encontra graça e misericórdia
 
Sendo assim, como devemos dizer nosso Confiteor?
Devemos dizê-lo com o pensamento no julgamento final onde tudo será revelado, tudo será julgado; mas então será um julgamento de justiça, e agora imploramos um julgamento de misericórdia.
 
Podemos afastar de nós o julgamento de justiça?
Sim, pedindo agora a misericórdia de Deus, recebendo a sentença de nosso perdão na absolvição do padre.
 

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